Marcus Afonso: Morre o político, poeta e orador nato que encantou a juventude de esquerda do Acre

O ex-deputado federal Marcus Afonso Pontes de Souza, que morreu aos 60 anos de idade na madrugada desta sexta-feira (16), em Fortaleza (CE), onde vivia atualmente, foi muito mais que um político ou um militante de esquerda no Acre. O mandato de deputado federal, pelo PT, de 1998 a 2002, e de vereador por Rio Branco, de 1993 a 1997, foram apenas o coroamento de uma carreira política iniciada ainda na juventude, no movimento estudantil e universitário.

Militante do PCdoB (Partido Comunista do Brasil), foi um dos fundadores locais da UJS (União Juventude Socialista) e um agitador político no movimento estudantil da Universidade Federal do Acre, onde se formou em História. Orador como poucos, se despedia dos aliados e dos amigos que costumavam ouvir seus discursos com uma frase atribuída a Ernesto Che Guevara, o parceiro de Fidel Castro na Revolução em Cuba. “Hasta la Vitória, Simpre”, diz a frase, em espanhol, cuja tradução livre seria “Até a Vitória, Sempre”.

A frase era sempre precedida de um punho fechado e erguido para o alto, como uma clave, como nas melhores saudações comunistas dos bolcheviques que assaltam a Rússia em 1917 para criarem a União Soviética. Um símbolo que usei em 1983, ao deixar a prisão pela acusação de insuflar a sociedade contra a polícia e as forças de segurança, já nos estertores da ditadura militar.

O gesto foi feito por orientação e influência dele, que era o líder de um sem número de jovens dispostos até ir às armas caso a ditadura militar teimasse em resistir ao movimento das Diretas Já e da própria reconstrução democrática do país. Um gesto que, 30 anos depois, José Dirceu e José Genuíno, militantes petistas presos nos escândalos do mensalão, também usariam ao deixarem as prisões. Pareciam que eles também beberam na linguagem gestual do líder carismático que encantava a juventude no Acre.

José Dirceu. Foto: reprodução.

Afinal, Marcus Afonso não era somente um político. Músico, poeta, era compositor e boêmio que fazia da mesa de bar uma extensão das tribunas da política que fazia com o fervor que só os apaixonados por suas causas são capazes.

Na boemia, convivia com artistas do teatro, gente do movimento comunitário, com uma militância engajada que o empurrou para o jornalismo, onde pontificou como repórter, cronista e, claro, como editor de política.

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Ríamos muito de um “lead” de autoria dele sobre um comício de Tancredo Neves e Ulysses Guimarães pelas Diretas Já na esplanada do Palácio Rio Branco, uma das maiores manifestações da história política da Capital, na época.

Enquanto redatores e editores de política falavam da multidão atraída para a manifestação, na qual o jornalista Suede Chaves, um atual bolsonarista que um dia já foi apaixonado pela Democracia e pelo MDB, conseguiu achar, no mesmo espaço da esplanada do Palácio, mais de 40 mil pessoas numa época em que a população da Capital era apenas o dobro disso, Marcus Afonso abriu uma matéria com o que seria sua marca pessoal.

“Rufaram os tambores da Democracia na avenida”, escreveu, numa época bem longe do Carnaval, festa pagã que ele cultuava também por ser de origem popular. O editor José Chalub Leite, arenista e conservador mas apaixonado pelo jornalismo e que adorava a quem ele julgava escrever bem, ia às loucuras com as aberturas de matérias do Marcus Afonso.

Foto: reprodução

Marcus Afonso, no entanto, foi um bom nome local do jornalismo. Tanto que até virou presidente do sindicato dos Jornalistas do Acre (Sinjac). Em 1992, junto com a eleição de Jorge Viana como prefeito de Rio Branco, pelo PT e ele, pelo PC do B, conquistou o mandato de vereador. Foi líder do então prefeito na Câmara de Vereadores.

Nesta condição, numa época em que ainda não havia o instituto da reeleição para cargos no executivo, o que só surgiria em 1997, no Governo Fernando Henrique Cardoso, foi candidato a prefeito pelo PT, tentando substituir Jorge Viana. Ficou em segundo lugar, numa disputa de cinco candidatos. Perdeu para Mauri Sérgio, do MDB.

Mas não se sentiu derrotado. Tanto é que, dois anos depois, seria eleito o deputado federal mais votado da história do Acre até aquele período. Fez um mandato de acordo com seus princípios de esquerda, mas, quatro anos depois, decepcionado com o parlamento e com o Legislativo, o revolucionário e teórico de Marcus Afonso desistiu da disputa e da democracia representativa.

E desde então passou a ocupar-se da produção literária. Escrevia poemas dos quais muitos ainda são inéditos e também dedicava-se à Filosofia, passando a melhorar ainda mais a oratória e os gestos que encantavam a juventude. Com tal currículo, alcançou o magistério e, nos governos de Tião Viana, de 2010 a 2018, dedicou-se a cargos ligados à cultura e chegou a dirigir a Biblioteca da Floresta.

Costumava levar estudantes e visitantes para imersões filosóficas em seringais ao redor de Xapuri e Rio Branco, como o Cachoeira. O orador nato virou um palestrante respeitável.
Em 2018, com a derrota dos antigos aliados de esquerda, percebeu que o Acre já não seria mais o mesmo para ele e foi morar em Fortaleza, terra onde viveu na juventude sua companheira de vida, Patrycia Coelho, a quem ele conhecera no movimento estudantil. Ele casou para um lado e ela, para outro. No entanto, se reencontraram e terminaram os dias juntos.

Nesta sexta-feira, os tambores da avenida que povoavam a cabeça deste homem único, pensador sóbrio e nem tanto, revolucionário e dócil, orador nato e de obsequioso silêncio, calaram-se. Em definitivo.

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