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Rio Branco completa 140 anos, mas sua data de fundação segue como um dilema

Por EMANOEL RODRIGUES LACERDA, PARA O CONTILNET

Palácio Rio Branco, sede do Governo do Acre, em 1940/Foto: Arquivo Nacional. Fundo Agência Nacional

Nesta quarta-feira (28) a capital acreana está completando 140 anos. Essa idade se refere ao dia 28 de dezembro de 1882, data da fundação do Seringal da Volta da Empresa, território que posteriormente, em 1904, passaria a ser a Vila de Rio Branco, em homenagem a José Maria da Silva Paranhos Júnior, diplomata brasileiro que assinou o Tratado de Petrópolis que pôs fim na disputa pelo território acreano entre brasileiros e bolivianos.

Acontece que a contagem de anos do município sempre causou controvérsias entre os historiadores acreanos, isso porque só em 23 de outubro 1912 que houve a primeira menção de Rio Branco como município do então reconhecido território do Acre, através do Decreto Federal 9.831/1912. Antes disso, dois fatores causam controvérsias no reconhecimento da data de 82, pois o território era somente seringal e o Acre, propriamente dito, não existia ainda, já que não fazia parte do território brasileiro até então.

Apesar desse e de outros dilemas da história acreana ressurgirem eventualmente, a discussão sempre parece perder fôlego pouco depois, por diferentes motivos.

A reportagem do ContilNet conversou com o professor doutor Eduardo de Araújo Carneiro, que é associado da Universidade Federal do Acre (Ufac) e apresenta uma posição crítica não somente à data de 28 de dezembro, mas aos anacronismos da história acreana. 

Confira a entrevista na íntegra: 

ContilNet: Professor, por que hoje no estado a comemoração leva em consideração a data em que foi fundado o Seringal da Volta da Empresa, e não o dia em que o Decreto Federal 9.831/1912 foi assinado, ou pelo menos a data em que esse território virou a Vila de Rio Branco?

Eduardo Carneiro: As comemorações cívicas não têm compromisso com a história com “H” maiúsculo. Elas estão filiadas a muitos fundadores. O caso do aniversário do município de Rio Branco é um caso exemplar disso. Não adianta professores doutorados fazerem pesquisas sérias, pois o Estado se torna surdo a qualquer tentativa de mudança nas tradições históricas, mesmo que elas estejam baseadas em mentiras e equívocos.

Para simplificar, posso dizer que o mito fundador é uma narrativa imaginativa da origem de algo que ganha status de história por mera tradição. É preciso muita imaginação para acreditar que Neutel Maia, ao fundar o seringal Volta da Empresa, estaria projetando a capital de um futuro Estado brasileiro. Então, como um seringal, que era uma unidade produtiva rural, localizado em território estrangeiro ao Brasil, em um período em que o próprio Acre sequer existia, pode servir de referência para a capital do Acre? O município de Rio Branco não estava presente no ato de fundação do seringal. Uma coisa é o seringal, outra é o município. Uma é a data de fundação do seringal, outra é a do município.

Acaso alguma mente lúcida ainda acredita no chamado “descobrimento do Brasil” em 1500? Claro que não! Ninguém descobre algo que ainda não existe. O Brasil só passou a existir em 1822. Assim como uma colônia lusitana não é Brasil, um seringal não é Rio Branco. Somente os embriagados de anacronismo conseguem enxergar o 28 de dezembro de 1882 como data de nascimento do Município de Rio Branco.

Considerando que na comemoração do cinquentenário da cidade consideraram uma data, e no centenário consideraram outra, quais as implicações simbólicas dessas alternâncias de datas? Que tipos de interesses podem existir por trás dessas decisões?

