Nascida Maria da Graça Costa Penna Burgos, em 26 de setembro de 1945, em Salvador (BA), a soteropolitano Gal Costa, falecida neste 9 e novembro de 2022 aos 77 anos, apareceu para o mundo artístico, com sua voz inconfundível, ainda uma menina. A história da Música Popular Brasileira mostra que, mal completados 16 anos, ela travou contato, com uma turma que iria revolucionar a própria MPB – a turma era composta por Caetano Veloso, Maria Betânia, Gilberto Gil e outros não menos gigantes, já naquela época, e fundaram o grupo “Doces Bárbaros”, que iria balançar as estruturas do Brasil com o Movimento “Tropicália”.
Depois, quando cada qual do grupo tomou seu rumo em carreira solo, ela construiu-se como cantora multi-instrumentista brasileira. Foi eleita como a sétima maior voz da música brasileira pela revista Rolling Stone Brasil em 2012 e ao longo do tempo ganhou vários prêmios, o Grammy Latino e Prêmio Excelência Musical da Academia Latina de Gravação. Deixa um filho, Gabriel Costa Penna Burgos.
Em dias tão obscuros na democracia brasileira, é preciso lembra que Gal era muito mais que uma artista brasileira de renome internacional. Era uma cidadã consciente de sua brasilidade e dos valores democráticos. Um exemplo disso pode ser retirado do que ocorreu num episódio, em plena ditadura militar, que a imprensa democrática registraria como “O grito de resistência de Gal Costa e Waly Salomão” – um poeta baiano.
Deu-se durante o espetáculo “Fa-Tal: Gal a Todo Vapor”, em tempos amargos do chamado AI-5, na Era Médici. Foi nesse contexto nefasto que, dois dias após o Natal de 1968, Caetano Veloso e Gilberto Gil foram presos, em Salvador. Encarcerados por dois meses, os compositores, que tinham enterrado simbolicamente a Tropicália no programa televisivo Divino, Maravilhoso, justamente pela consciência de estarem flertando com o perigo, foram obrigados a sair do País e partir, em julho daquele ano, para um exílio em Londres, onde viveram por dois anos.
Mas não foram só eles que partiram, como vai dizer a canção de Aldir Blanc. Entre milhares de brasileiros comuns, outras estrelas da nascente MPB também tiveram que botar o pé na estrada. Pouco depois, entre outros, Chico Buarque foi para a Itália, Nara Leão para a França e Edu Lobo para os Estados Unidos. Quem por aqui ficou, para poder lidar com a censura sem correr o risco de ser o próximo exilado ou cobaia de toda sorte de torturas, teve de se reinventar, como Gal Costa.
Em novembro de 1971, sob a batuta de Waly, Gal Costa subiu ao palco do Teatro Teresa Raquel para dar início ao espetáculo Fa-Tal: Gal a Todo Vapor. Composto de 19 canções, o show foi dividido em duas partes; uma acústica, com Gal e o violão em primeiro plano; outra, bem mais energética, conduzida pelo Lanny Trio, uma usina de som formada pelo guitarrrista tropicalista Lanny Gordin, o baterista Jorginho Gomes, irmão de Pepeu, Baixinho, também do Novos Baianos, na tuba, além do contrabaixista Novelli.
Um dos trunfos do espetáculo, a seleção de canções de Fa-tal reunia pérolas da velha guarda, como Falsa Baiana, de Geraldo Pereira, Antonico, de Ismael Silva, e Fruta Gogóia, tradicional tema do folclore baiano, ao lado de clássicos inistantâneos de amigos de Gal, como Dê Um Rolê, de Moraes Moreira e Luiz Galvão, dos Novos Baianos, Como 2 e 2, de Caetano, e Charles Anjo 45, de Jorge Ben.
Com sua morte em São Paulo, o governo da Bahia decretou três dias de luto no Estado. Os baianos choram a perda de uma das mais brilhantes estrelas da enorme constelação a MPB.
No Acre, onde a artista jamais e apresentou, ela tinha uma legião de fãs. Gente que também chora a partida da artista, como é o caso da jornalista Wania Pinheiro. “Estou arrasada vendo a geração de cantores que tanto me inspira ir embora. Passei minha vida ouvindo Gal. É uma das artistas mais fantásticas que nosso país já teve. Dia de luto, de muita tristeza”, escreveu a jornalista.
Outro jornalista, o free-lancer Jorge Natal, também falou sobre a morte da artista. “Voz inigualável, deixa o Brasil e a própria humanidade mais pobre. A sorte é que, por isso, toda vez que um ser humano que goste de música, ouvir alguma coisa de sua vasta obra vai saber que ela é eterna”, disse
No Rio de Janeiro, onde mora atualmente, o chargista cearense Francisco Braga, que já morou no Acre, disse o seguinte: “Foi brilhar no céu a estrela que na terra fora a Voz Tamanha. A raça humana perde Gal Costa, o plano eterno ganha”.
Quem tem lembranças da artista no Rio de Janeiro é ninguém menos que o mais conhecido dos músicos e poetas da MPB no Acre, Sérgio Souto. “Eu estava num show dela no Rio, num teatro que nem existe mais, em que ela, dançando, caiu do palco, num fosso e até se machucou. O show teve que ser interrompido, para a tristeza de toda a plateia”, contou Sérgio Souto.
O autor de sucesso como “Falsa Alegria”, “Navegantes”, “Lembrando de Você”, gravado por vozes expressivas da MPB como Nelson Gonçalves, Jessé e Elba Ramalho, entre outros, nunca teve uma de sua músicas gravadas por ela. “Não porque não quisesse. Você sabe como é quando nunca vai alcançar aquela pessoa, de tão grande como ela é? Foi meu caso de nunca ter enviado nada para ela”, contou. Um dos contatos visuais do artista acreano coma cantora foi aquele tombo no palco.
O professor Jonas Filho, ex-reitor da Universidade Federal do Acre (Ufac) e músico nas horas vagas, também se manifestou sobre a perda da artista. “Acompanho a obra de Gal Costa desde os anos 1970/1980. Chamava-me atenção o mínimo esforço que fazia para entoar sua magnífica e cristalina voz”, disse o paleontologista. “De suas músicas, a minha preferida é Festa do Interior, para mim, um hino que me deu felicidades em muitos carnavais. Gal Costa será eterna para aqueles de minha geração”, acrescentou.
Artista de voz também refinada, a acreana Lara Pontes canta Gal Costa em seus shows locais e ficou impactada ao saber da morte de sua mestra na manhã de hoje. “Perdemos a grande intérprete da música popular brasileira, Gal Costa. Ainda ontem estava ensaiando Folhetim, composta entre os anos de 1977 e 1978 para a peça “A Ópera do Malandro”, por Chico Buarque e que na voz dela se tornou uma coisa única, porque a letra foi pensada exclusivamente para Gal interpretar. Penso que não poderia ser outra cantora, imortalizada na voz de Gal, a gravar aquela música. Que descanse em paz”.
“Que Descanse em paz”, desejo outro fã acreano, o empresário Sérgio Alves Ferreira. “Dela, para mim, impagável é Dia de Domingo, cantando ao lado de Tim Maia, outro grande que já e foi. Vão cantar no céu agora”, disse.
Empresário da área de eventos e dono de casa nortuna em Rio Branco, Leôncio castro também lamentou a morte da artista. “Uma grande perca pra música, Gal Costa foi muito importante para o movimento cultural brasileiro na época que a MPB dominou o cenário. Gal vai ficar pra sempre na historia”, disse.