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Estilista acreana faz sucesso na São Paulo Fashion Week com peças confeccionadas com latex de seringueiras

Por TIÃO MAIA, PARA CONTILNET

Uma das novidades da versão número 54 da SPFW (São Paulo Fashion Week) realizada na capital paulista, tem a marca de uma acreana. A SPFW ocorre duas vezes ao ano e na sua última versão de 2022, neste sábado (3), apresentou peças exclusivas de moda sustentável criada com látex extraído de seringueiras acreanas e confeccionadas a partir de uma cooperativa de costureiras instalada na região do ToP 15, na estrada de acesso a Senador Guiomard, em Rio Branco (Ac).

As peças são desenhadas e cortadas em Florianópolis, Santa Catarina, onde vive a estilista acreana Dhey Oliveira, de 38 anos. Nascida na Capital acreana, ela foi incialmente, há cerca de dez anos, para São Paulo, onde deveria estudar medicina, mas, uma vez na faculdade, percebeu que seu futuro estava voltado às passarelas coloridas e não nas salas sisudas e nada alegres dos hospitais e centros cirúrgicos.

“Ela optou pela faculdade de moda e eu apoiei”, conta a mãe e parceira da designer, Maria Benício de Oliveira, de 63 anos de idade, que coordena a feitura das peças em Rio Branco e depois as despacha, já prontas, para o endereço da filha, no sul do país. Filha de seringueiros, dona Maria Benício sempre conviveu, na infância, com a tecnologia dos sacos de pano encauchados ou sacos encerados, uma tecnologia utilizada por seringueiros para impermeabilizar o pano com o látex extraído das seringueiras.

“Comecei a minha história com o empreendedorismo em Florianópolis em feiras artesanais de exposição. Comecei expondo na Lagoa da Conceição, na feira dos artesões, onde fui criando o meu público de vendas experimentando produtos e deu certo”, disse a estilista ao ContilNet. “Este último projeto que lançado agora em São Paulo é através de um colaboração de  uma estilista parceira lá do Pará”, disse Dhey Olieira.

Peças exclusivas de moda sustentável criada com látex extraído de seringueiras acreanas foram apresentadas na São Paulo Fashion Week

A parceira fornece os corantes para a tintura dos tecidos extraídos da floresta, outra invocação das peças produzidas.

Antes de produzir, a estilista estudou costura numa faculdade de belas artes e São Paulo e seu Trabalho de Conclusão de Curso foi exatamente sobre o sindicalista Chico Mendes, assassinado em Xapuri, em dezembro de 1988. “Sou formada em Bacharel design de moda (em tecnologia têxtil) pelo centro universitário belas Artes de São Paulo. Me tornei pioneira em modo Ecológico por escrever uma monografia inspirada em Chico Mendes criando o TCC de modo sustentável, o primeiro do Brasil. Também através de TCC criei uma técnica de impermeabilização ecológica com látex durante o processo de desenvolvimento do TCC de moda”, revelou. “Tudo que eu aprendi profissionalmente foi durante a faculdade e tive a oportunidade de exercer e aprender mais por algum período no Estado do Acre”, disse.

Para a estilista, criatividade é o que não falta. “Gosto de criar todos os estilos, mas me identifico mais com a moda ecológica e tingimentos naturais e agora tenho muitos projetos para o futuro com tecidos de biocouro”, informou “Eu trabalho com estilo moda praia resort. Produtos leves versáteis e confortáveis para utilizar do verão”, disse.

A estilista se associou às parcerias como a marca Ludimila Heringer, que trabalha com tecidos sustentáveis certificados e foi fundada em 2018 no Pará pela designer, estilista e artesã Ludimila. A produção é sob demanda e as peças são confeccionadas  com o uso de técnicas manuais e ancestrais do processo de tingimento natural, além de crochê e bordados. Com a técnica de estamparia botânica (ecoprint) usa elementos da natureza como folhas, cascas, sementes e raízes.

A técnica não é exatamente uma novidade, dado ao conhecimento dos seringueiros. A novidade é que, pela primeira vez, a tecnologia dos seringais está chegando às passarelas do país e com amplas possibilidades de atingir o mercado internacional, porque revistas especializadas já perceberam o trabalho da estilista e têm dedicado generosos espaços às suas criações.

Revistas de moda têm feito editoriais informando que o material utilizado pela estilista é à base de látex natural, extraído das seringueiras nativas da floresta amazônica. “Na verdade um tecido de algodão banhado em látex, defumado e vulcanizado em estufas especiais. É um material de boa qualidade, internacionalmente reconhecido como um produto ecologicamente. A comercialização dos produtos de Tecido da Floresta se tornou um motivo de esperança para a melhoria da vida dos Seringueiros, sua permanência na floresta e o desenvolvimento sustentável da Amazônia”, escreveu uma revista de moda especializada.

“É um produto típico da floresta amazônica, confeccionado pelo processo tradicional dos seringueiros em suas moradas na floresta. A origem desse produto é o “saco encauchado”, que consiste num saco de farinha banhado no látex de seringueira, se tornando impermeável. Este saco era utilizado pelas populações tradicionais da floresta para levar instrumentos de trabalho e mantimentos, que, dessa forma, ficavam protegidos das constantes chuvas da região”, escreveu outra publicação.

Acreana Dhey Oliveira, de 38 anos

De acordo com as publicações especializadas, pesquisas foram feitas para melhorar a durabilidade e qualidade do Tecido da Floresta a fim de atender às exigências do mercado. Através de inovações tecnológicas e foram desenvolvidas técnicas que permitem o extrativismo sustentável da borracha, eliminando processos intermediários, a insalubridade dos métodos tradicionais, o consumo excessivo de água e eletricidade. Além de integrar as famílias dos seringueiros ao processo, propiciando um aumento de renda, o assentamento humano e uma maior preservação da floresta e desse recurso natural.

As pesquisas vêm de longe.  Durante a Conferência Rio-92 – cúpula mundial sobre meio ambiente e desenvolvimento -, alguns empresários do Rio de Janeiro utilizaram o saco encauchado como matéria-prima para a produção de bolsas e pastas. Mas, devido ao calor da cidade, o látex das bolsas derreteu, inviabilizando sua comercialização.           No entanto, a grande aceitação do produto no mercado levou as instituições participantes do projeto a investir em seu aperfeiçoamento. Com o apoio do Instituto de Pesquisas Tecnológicas da Universidade de São Paulo (IPT-USP), foi desenvolvida uma técnica de vulcanização da borracha do látex que resolvia o problema do derretimento dessa matéria-prima. Também providenciou-se a patente deste tecido como couro vegetal, que foi registrado com a marca comercial Treetap.

O próximo passo foi assegurar, entre as comunidades produtoras, um padrão de qualidade para o tecido da floresta. Realizaram-se diversas oficinas de treinamento e capacitação, visando garantir uma produção mínima e a inserção comercial adequada do produto. Diversas ONGs e Cooperativas surgiram, viabilizando a permanência do povo na floresta e incentivando o investimento dos recursos gerados pelos seringueiros para a melhoria da própria saúde básica e educação, através de projetos que visam diagnosticar a qualidade de vida dos associados e orientar ações que promovam a transformação desta realidade.

Um dos problemas a ser solucionados era o cheiro forte cheiro do látex nas peças, o que já foi resolvido. “Tenho uma técnica que retira esse odor”, disse a estilista, sem revelar o segredo.

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