A militar trans Alice Costa, de 31 anos, teve mais uma vitória no processo que move contra a Marinha do Brasil. Em decisão em 2ª instância, agora no Tribunal Regional Federal da 3ª Região, a militar teve determinação favorável para usar uniforme e corte de cabelo femininos e usar plaqueta de identificação com o nome social.
Na decisão, unânime, o relator desembargador federal, Valdeci do Santos, detalha que Alice teve violação dos direitos fundamentais ao ser imposta a padrões masculinos pela Marinha, em Corumbá (MS).
Para fundamentar a decisão, o relator utilizou-se dos artigos 3º e 5º da Constituição Federal que destacam “a igualdade, onde se pretende proteger as pessoas de qualquer forma de discriminação praticadas pelo Estado ou por particulares que objetivem tratamento distinto devido a diferenças de origem, raça, sexualidade, idade e outras”.
“Ao analisar o presente caso, verifica-se que a autora busca tão somente o reconhecimento de sua identidade como mulher transgênero dentro do Estado brasileiro, o que lhe foi negado pela instituição estatal a qual exerce cargo/função”, detalhou o desembargador.
Em contato com a advogada de Alice, Bianca Santos explicou que a Marinha pode recorrer das decisões e julgamentos junto ao Supremos Tribunais da Justiça e Federal (STJ e STF).
“Só as questões de direito serão discutidas, as questões de fatos, não mais. Ou seja, só podem questionar se os julgamentos da 1ª e 2ª instância estão dentro da legalidade, se não estão violando dispositivos legais e constitucionais e se estão contrariando o entendimento das cortes superiores sobre o tema. Eu já antecipo que não estão”, pontua Bianca.
Ação ‘deliberada e sistêmica’
Ao falar sobre o caso de Alice, o relator reconhece que o caso da militar de Corumbá faz parte de uma ação deliberada e sistémica. Além de ponderar apelação da Defensoria Pública da União para “condenar a União, em todos os seus órgãos das Forças Armadas – Marinha, Exército e Aeronáutica, a reconhecer o nome social dos seus militares transgêneros, assim como se abster de reformá-los mediante a alegação da doença ‘transexualismo”.
Ambas as situações foram pontuadas no casa de Alice. A militar foi afastadas por alegação de doenças e foi descriminada pela identidade de gênero.
“Assim sendo, é possível concluir que a negativa de reconhecimento de identidade das pessoas transgêneros no âmbito das Forças Armadas se trata de ação deliberada e sistemática, caracterizando flagrante violação aos seus direitos fundamentais, situação esta que se repete no caso da autora”.
Interferência do Estado
Visto os agravantes, o relator Valdeci dos Santos é categórico ao frisar que “não cabe ao Estado estabelecer parâmetros para a definição do gênero da pessoa, cabendo tal manifestação apenas ao próprio indivíduo. E, consequentemente, o modo como se dará essa manifestação também é atributo personalíssimo”.
O relator refuta vários argumentos da União, que inclusive comparou Alice a um “piloto de avião cego”. “O bastasse essa lógica interpretativa enviesada, ainda refoge ao bom senso a ideia de que a autora optaria por sofrer cotidianamente preconceitos e humilhações em seu local de trabalho durante anos apenas para ingressar ‘com mais facilidade’ em concurso destinado a pessoas do gênero masculino”.
Por fim, o relator reitera que Alice seja autorizada a usar uniformes e cabelos nos moldes femininos do padrão da Marinha do Brasil, “bem como que se adote o nome social em sua plaqueta de identificação do uniforme e em todos os documentos administrativos”.
Danos morais
Além de sofrer diante dos colegas de trabalho, o relator vê que instituição, Marinha do Brasil, agiu para que o sofrimento da militar fosse maximizado. “Verifica-se que o dano moral sofrido pela autora encontra reflexo na situação fática em virtude da humilhação sofrida perante seus pares e seus oficiais superiores no exercício de sua atividade militar”.