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Exclusivo: quadrilha do Uber clandestino capta R$ 8 mi com vítimas em aeroporto

Por METRÓPOLES

Na manhã do dia 5 de março de 2021, três turistas franceses que haviam acabado de desembarcar no Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos, na região metropolitana, foram abordados por um suposto motorista de aplicativo oferecendo uma corrida com desconto até o destino final dos passageiros.

O suspeito exibia nas mãos um celular, no qual constava o símbolo da empresa de transporte por aplicativo Uber. Em inglês, negociou o valor de R$ 80 por uma viagem do aeroporto até a Praça da República, no centro da capital paulista. Os estrangeiros toparam.

A abordagem, feita dentro do terminal de desembarque internacional, foi registrada por câmeras de monitoramento do aeroporto de Guarulhos, cujas imagens foram obtidas pelo Metrópoles. O que aconteceu dali em diante acabou sendo relatado em um boletim de ocorrência policial.

Naquele dia, os franceses entraram para a lista de vítimas de uma quadrilha que arrecada cerca de R$ 8 milhões por mês com transporte ilegal de passageiros que desembarcam em Guarulhos, segundo apuração feita pelo setor de inteligência da Polícia Rodoviária Federal (PRF).

De acordo com a investigação, os altos valores são obtidos pelos motoristas clandestinos por meio de golpes, extorsões e sequestros de bagagens feitos durante as viagens. Até o momento, a PRF identificou ao menos 140 veículos usados pela quadrilha.

O superintendente da PRF em São Paulo, Fernando Miranda, conta que o esquema criminoso foi identificado há cerca de um ano e meio. Somente no primeiro mês de ações, em setembro de 2021, a PRF abordou 736 carros suspeitos nas imediações do aeroporto, apreendendo 18 deles.

“Essa fiscalização nos trouxe muitas informações. Inclusive, nos permitindo afirmar que há uma organização ali trabalhando de maneira ilícita, que lucra entre R$ 6 milhões e R$ 8 milhões por mês, transportando passageiros de uma forma clandestina”, afirma o superintendente.

Golpe nas corridas

No caso dos turistas franceses, uma das vítimas, um analista de sistemas de 26 anos, contou à polícia que durante a corrida o motorista ofereceu ao trio ingressos para um jogo de futebol, quando circulavam pela região do Morumbi, na zona oeste paulistana.

As vítimas concordaram em pagar R$ 450 pelos ingressos. Logo em seguida, eles pararam para comer em uma padaria, incluindo o motorista, que teve as despesas bancadas pelas vítimas.

Após chegarem ao local onde ficariam hospedados, os amigos franceses perceberam que haviam caído em um golpe. Os ingressos que compraram do falso motorista valiam R$ 10 cada. Além disso, o criminoso cobrou R$ 1.600 pela viagem de Guarulhos até o centro de São Paulo.

Ao todo, o analista de sistemas francês teve um prejuízo de R$ 2.050 por uma corrida pela qual acreditou que iria pagar R$ 80 quando foi abordado dentro do terminal do aeroporto.

“Fazendinha” e “pescaria”

Quando o esquema foi identificado, os criminosos mantinham uma frota clandestina estacionada em um bolsão, chamado pela quadrilha de “fazendinha”, perto do hangar de uma empresa aérea, nas proximidades do Terminal 3.

Segundo o levantamento da PRF, enquanto os motoristas ilegais aguardavam no estacionamento, outros criminosos – conhecidos como “puxadores” ou “pescadores” – abordavam as vítimas nos desembarques internacionais.

No caso de algum passageiro concordar com a viagem, os motoristas eram acionados, se dirigindo para os terminais. A estratégia era usada, segundo a polícia, para evitar abordagens dentro do aeroporto.

Com a intensificação dos trabalhos da PRF, na Rodovia Hélio Smidt, a quadrilha mudou sua forma de ação. Os próprios condutores dos veículos passaram a “pescar” as vítimas, abordando-as nos desembarques internacionais.

O barato sai caro

Para atrair as vítimas, os criminosos oferecem valores abaixo dos calculados pelos aplicativos, mas fingindo ser colaboradores das empresas.

