Em depoimento à Justiça, funcionários do Carrefour relataram casos de assédio moral e ofensas raciais e contra pessoas com deficiência durante o trabalho em uma loja do hipermercado em Campo Grande. Os relatos dos colaboradores constam em ação civil pública, a qual o g1 teve acesso, e que condenou a empresa a pagar R$ 400 mil em indenização por “assédio moral organizacional”.
Sobre a ação publicada nessa quinta-feira (1º), o Carrefour disse que irá recorrer na Justiça. Já sobre os casos de assédio moral e descriminação, a empresa afirmou que “repudia todo e qualquer comportamento indevido por parte de seus colaboradores e reitera que não corrobora com qualquer situação relacionada ao assédio moral e desrespeito”. Leia na íntegra a nota da companhia abaixo.
Entre os depoimentos das testemunhas que constam na ação, ex-funcionários relataram situações constrangedoras durante o trabalho e a falta de ação por parte dos superiores da empresa. Com base no que foi colhido pela ação coletiva, gestores e gerentes eram responsáveis pelo ambiente tóxico no hipermercado de Campo Grande.
“[Uma gerente] começou a gritar com o depoente no meio do depósito; que situações semelhantes ocorreram com outras pessoas; que o tratamento em reuniões era ríspido, sendo que o depoente já foi chamado de ‘otário’ e de ‘besta’ na frente de outros colegas do setor de vendas”, detalha um dos depoentes.
Um outro caso envolvendo uma gerente do mercado apontou uma situação capacitista. Por meio do sistema de inclusão de Pessoas com Deficiência (PCD’s) ao quadro de funcionários do hipermercado, um novo colaborador passou a fazer parte do grupo. Em depoimento, a testemunha relembrou um caso onde a chefia do mercado xingou o funcionário PCD.
“Dizia ao depoente que ele tinha de ‘se virar’; que o tratamento dispensado era grosseiro e o depoente teve vários episódios como o narrado; que havia outro PCD com deficiência na perna e essa pessoa e o depoente já foram chamados de ‘retardado’ e ‘débil mental'”, pontua a fala da testemunha.
Ao todo, cinco funcionário foram ouvidos, deles, três afirmaram situações de assédio moral no local de trabalho. Os outros dois colaboradores foram ouvidos, mas disseram não ter presenciado ofensas por parte da chefia do mercado.
Ao g1, o advogado que representa as vítimas em ações por danos morais, Chrystian de Aragão, relata que os depoimentos mostram uma estrutura de assédio moral no hipermercado.
“O assédio não era só de uma pessoa, era com outros funcionários. A estrutura da empresa tem uma cultura organizacional de assédio. Com as ações coletivas ficou comprovado que outros tinham sido assediado”, aponta o advogado.
Na condenação da Justiça do Trabalho de Mato Grosso do Sul, o juiz do trabalho Valdir Aparecido Consalter Junior, com base nos depoimentos, entendeu as situações como de: “assédio moral organizacional”; “ofensas de cunho racial”; “em razão de condição física e mental […], a testemunha sofreu ofensas ultrajantes também por parte de superior hierárquico”.
Veja a nota do Carrefour na íntegra:
“O Grupo Carrefour Brasil repudia todo e qualquer comportamento indevido por parte de seus colaboradores e reitera que não corrobora com qualquer situação relacionada ao assédio moral e desrespeito. Contamos, ainda, com o Conexão Ética – https://conexaoeticacarrefour.com.br/, um canal de denúncias para que qualquer situação que vá contra nossos princípios e valores organizacionais seja reportada. A rede informa, também, que tomou conhecimento da ação do MP e recorrerá da decisão”.
A ação movida pelo Ministério Público de Mato Grosso do Sul (MPT-MS) levou em consideração o caso de um vendedor do hipermercado humilhado pela gerente enquanto limpava o chão da loja de joelhos em Campo Grande. À época, a atitude foi filmada por um cliente e compartilhada nas redes sociais. Veja o vídeo no início desta reportagem.