A história oficial do Acre é inclinada ao abuso, já que é inventada para ser “fantástica” e politicamente endossada para criar ufanismo, gerar otimismo e fomentar identidade coletiva desejável. Todos os políticos querem tirar proveito dela, uns menos, outros mais. Vivemos em uma terra em que a cultura do patrimonialismo era tão escancarada que a história era mudada por meio de decreto governamental. Os políticos gerenciavam a memória coletiva em gabinetes, decidindo o que devia ser lembrado e o que devia ser esquecido. De modo que o passado chega aos acreanos em uma versão “pasteurizada” e “higienizada”, ou seja, é o passado gerenciado politicamente. Falo assim por puro eufemismo, para não assustar dizendo que a história comemorada pelo Estado em suas datas cívicas é repleta de mentiras, equívocos e manipulações.

Lembra o caso da data de aniversário da Polícia Militar do Estado do Acre? Pois é! Só porque a data de criação dela foi escolhida para homenagear o início do governo dos militares em 1964, um governador civil “achou melhor mudar a história” e alterar a data de criação dessa instituição para uma data que não existia nem Estado nem governo unificado, ou seja, uma aberração. A “dança das datas” do aniversário da cidade de Rio Branco é só mais um exemplo dessa falta de ética. Se houvesse interesse do Estado em elucidar essa questão, ele já teria acionado historiadores de profissão. Departamento de Patrimônio Histórico da FEM, IPHAM e UFAC. A mudança das datas estão documentadas. Além dos decretos, temos o projeto de lei e as discussões parlamentares. Quem indicou a mudança da data? O parlamentar fazia parte de qual grupo político? Quais ligações o parlamentar tinha com o prefeito e o governador da época? E quais famílias tradicionais e quais empresários apoiavam o projeto de lei? Na hora da votação, quem votou contra? Quem votou a favor? Quais documentos primários foram apresentados como justificativas para endossar a mudança da data no Projeto de Lei?

Pois é. Faço perguntas só para suscitar o diálogo com os historiadores que o Estado tem lá na Fundação Elias Mansour. São eles que devem responder para o Estado e a sociedade tais questões. Por que eu, mero professor da UFAC com dois doutorados e um pós-doutorado, nunca deram e nunca dão “ouvidos”? pois as mentiras continuam se propagando como história a toda hora, tanto nas escolas, como na boca dos políticos em cada festa cívica que temos.

Existe a possibilidade que em algum momento a capital e o estado passem a considerar a data de 1904 ou 1912, ou já passou do tempo de aplicar essa mudança, uma vez que já virou costume comemorar a data de 28 de dezembro de 1882?

As instituições de poder são conservadoras por natureza. Amam as tradições e desprezam as “inovações”. E se eu provasse com documentos da época que o evento que chamam de Revolução Acreana não foi uma “revolução” e nem foi “acreana”? E se eu provasse que o 6 de agosto não foi o início do Acre e que Plácido de Castro não anexou um palmo de terra sequer ao Brasil? E se eu provasse que os soldados da borracha foram insignificantes para a vitória dos aliados na segunda guerra mundial? E se eu provasse que o tal “movimento autonomista” nunca foi porta voz da vontade do povo acreano? E se eu mostrasse que Guiomard Santos fez parte do movimento integralista que defendia o fascismo no Brasil e que ele foi um ferrenho defensor da Ditadura? Que Chico Mendes não foi esse ecologista nato que dizem, que o Acre contemporâneo continua uma terra de latifúndios, do clientelismo político e de miséria… mudaria alguma coisa? Certamente que não, o Estado e o Município continuariam ensinando essa ESTÓRIA linda de um povo heróico para os nossos filhos nas escolas, mesmo que todos nós da academia saibamos que toda essa narrativa não passa de estórias (risos).

Eduardo de Araújo Carneiro é professor Associado da Universidade Federal do Acre (Ufac), licenciado em História (UFAC), bacharel em Economia (UFAC), mestre em Letras (UFAC), doutor em História Social (USP), Estudos Linguísticos (UNESP) e pós-doutor em História (UFAM). É escritor e membro da Academia Acreana de Letras.

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