Lula e Marina não superaram brigas por poder da época do segundo mandato do petista na presidência

A música “Pra não morrer de tristeza”, escrita pela dupla de compositores João Silva e K. Boclinho, que fez sucesso no Brasil nos anos 50 e 60 na voz de vários intérpretes, parece ter sido feita nos dias atuais para ilustrar as relações entre o ex-presidente Lula e a ex-senadora pelo Acre e ex-ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, atual candidata a deputada federal pela Rede Sustentabilidade, em São Paulo. Os versos da música falam de uma mulher que deixou a moradia para viver de boemia e hoje, o antigo companheiro, para não morrer de tristeza, senta-se na mesma mesa, “mesmo sabendo quem és”. Por fim, após uma série de lamentações sobre as ilusões da vida, a letra da música conclui: “Quem era eu/Quem eras tu/Quem somos agora/Companheiros de outrora/Inimigos no amor…”

A letra da canção ganha sentido porque, depois de ter servido ao governo de Lula por cinco anos como ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, hoje, seria um pote de mágoa contra o ex-presidente, mesmo com chances de o petista voltar às luzes da ribalta num próximo mandato. Jornalistas que cobrem a área política em Brasília e em São Paulo vêm informando que as relações pessoais entre o antigo casal de companheiros continuam de mal a pior. Companheiros de militância no PT e herdeiros dos ideais de Chico Mendes, o sindicalista e ambientalista assassinado em Xapuri, Acre, em 1988, e cuja morte serviu para impulsionar as campanhas petistas de Marina rumo ao Senado em 1994 e de Lula ao primeiro mandato de presidente, em 2002, uma vez no governo, acabaram por bater de frente.

No primeiro mandato de Lula, Marina Silva, então reeleita senadora pelo PT do Acre, foi nomeada ministra do Meio Ambiente em 2003 e permaneceu no cargo até 2008, já no segundo mandato de Lula como presidente. Mas as relações já não eram mais as mesmas.
A então ministra esperava ser indicada pelo próprio Lula para sucedê-lo como candidata quando ele não pudesse mais concorrer a um terceiro mandato, o que é vedado pela Constituição. Afinal, Lula dava sinais de que queria uma mulher petista para sucedê-lo, o que animava a acreana Marina Silva. Mas, como no poema de Carlos Drummond de Andrade, no meio do caminho havia uma pedra, que atendida pelo nome de Dilma Rousseff, então ministra das Minas e Energia e que Lula trouxe para perto dele como ministra-chefe da Casa Civil, o mais importante Ministério de qualquer Governo.

Foto: Reprodução

Além disso, na época, o então presidente a batizou de “Mãe do PAC”, referência ao Programa de Aceleração do Crescimento, com o qual o governo realizava obras pelo país a fora. Foi aí que Dilma Rousseff e Marina Silva começaram a se estranhar. Dilma chegou a acusar o Ministério do Meio Ambiente de dificultar as ações do PAC ao não facilitar o licenciamento ambiental de obras que precisavam ser realizadas, como as obras da usina de Belo Monte, no Pará, e do Rio Madeira, em Rondônia. Dilma Rousseff chegou a acusar Marina Silva de atrapalhar as obras das duas maiores hidrelétricas do país por causa de bagres, pequenos peixes também conhecido como mandins, que morreriam com as obras. Foi demais para a acreana e ela preferiu deixar o Governo.

Em 2010, sem apoio de Lula e já fora do PT, a bordo do Rede Sustentabilidade, partido que ela mesmo criou, Marina Silva candidatou-se a primeira vez à presidência da República. Nos momentos em que seu nome parecia crescer na preferência do eleitorado, os marqueteiros do PT, liderados pelo publicitário João Santana, pegavam pesado com a ex-ministra. Os programas eleitorais do PT não pouparam nem mesmo a história da família da ex-ministra, insinuando que, enquanto Marina Silva defendia os bagres do rio Madeira, seu marido, Fábio Vaz de Lima, estava envolvido em irregularidades com grandes madeireiras no Acre. Marina Silva suportou calada as acusações, concorreu mais duas vezes à presidência e não foi nem um pouco solidária com Lula quando ele esteve preso, em Curitiba (PR).

Agora, como eleitora e militante da política em São Paulo, onde mora com o marido e os filhos, Marina Silva foi bem recepcionada pelo candidato ao governo paulista Fernando Haddad, que a queria como candidata a vice. De acordo com quem acompanha a política paulista e conhece Marina, foram as mágoas dos petistas que a levaram a não se juntar a Haddad, com quem ela tem boas relações e partiu para a campanha a deputada federal, na esperança de ser eleita e puxar muitos votos a fim de eleger pelo menos mais dois companheiros de chapa.

Mesmo com a ex-companheira fora de sua chapa, Fernando Haddad, para agradar Marina Silva, teria incorporado a seu plano de governo todas as propostas apresentadas pelo Rede Sustentabilidade. Haddad, a princípio, incluiria no plano de governo o desmatamento líquido zero em São Paulo, que ocorre a partir da recomposição da vegetação nativa em área diferente da que foi devastada. Marina solicitou a alteração do trecho para zerar o desmatamento como um todo e foi prontamente atendida pelo petista.

Foto: Reprodução

Um tratamento bem diferente do que é dado por Lula e sua atual campanha à presidência. Articuladores querem que Lula e Marina voltem a sentar-se à mesma mesa. Consta que há dias buscam marcar um jantar entre a ex-ministra e o ex-presidente, na casa em que Lula mora com sua nova esposa, Janja, de quem Marina parece gostar muito, mas o convite ainda não chegou para a ex-ministra.

Enquanto o convite não vem, Marina Silva toca sua campanha em São Paulo e tem sido a única a aparecer no programa eleitoral do Rede Sustentabilidade no horário eleitoral gratuito. Bater em Lula, ela não o faz. Mas também não declara voto a ele, numa demonstração de que, embora evangélica, a acreana sabe guardar mágoas.

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