O Metrópoles apurou que os criminosos argumentam que, para o motorista não ter sua parte descontada pelo app, ele faz a corrida sem usar o sistema legalizado. Eles usam os logotipos da Uber e da 99, aplicativos oficiais de transporte de passageiros, para ludibriar os passageiros.

“Por dia, os criminosos conseguem lucrar entre R$ 1 mil e R$ 2 mil, já descontando o que é gasto com combustível e demais despesas. Perceba que é um cenário muito atrativo para quem é criminoso, pela quantidade de passageiros que circulam ali.”, explica o superintendente da PRF.

Segundo a concessionária GRU Airport, que administra o aeroporto de Guarulhos, 115 mil passageiros circularam diariamente pelo local, em média.

Vítimas vulneráveis

Os “pescadores” selecionam suas vítimas nos terminais internacionais de Guarulhos pelo fato de os passageiros estrangeiros serem mais vulneráveis às abordagens.

O apelido usado pelos criminosos não é gratuito, pois eles esperam em média uma hora para conseguir fisgar alguma vítima e convencê-la a embarcar em seus veículos, de acordo com as investigações.

A reportagem apurou que os criminosos observam pessoas aparentemente deslocadas e as abordam, oferecendo corridas. Eles se identificam como motoristas de aplicativo que fazem corridas sem a plataforma oficial para oferecer um valor mais barato ao cliente e mais rentável a eles, sem o desconto cobrado pelas empresas.

Hierarquia criminosa

O Terminal 3, onde chegam passageiros da Europa e Estados Unidos, é o ponto de atuação dos líderes da quadrilha, chamados de “cabeças”. Eles costumam ficar encostados em pilastras, sempre com roupas de alto padrão, da mesma forma que os carros que utilizam.

As lideranças têm livre trânsito pelo aeroporto, inclusive podendo atuar no Terminal 2, onde ficam seus subordinados, aguardando para abordar passageiros oriundos de países da América Latina e da África.

Investigação e fiscalização

Após seu levantamento de inteligência, a PRF acionou a Polícia Civil do aeroporto, para que atue conjuntamente para identificar os membros da quadrilha. Por meio de nota, a Secretaria da Segurança Pública (SSP) de São Paulo afirma que desenvolve “diversos trabalhos” em parceria com a PRF, Polícia Militar e a Guarda Civil Municipal de Guarulhos, “visando a abordagem de veículos.”

“Caso haja alguma atividade ilícita, o boletim de ocorrência é registrado e as investigações são realizadas”, diz trecho de nota da SSP, que não informou se algum suspeito da quadrilha já havia sido preso ou responsabilizado pelo esquema até a publicação desta reportagem.

Além da fiscalização dos motoristas clandestinos no trecho da rodovia federal próximo ao aeroporto, a PRF mantém uma parceira com a Prefeitura de Guarulhos para monitorar veículos usados irregularmente para o transporte de passageiros dentro da cidade. Em 2022, segundo a prefeitura, 33 veículos foram apreendidos.

Alerta dos aplicativos

A Uber afirmou que “todas as viagens” precisam ser feitas por meio de seu aplicativo oficial, para que o passageiro tenha informações sobre o motorista, como nome, foto, além de saber o modelo do carro usado.

“Qualquer viagem feita fora desses padrões não é uma viagem de Uber e, portanto, não dispõe das diversas ferramentas de tecnologia e processos de segurança oferecidas pela plataforma”, destacou.

O aplicativo acrescentou que “todos os motoristas parceiros” passam por uma verificação de antecedentes criminais antes de terem acesso à plataforma.

A empresa 99 também afirmou que as corridas do app devem ser solicitadas exclusivamente por pessoas cadastradas no aplicativo. “Além de ser proibida pela legislação, usuários que adotem a prática de fazer corridas fora do app não contarão com as funcionalidades de segurança que a companhia oferece”, alertou.

Aeroporto

A GRU Airport, que administra o aeroporto de Guarulhos, afirmou que a fiscalização do trânsito, no perímeetro aeroportuário, é de responsabilidade das polícias Rodoviária Federal e Militar, além da Secretaria de Transportes e Mobilidade Urbana de Guarulhos.

A concessionária acrescentou que, quando solicitada, concede apoio aos órgãos públicos, além de alertar usuários do aeroporto sobre os riscos do uso de transporte clandestino.

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