O Acre está parecendo o sexto círculo do Inferno. Na famosa obra de Dante Alighieri, A Divina Comédia, “O Cemitério de Fogo” era destinado aos hereges, confinados em túmulos eternamente flamejantes. É o caso de tentarmos uma soneca à tarde, com a sensação de labaredas de fogo sendo expelidas pelos ventiladores, uma experiência muito normal no Acre e outros estados amazônicos.
Segundo dados levantados pela professora e pesquisadora Sonaira Silva, da Universidade Federal do Acre (UFAC), veiculadas no G1, o Acre findará por queimar 200 mil hectares ainda este ano. É o mesmo número em campos de futebol, que virarão cinza, aumentarão a sensação térmica, prejudicarão mais nascentes e rios, além de continuarem gerando muita fumaça.
A fumaça tóxica, que chegou a tornar o ar de Rio Branco 12 vezes mais irrespirável que o recomendado pela OMS, está sendo bem produzida aqui, não apenas nos estados vizinhos de Roraima e Amazonas, que estão gerando grandes volumes por conta de aberturas de novas fronteiras agrícolas. Também não se trata apenas de fumaça oriunda de queimadas na Bolívia, segundo a pesquisadora. O Acre queimou em mais de 5.000 localidades num único dia de setembro. Até o dia 25 de setembro, teve 5.965 focos de queimadas, sendo 612 apenas em Rio Branco, segundo dados do Programa de Queimadas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).
A concentração de fumaça em 2022 tem sido a pior dos últimos quatro anos, segundo o pesquisador e doutor em Ciências Ambientais, Foster Brown. Em entrevista recente ao Jornal A Gazeta do Acre, informou o que isso significa, na prática: “Atualmente, passamos cerca de um mês com valores diários acima do limite máximo recomendado pela Organização Mundial da Saúde. Sabemos que, além dos efeitos imediatos na população, a fumaça, penetrando nos pulmões das pessoas, causa problemas de desenvolvimento fetal e desenvolvimento de crianças, além de aumentar as chances de câncer, problemas cardíacos e aumento de demência em idosos”, conclui.
A cereja deste bolo só podia ser o Rio Acre. Ontem, 2 de setembro, o rio teve seu pior nível dos últimos sete anos, marcando apenas 1,3 metros neste domingo e demonstrando que, atualmente, pode baixar em até 12 cm em uma simples semana. Segundo a Defesa Civil Municipal de Rio Branco, não há previsão de chuvas para resolver o problema. Como diz o dito popular, “Só Deus na causa”, ou algumas chuvas, se formos pensar em resolução a curto ou médio prazo. Os hereges que se cuidem, porque a natureza não brinca em serviço.