Com base nos depoimentos que compõe a condenação, o juiz do trabalho Valdir Aparecido Consalter Junior identificou uma espécie de “assédio moral organizacional” na empresa. Para o magistrado, este tipo de assédio é quando a estrutura hierárquica da empresa tolera práticas de abusivas de forma constante que os atos passam a fazer parte da cultura da empresa.
Além do caso do funcionário humilhado pela gerente ao limpar o chão de joelhos, o MPT-MS ouviu outras testemunhas que relataram episódios de assédio no ambiente de trabalho. O juiz constatou, a partir dos depoimentos, a prática de tratamento agressivo e abusivo de forma constante.
“Os lamentáveis episódios extraídos dos autos claramente configuram o chamado assédio moral organizacional, ‘em que a estrutura hierárquica da empresa tolera práticas de assédio e passa a fazer parte da cultura da empresa’, capaz de reduzirem sobremaneira a dignidade humana dos trabalhadores e ofenderem o valor social do trabalho, fundamentos da República Federativa do Brasil”, evidenciou o juiz.
Com base na ação civil pública, o estrutura de chefia do Carrefour demostrou inação aos casos de assédio moral ocorridos na unidade do hipermercado de Campo Grande. Na ação, fica frisado que alguns gerentes do mercado tratavam outros colaboradores de forma agressiva e abusiva.
“Assim, constatada a prática de tratamento agressivo de forma reiterada e abusiva por parte de seus gerenciadores de modo a configurar assédio moral coletivo, patente está o dano moral coletivo, acarretando o dano moral coletivo por implicar em lesão a interesses transindividuais, que ultrapassa a esfera particular de cada um dos empregados”, pontua o juiz.
Os R$ 400 mil será revertido ao Fundo de Direitos Difusos ou a entidades públicas e privadas sem fins lucrativos, de elevada relevância social.
Relembre caso
Um vídeo que circulou pelas redes sociais mostra um vendedor do hipermercado Carrefour sendo humilhado pela gerente, enquanto limpa o chão da loja de joelhos. A imagem foi gravada por uma cliente, que presenciou e se indignou com a cena em Campo Grande. Assista ao vídeo no início desta matéria.
Nas imagens é possível ver o vendedor Pedro Henrique Monteiro da Silva, 23 anos, de joelhos, esfregando o chão com um pano. Ao lado dele aparece uma mulher, que parece gravar o funcionário ao mesmo tempo em que diz: “olha aí, só pra você esse cara tem valor. Esses meninos, eles não limpam a casa deles”.
Ao g1, Pedro Henrique contou que a situação:
“Eu tinha terminado de fazer minhas tarefas, e ela [a gerente] pediu para eu dar uma mão para um colega. Eu falei que tudo bem. Limpei os fogões, limpei geladeira, fiz minha parte. Depois, eu estava limpando lá, ela viu uma fita no chão, eu acho que é aquela de demarcação de distanciamento da Covid, ficou aquela cola preta. Ela falou: a gente tem que tirar isso. Eu chamei a equipe de limpeza, eles tentaram tirar e também não conseguiram, disseram que precisava usar uma máquina. Eu falei para ela que não tinha como a equipe limpar, porque a máquina não estava na loja. Ela falou que eu tinha que fazer e já começou a ficar nervosa”, relembra o funcionário.
Os R$ 400 mil será revertido ao Fundo de Direitos Difusos ou a entidades públicas e privadas sem fins lucrativos, de elevada relevância social.
“Ele tá na loja, manda vir limpar”, diz Pedro Henrique Monteiro da Silva sobre o tratamento diferente que recebeu de colegas de trabalho, após um vídeo que circula pelas redes sociais. Pedro conversou com o g1 e relatou ter sofrido bullying de outros funcionários da rede de supermercados.