Lula fala em reconstrução ambiental e Bolsonaro quer alternativa ao Inpe

Mudança do clima, transição energética e combate ao desmatamento são temas que aparecem tanto nas diretrizes de governo formuladas pelo conjunto de partidos que apoia a candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao Planalto como no programa apresentado pelo principal adversário, o presidente Jair Bolsonaro (PL). As diferenças estão na profundidade das propostas de como descarbonizar a economia, no histórico do combate à destruição da Amazônia, em temas fundamentais como a intolerância ao garimpo ilegal, no propósito de demarcação de terras indígenas e, principalmente, no ponto de partida das duas candidaturas.

As diretrizes de Lula partem de um esforço de reconstrução da política e do sistema ambiental brasileiro, desconfigurados pela gestão bolsonarista, para depois avançar na agenda climática. O programa de Bolsonaro busca dar continuidade a algumas políticas e incorporar temas que não existiam na campanha de 2018, como mudança do clima e desmatamento.

Nos governos petistas o desmatamento saiu de taxas bem acima de 20 mil km2 atingindo o melhor resultado (4,6 mil km2) em 2012. Depois, a derrubada da Amazônia voltou a crescer até o ano eleitoral de 2018. Na gestão de Bolsonaro só fez subir, chegando a níveis muito altos e batendo recorde de queimadas no Cerrado e no Pantanal.

A reportagem traz alguns pontos dos programas de governo ou diretrizes socioambientais apresentados pelas quatro principais candidaturas nas pesquisas de intenção de voto à Presidência.

A base do programa da chapa Lula-Alckmin, em construção pelos partidos aliados, é coordenada por Aloizio Mercadante, presidente da Fundação Perseu Abramo. O que já existe são 121 diretrizes lançadas em junho, sendo que as propostas relativas à sustentabilidade socioambiental e climática são transversais a todo o projeto. “Estamos processando 13 mil propostas da plataforma e mais de 350 entregues por entidades”, diz Mercadante ao Valor.

“Fizemos mesas de diálogos com sindicatos, entidades empresariais, movimentos sociais, cientistas, ambientalistas. É um programa construído coletivamente entre partidos, mas também com a sociedade”, diz Guilherme Santos Mello, professor de economia do Instituto de Economia da Unicamp e que participa da comissão de redação do programa de Lula.

No programa algumas questões são fortes, adianta, como o combate à pobreza e à fome, a geração de oportunidades de trabalho, a recuperação da renda e do salário mínimo. “Do ponto de vista estratégico ressaltaria o que chamamos de transições: a energética, a digital e a ecológica.”

A proposta é de combate ao desmatamento ilegal e promoção do desmatamento líquido zero (com a recomposição de áreas degradadas), do desenvolvimento da sociobioeconomia para os mais de 20 milhões de amazônidas, desenvolvimento em energias renováveis, hidrogênio verde e biomassa. “A Petrobras é um ativo fundamental nesta transição, tanto na dimensão energética como na ecológica. Deve seguir a tendência das empresas de petróleo no mundo que estão se tornando empresas de energia”, continua. “As transições ecológica e energética dialogam com a crise climática e podemos enxergá-las como uma grande oportunidade de transformação.”

Outro ponto central, diz Mello, é a proteção dos direitos indígenas: “São aliados do processo”.

“Há uma consciência de que existe uma guerra na Amazônia e Lula tem sido firme ao falar sobre o impacto da garimpo ilegal, do combate ao narcotráfico, de reconstruir o desmonte que houve no sistema de comando e controle. Mas também em ampliar políticas públicas para incentivar quem está fazendo certo”, diz Pedro Ivo, representante do Rede na construção do programa.

Nas diretrizes da chapa Lula-Alckmin, um dos compromissos é combater “o crime ambiental promovido por milícias, grileiros, madeireiros e qualquer organização econômica que aja ao arrepio da lei”. Outro é fazer com que o país construa “sua trajetória de transição ecológica com base no conhecimento tradicional e científico”.

No programa de Bolsonaro a preocupação com mudança do clima existe, mas mais relacionada à produção agropecuária do que à floresta. O programa de Bolsonaro, coordenado pelo general da reserva Walter Braga Netto, ex-ministro da Defesa e da Casa Civil e vice na chapa, cita 12 vezes a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e lembra que a entrada do Brasil no organismo internacional pode trazer novas parcerias comerciais. É clara a intenção de ingresso no país na entidade nas propostas ambientais do texto, como no trecho em que cita o crescimento da geração eólica e solar.

O programa de Bolsonaro cita números de ações de combate a incêndios florestais e ao desmatamento ilegal. Não faz menção às altas taxas de desmatamento nos anos de governo Bolsonaro e queimadas recordes no Cerrado e no Pantanal. O documento menciona a intenção de consolidar o mercado de créditos de carbono, mas não faz conexão com o processo de destruição da floresta.

