A assistente social Carla Nascimento, de 42 anos, diz não se arrepender e afirma que faria tudo de novo para ajudar o adolescente autista que foi agredido em um ônibus em Maricá, na Região Metropolitana do Rio, na última quinta-feira. O estudante de 16 anos foi atacado por um grupo de jovens dentro de um ônibus da EPT (Empresa Pública de Transporte) quando voltava para casa da escola na tarde de quinta. O adolescente fazia sozinho o trajeto quando três rapazes o abordaram, o derrubaram e bateram nele. O jovem ficou com hematomas no pescoço e na cabeça, além de cortes por toda a boca. A família do jovem teme que agressão e medo sejam um retrocesso no avanço da interação social do menino.
Carla conta que estava distraída, de fone, assistindo a uma aula no ônibus e que só percebeu a agressão quando olhou para trás.
— Ele estava em pé, um pouco atrás de mim, e esse grupo estava sentado no último banco. Ouvi aquele burburinho de bagunça de adolescente e tudo mais, mas não imaginei o que estava acontecendo. Só me dei conta da situação quando escutei ele gritando, ele falava: “Para, para”. Eu me virei assustada e vi ele recebendo os socos, sendo empurrado no chão e tendo os óculos e o fone de ouvidos tirados pelos garotos. Me levantei na hora e dei um grito com os meninos, levantei ele do chão para colocá-lo sentado no meu lugar. Ele já estava com a boca ensanguentada e machucado — lembrou.
Ela explica que só percebeu que o menino era autista após ajudá-lo.
— Eu fiz o meu papel de mãe. O ônibus estava cheio e ninguém se dispôs a ajudar ou tentar parar a briga. Eu, enquanto mãe que sou, me senti na obrigação de ajudar. Reparei só depois, quando ele pareceu começar a ter uma crise, que ele era autista — afirmou.
Muito impactada com a agressão, a mulher ajudou o jovem a descer do ônibus e decidiu levar o menino até a casa dele. No caminho, a assistente social conta que sentiu o jovem muito nervoso e ficou preocupada de deixar ele seguir o resto do percurso sozinho.
— Eu desci fora do meu ponto para poder ajudar porque vi que ele estava muito nervoso. Fomos andando e ele pedia desculpas o tempo todo, sentia que estava incomodando. O menino foi muito educado e gentil, me chamava de senhora e estava preocupado por eu ter saído da minha rota. Esse tempo todo, enquanto eu tentava acalmar ele, eu só sentia vontade de chorar, fiquei muito impactada com tudo acontecendo. Eu me senti envergonhada, fiquei pensando que eles certamente perceberam que o menino tinha alguma dificuldade e, por isso, começaram a atacar ele. Senti vergonha do ser humano, vergonha de ver como um grupo pode ser tão cruel nesse ponto — afirmou.
A mãe do garoto, Rosane Réde, de 48 anos, conta que faz pouco tempo que passou a permitir o filho ir e voltar da escola sozinho, para dar mais autonomia, a pedido dele. O combinado é que a mediadora do jovem o coloque no ônibus e ele avise a Rosane quando chega em casa. O percurso diário entre o Centro, onde ele cursa o 8º ano do ensino fundamental no Centro Educacional Joana Benedicta Rangel, e a casa da família, em São José, não leva mais do que 15 minutos.
— Ele tem um pânico social e não gosta de sair sozinho, ele não tem essa praticidade de interagir socialmente com as pessoas o tempo todo. É um grande desafio para ele. Se comunicar sempre foi um desejo dele e levou muito trabalho para que chegássemos nesse ponto dele querer e conseguir voltar para casa sozinho. Foi uma conquista e um grande desafio conseguir que ele tivesse a confiança e autonomia de subir em um ônibus sozinho e voltar pra casa. Pensar que esse avanço agora corre risco é muito triste. O ataque que ele sofreu pode trazer um regresso absurdo para a autonomia que ele batalhou tanto, a pessoa que faz isso com um menino assim não tem alma, é um monstro — declarou a mãe do menino.
Segundo Rosane, não fosse o gesto heroico de Carla Nascimento, que resolveu ajudar o garoto, o trauma seria ainda maior.
— Ele não costuma gostar muito de contato, de abraço e beijo, mas hoje de manhã, quando ele se reencontrou com ela na delegacia, quando fomos fazer o registro de ocorrência, ele me apresentou a Carla e deu um abraço nela, disse que era a amiga que tinha ajudado ele no ônibus — lembrou.
Por meio de nota, a Prefeitura de Maricá afirmou que “‘repudia veementemente a agressão sofrida” pelo estudante e “alerta que todo flagrante de agressão deve ser encaminhado às autoridades competentes para ser punido com o rigor da lei”, e que considera inaceitável episódios como esse.
Ainda segundo o texto, a “Empresa Pública de Transportes tomou conhecimento do caso após registro na Ouvidoria, na manhã desta sexta-feira (04/11) e já está em contato com o denunciante para identificar o número do coletivo e o motorista. As imagens das câmeras serão cedidas à Polícia Civil para identificação dos agressores. A conduta do motorista também será apurada para verificar se houve negligência em sua atuação. Em casos de violência flagrados por motoristas dentro do coletivo, a Polícia Militar ou a Guarda Municipal devem ser acionadas”.