Angela Mendes é conhecida mundialmente, não apenas como filha de Chico Mendes e de seu legado, mas como uma das últimas vozes ainda atuantes na defesa da floresta Amazônica.
Coordenadora do Comitê Chico Mendes, criado em homenagem a seu pai, a ativista ambiental Ângela Mendes conta de que maneira tem preservado a memória do líder seringueiro e dado continuidade ao seu legado.
Veja aqui no ContilNet uma entrevista exclusiva com a ativista e notável referência sobre questões ambientais, sociais e econômicas que afetam à todos.
ContilNet: Como a senhora avalia a situação atual do país?
O Brasil não resistirá. Honestamente, o que vejo é que o Brasil não resistirá a mais um Governo do Bolsonaro, da mesma forma o Acre não sobrevive a mais um mandato totalmente alinhado com o agronegócio, mas desconectado do meio ambiente e das populações que dependem dele, promovendo retrocessos e desmontes nos direitos das pessoas comuns. Vejo também uma tentativa clara de apagar a memória e o legado do meu pai, assim como de toda a história de lutas de lideranças populares no Acre. Deixar abandonados espaços públicos de importante referência histórica, como a casa de Chico Mendes e mesmo a Biblioteca da Floresta em Rio Branco – totalmente abandonados – é uma demonstração do quanto eles não se importam com a própria história e legado de seu povo.
ContilNet: O Acre ainda é referência para o mundo em leis ambientais adequadas?
Também não se importam com a referência político-ambiental que o Acre conquistou mundialmente. Enquanto o mundo todo discute como manter a floresta, como barrar a crise climática, com motivos muito reais para isso, a gente vê o Acre na contramão da história, fazendo tudo ao contrário, sendo que até pouco tempo éramos o Estado referência no assunto de política de meio ambiente. E a gente continua vendo, enquanto isso, todos os anos o Acre queimar, impunemente.
ContilNet: Como vê a situação atual da Resex Chico Mendes? Vale mesmo a pena este modelo de ocupação humana?
A Resex CM bate recordes de desmatamentos e queimadas, ano após ano e isso se reflete em outros territórios também. Hoje, o submundo da grilagem, da violência pela posse de terra, se une ao submundo do tráfico de drogas e dos armamentos, e isso está crescendo, se fortalecendo. Muitas pessoas que são na verdade criminosas, se sentem agora bem à vontade para atacar, violentar e ameaçar, promovendo um cenário de impunidade no país.
A criação de Reservas Extrativistas foi uma ideia que meu pai acalentou há 30 anos, ele anteviu a crise ambiental antes de todo mundo falar disso. Uma Reserva Extrativista foi e continua sendo uma ousadia e um desafio histórico. A Reserva cumpre o papel fundamental de manutenção e garantia da vida de seus moradores. Com tantos conflitos por posse de terra no Brasil, a gente vê o quanto uma Reserva cumpre um papel fundamental, ainda mais na Amazônia, com tantas disputas por terras públicas ou não destinadas. Só por isso, já tem muito valor.
ContilNet: Atualmente, qual a ação em que está mais envolvida?
A Campanha Amazônia de Pé, que nós apoiamos, é um projeto de lei, de iniciativa popular, que está coletando assinaturas para destinar as florestas públicas na Amazônia no sentido da proteção dos povos indígenas, quilombolas, pequenos produtores extrativistas e Unidades de Conservação. Ou seja, é uma proposta de ocupação das terras públicas para uma função social. Isso é muito importante para reduzirmos os conflitos.
ContilNet: A Amazônia tem algum potencial econômico a ser explorado sem sem proporcionar devastação?
A Amazônia cumpre um papel fundamental e não é o de elevar o PIB do Brasil. Ela não pode mais ser vista, como sempre foi, como apenas fonte de matéria prima para atender as demandas dos mercados europeus, chineses, russos ou norteamericanos. Não podemos colocar nosso maior patrimônio natural, com suas populações e culturas, à disposição do mercado das commodities, que é só produção de bem primário. Madeira ilegal, gado, soja, minérios. Para atender a esse mercado, poluem, matam, violentam e promovem devastação. Há também uma desvalorização constante dos conhecimentos tradicionais das populações que vivem na floresta há décadas ou séculos, no caso dos indígenas, milhares de anos. Eles tem todo conhecimento de como viver e utilizar recursos sem impactar a floresta. É um grande e vasto ensinamento, porque não aproveitamos isso? Boa parte destes conhecimentos foram passados aos seringueiros e ribeirinhos, o Chico Mendes percebeu isso, que era uma forma de dar autonomia à estas populações, com um modelo adequado de reforma agrária para a Amazônia, sem conflitos, sem queimar tudo, sem destruir conhecimento ancestral, ao contrário, promovendo a expansão do que mais tem valor, que é a vida digna das pessoas e um uso mais racional da floresta.