Manifesto luso-brasileiro quer dar fôlego internacional à política ambiental de Lula

Assinado por quase 50 personalidades de Portugal e do Brasil, um novo manifesto quer dar fôlego internacional à política ambiental do futuro governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O documento, lançado na quarta-feira (28), pede ainda que as preocupações climáticas estejam no centro do acordo entre a União Europeia e o Mercosul.

“A vitória de Lula da Silva e o regresso do Brasil ao seu lugar indispensável na política internacional criam condições favoráveis para, a partir da questão ambiental e climática, construir uma resposta capaz, com efeitos de cascata nas mais variadas áreas, assente num multilateralismo eficaz”, diz o manifesto.

O texto exalta as declarações do presidente eleito sobre a necessidade de proteção da Amazônia e destaca como a deterioração da proteção da floresta foi precisamente o argumento utilizado para travar a ratificação do acordo comercial entre o bloco europeu e o sul-americano, finalizado em julho de 2019.

Tendo isso em conta, os signatários pedem os dos lados do Atlântico se engajem em reabrir as negociações, incluindo de forma central a questão ambiental.

“Não é propriamente mexer no que está acordado. Isso está fechado. Seria fazer um aditamento, onde esses objetivos [ambientais] passem a constar no acordo”, explica o jurista Paulo Magalhães, professor da Universidade do Porto e um dos signatários.

Do lado brasileiro, assinam o documento desde cientistas de destaque da área ambiental até políticos, juristas e artistas engajados com as questões climáticas. Há nomes como o climatologista e professor da USP Carlos Nobre, a ex-ministra do Meio Ambiente Izabella Teixeira, o ex-ministro da Educação Renato Janine Ribeiro e o diplomata e ex-ministro da Fazenda e do Ambiente Rubens Ricupero.

Vários ex-ministros de Portugal também são signatários do manifesto, incluindo Guilherme de Oliveira Martins, que foi titular da pasta da Educação e agora é administrador executivo da Fundação Gulbenkian, Luís Braga de Cruz, ex-ministro da Economia e Maria João Rodrigues, ex-ministra do Trabalho e atual presidente da Fundação Europeia para os Estudos Progressistas.

O manifesto pede que a parceria estratégica entre o Mercosul e a União Europeia seja calcada em quatro pilares principais, sendo os dois primeiros a definição da “defesa do ambiente e biodiversidade como orientação estratégica das suas relações” e a criação de “uma nova estratégia para cumprir os objetivos do Acordo de Paris”.

“O acordo UE-Mercosul, de 2019, não oferece garantias suficientes de cumprimento das normas e metas ambientais e sanitárias, como tem sido sublinhado. A União Europeia e o Brasil deviam fazer do objetivo de cumprir os Acordos de Paris uma condicionalidade dos seus acordos bilaterais e das suas relações inter-regionais”, pede o manifesto.

O terceiro ponto defendido pelo documento é a criação de um fundo da UE-Mercosul para a proteção das florestas. A ideia é garantir o pagamento pela manutenção dos ecossistemas preservados, além do financiamento de recuperação de áreas florestais degradadas.

Por fim, o texto pede o reconhecimento do clima estável como um “patrimônio comum da humanidade”. A demanda é também o ponto central do trabalho da organização não governamental Casa Comum da Humanidade, uma rede internacional que reúne juristas e cientistas.

A proposta do manifesto foi gerada justamente na última reunião da entidade, que aconteceu em 28 e 29 de outubro em Portugal, quase coincidindo com o período eleitoral brasileiro.

“Houve pessoas do Brasil que não puderam vir justamente por causa do voto”, explica Paulo Magalhães, professor da Universidade do Porto e presidente da ONG.

A entidade está engajada em um objetivo ambicioso: a definição do sistema terrestre, que garante o clima estável do planeta, como um “objeto jurídico internacional”.

“O que este planeta tem de único, pelo menos até agora que a gente conheça, é um sistema que funciona e que suporta a vida”, diz Magalhães. “Este sistema não cumpre fronteiras, é um sistema global de circulação”, destaca.

A ideia de reconhecer juridicamente o sistema internacional intangível que permite a manutenção do clima estável da Terra teria vários benefícios, na avaliação do jurista. Além de melhorar a governança sobre os bens comuns, também facilitaria o pagamento pela conservação dos ecossistemas e das florestas.

Em muitos contextos, sobretudo em países em desenvolvimento, a dificuldade de gerar benefícios econômicos de curto prazo com a preservação de áreas florestais leva ao desmatamento e à exploração predatória das matas.

“O pagamento por serviço de ecossistemas, ou seja, por aquilo que a floresta proporciona às sociedades, que é manutenção da vida e do clima, começa a mudar o conceito de valor da nossa sociedade. Os ecossistemas passam a ter valor, por exemplo, pelo quanto de CO2 capturaram ou pela evapotranspiração realizada”, diz o jurista.

O reconhecimento de um objeto jurídico para o sistema terrestre também poderia facilitar processos que pedem melhores polícias de preservação ambiental. Nos últimos anos, ativistas europeus têm recorrido cada vez mais à Justiça na luta contra políticas consideradas predatórias ao ambiente.

Embora assuma que o caminho para o reconhecimento do sistema terrestre como objeto jurídico ainda é longo e com muitas dificuldades, o presidente da Casa Comum da Humanidade destaca que já houve avanços em relação ao tema em Portugal.

Em dezembro de 2021, a nova Lei de Bases do Clima portuguesa foi a primeira do mundo a defender “o reconhecimento pela Organização das Nações Unidas do clima estável como Patrimônio Comum da Humanidade”.

PUBLICIDADE