Valor procurou entrevistar os autores do programa de Bolsonaro, mas não teve resposta. O Ministério do Meio Ambiente não soube informar quem escreveu a parte ambiental do programa.

O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), referência mundial no monitoramento do desmatamento não é citado nas 48 páginas do texto. O programa de monitoramento do órgão teve seus recursos drenados no governo Bolsonaro. O texto manifesta desconfiança aos dados de monitoramento atuais de desmatamento e queimadas, que são divulgados regularmente pelo Inpe. O documento adianta que, no “próximo plano de governo, até para que o assunto tenha a necessária transparência, será determinado o desenvolvimento de metodologias que consolidem e harmonizem as bases de dados”.

O texto cita os satélites de sensoreamento remoto Carcará 1 e 2 que fazem parte do Projeto Lessonia. O projeto reforça o Censipam, das Forças Armadas, e a intenção é ter imagens de alta resolução para combater tráfico de drogas, visualizar queimadas e apoiar o controle de fronteiras. Ao mencionar a defesa da Amazônia, o texto expressa a tese da cobiça internacional. “A Amazônia brasileira é um patrimônio da Nação brasileira. A soberania brasileira é inquestionável e inegociável”, diz.

No capítulo que se refere à “sustentabilidade ambiental”, o programa de Bolsonaro transita por caminhos mais contemporâneos ao citar a bioeconomia, mas o olhar é voltado mais à agropecuária do que à floresta. Há cinco citações para clima e sete menções a desmatamento. O texto menciona coibir “o narcogarimpo”.

Em eventual reeleição, o governo Bolsonaro segue a linha da primeira campanha, em que Bolsonaro prometeu não demarcar nem um centímetro para “reservas indígenas ou para quilombola”.

Em trecho em que cita indígenas e quilombolas, o texto acusa a imprensa. “Embora explorada de maneira distorcida por uma parcela das mídias internacionais e nacionais, notadamente quando o país é o Brasil e o bioma é o amazônico, a Constituição Federal, em seu artigo 225, garante: ‘Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do cidadão e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações’. Não há citações à mineração em terras indígenas, ponto muito controverso e que depende de legislação adequada, mas que o governo, parte do Congresso e o setor de mineração, defendem.

No plano de governo de Ciro Gomes (PDT), terceiro nas pesquisas de intenção de voto para a Presidência, o “crescimento do Brasil passa necessariamente por uma agenda ambiental clara, capaz de provar que a floresta em pé vale muito mais que um campo desmatado”. O programa diz que é essencial realizar um zoneamento econômico e ecológico no país, em especial na Amazônia. “Precisamos mudar a infraestrutura para que seja limpa. Voltar a crescer e gerar empregos conciliando este movimento com a questão ambiental e a transição energética”, diz Nelson Marconi, coordenador do programa do candidato do PDT.

Na proposta de agenda ambiental de Ciro está expressa a necessidade de envolvimento da população local, investimentos em ciência e tecnologia e uma estratégia regional de desenvolvimento com segurança fundiária para combater o desmatamento.

“A Petrobras pode ser uma empresa importante para o país na área de energia renovável. É preciso transformá-la em uma empresa de energia limpa”, diz Marconi. “O mundo vai deixar de usar petróleo em 20 ou 30 anos e o Brasil deve ir na mesma direção”, sugere o economista, professor da FGV-SP, que coordenou o programa de Ciro Gomes também em 2018.

O programa da candidata Simone Tebet (MDB) deve ser divulgado hoje. Candido Bracher, ex-presidente do Itaú Unibanco e Pedro Passos, um dos fundadores da Natura, assinam as propostas socioambientais. São três diretrizes a embasar o plano. Em primeiro lugar, o desmatamento ilegal zero. “É a única forma de nos qualificarmos para o diálogo internacional e aproveitarmos as oportunidades que o Brasil tem”, diz Pedro Passos.

O segundo eixo é a oportunidade do país em fazer a transição climática e liderar processos. “O terceiro ponto é que a transição é mais uma questão de governança e coordenação do que um programa de incentivos fiscais”, segue.

Entre as ações propostas pelo plano de Simone Tebet está a criação de um órgão que coordene a transição energética vinculado à Presidência da República. “A governança da agenda climática não pode estar fragmentada entre os vários ministérios”, diz Passos.

No plano há propostas de recuperar instituições como o Inpe, Ibama, ICMBio e Funai até fazer com que o Brasil volte a ter protagonismo ambiental na política externa. Reflorestamento é outro tema importante no plano de Tebet, assim como transição energética.

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