O Senado aprovou nesta quarta-feira, 10, o projeto de lei (PL) que diminui de 25 para 21 anos a idade mínima para autorização da esterilização voluntária. Aprovado pela Câmara em março, o texto também exclui da legislação a necessidade de consentimento expresso de ambos os cônjuges para o procedimento. A aprovação segue para sanção presidencial.
De autoria da deputada Carmen Zanotto (Cidadania-SC), o PL estabelece que o procedimento poderá ser feito na mulher logo após o parto. Atualmente, regulamentação do Ministério da Saúde proíbe a laqueadura durante períodos de parto, aborto ou até o 42º dia após esses procedimentos, exceto em casos de comprovada necessidade. De acordo com o texto, a oferta de qualquer método e técnica de contracepção deve ser feita no prazo máximo de 30 dias.
Conquista das mulheres
Apesar da decisão envolver ambos os sexos, é inegável que para as mulheres os ganhos com a decisão do Senado são mais significativos. Afinal, são elas que carregam a pressão da maternidade e que, historicamente, foram controladas por seus maridos.
“É uma conquista ter uma autonomia sobre seu próprio corpo, sem depender de autorização de terceiros. A parceria pode fazer parte de sua vida naquele momento, mas não quer dizer que será para a vida toda. É muito bom poder tomar essa decisão de acordo com os princípios da própria vida”, diz a ginecologista Carolina Ambrogini, especialista em sexualidade no ambulatório do Projeto Afrodite, na Unifesp (Universidade Federal de São Paulo). A especialista já teve pacientes que não desejam ter filhos com dificuldade de realizar o procedimento.
Nara Maubrigades, advogada sócia fundadora do instituto Re.tomar, que luta para garantir direito de meninas e mulheres, diz que a decisão pode trazer segurança para as mulheres que não querem ter filhos e para as casadas que não queiram mais aumentar a família. “Estamos começando a deixar de ser propriedade de alguém, que tinha o poder de autorizar ou negar esse direito, para passar a decidir, nós mesmas, sobre ter ou não filhos”, diz Nara.
“O que aprovamos hoje representa mais um passo à liberdade das mulheres e promoção dos seus direitos. Que neste ano eleitoral tenhamos mais mulheres eleitas para discutirmos e aprovarmos ainda mais políticas afirmativas de gênero”, conclui a advogada.
Efeitos na saúde
A relatora, senadora Nilda Gondim (MDB-PB), orientou pela aprovação da proposta e defendeu a esterilização cirúrgica. Trata-se de método contraceptivo permanente, considerado um dos mais efetivos em homens e mulheres e com baixa incidência de falhas.
“Nesse sentido, somos favoráveis, pois a proposta visa facilitar o acesso de homens e mulheres à contracepção definitiva. Especificamente a respeito das mulheres, além de evitar a gravidez de forma efetiva, o método reduz o risco de doença inflamatória pélvica, de gravidez ectópica e pode prevenir o câncer de ovário, segundo alguns estudos.”
Segundo Carolina Ambrogini, isso não é verdade. Na laqueadura não se tira a tuba, apenas a interrompe, para que o espermatozóide não encontre o óvulo, por ser um procedimento mais rápido, com menor tempo operatório e menos complicações. “Estes benefícios ocorrem quando se tiram as tubas completamente- um outro procedimento chamado salpingectomia”, diz.
Para algumas mulheres, o procedimento pode aumentar o fluxo menstrual.
Garantia ao direito
Thais Maia, advogada sócia do Maia e Munhoz Advocacia, mestre em bioética, que trabalha especificamente na área da saúde no direito, afirma que o projeto é um avanço para a sociedade e para a lei do planejamento familiar, que é de 1996 e que determina essa necessidade de autorização dos cônjuges para procedimentos como vasectomia e laqueadura. Contudo, o que as mulheres precisam, além da liberdade para tomar a decisão, é ter acesso ao procedimento.
“A laqueadura é um direito previsto em lei, mas as mulheres têm dificuldade de realizá-la por uma questão de cultura do Brasil. Mesmo preenchendo os requisitos, que é de ter 25 anos ou dois filhos vivos – mas que passará ser de 21 anos com esse novo projeto-, ela encontra dificuldade nas instituições”, diz a especialista. Para a vasectomia, os homens não enfrentam as mesmas barreiras.
“O Brasil é historicamente machista e tem uma violação de direito quando essa mulher busca uma laqueadura e não consegue fazê-la, mesmo que se encaixe no perfil que a lei prevê”, diz Thais. Esse novo projeto de lei traz ainda mais uma novidade para a mulher que desejar fazer o procedimento: ele poderá ser realizado na hora do parto, sem que haja a necessidade de que uma outra cirurgia seja realizada.
“O prazo mínimo para que se expresse essa vontade é de 60 dias antes do nascimento. Isso é feito por um documento de consentimento”, diz Thais. Caso a unidade de saúde se recuse ou dificulte os trâmites, ela indica que, antes de tentar um processo judicial, se fale com a ouvidoria do hospital. “Infelizmente, existem vários casos de mulheres que precisaram judicializar esse acesso”, conta.
Voto contrário
O senador Guaracy Silveira (Avante-TO) se posicionou contrário ao trecho da lei que exclui a necessidade de autorização do marido para realizar o uso de contraceptivos. Guaracy alegou que o mecanismo seria “ponte de discórdia” nos casamentos. “Essa casa não deve criar de maneira nenhuma pontos de discórdia nas famílias, e arriscar criar inconstitucionalidade com a retirada desse artigo da legislação.”
“A harmonia nas famílias tem que ser dos dois lados. A mulher precisa avisar ao seu marido, mas ela tem o direito de decidir o seu posicionamento e sua vida. Então ela tem a última decisão. Isso não vai causar desarmonia nas famílias”, rebateu a relatora.