Quem nunca imaginou como é a vida de um detetive particular? Responsáveis por investigações que vão de traições a golpes, esses profissionais dizem que o trabalho exige correria, disfarces, viagens e muitas horas de dedicação. Também é preciso saber comunicar más notícias: o desfecho quase nunca é o mais feliz para o cliente.
A Universa, a detetive particular Daniele Martins, que atua principalmente para desvendar suspeitas de infidelidade, fala como é trabalhar no ramo da “xeretagem” profissional.
‘Dupla jornada’ “Um detetive trabalha mais do que um médico. Temos uma diária de 8 horas — se passou desse tempo, vira outra diária. Um mesmo profissional pode fazer dupla jornada.
Mas, às vezes, trocamos de detetive para a pessoa que está sendo seguida não perceber. Porque é assim: se entrou para almoçar, a gente entra junto; para jantar, também.
É um trabalho em equipe, tudo muito organizado para ser discreto e não levantar suspeitas [a equipe liderada por ela tem 40 profissionais fixos e 20 freelancers].
Precisa trocar de roupas, uma hora tem uma pessoa loira [seguindo] e depois uma morena. A pessoa que está sendo seguida não pode ver a mesma pessoa e a distância tem de ser discreta.
Já me vesti de pessoa em situação de rua para fazer uma investigação. Na praia, você fica literalmente atrás do coqueiro
Também usamos um rastreador [que mostra a localização em tempo real] — com isso, é possível ter ainda mais distância. A bateria dura mais de 20 dias, ele é colocado do lado de fora do carro e ninguém percebe.
‘Sou igual São Tomé’ Mas clonar WhatsApp, por exemplo, é mentira. Não tenho como ter acesso. Se fosse assim, estaria milionária e andando de helicóptero. As pessoas acham que é fácil.
Prova só é prova quando tem beijo na boca e entrada no motel. Isso é um flagrante em casos de investigação conjugal. Caso contrário, não tem traição. Sou igual São Tomé: só acredito vendo.
Certa vez, segui um funcionário que estava desviando mercadoria, a pedido de uma fábrica de chocolate Ele jogava o chocolate no lixo, o caminhão do lixo passava e o lixeiro já sabia. Depois, eles vendiam a mercadoria mais barata. Isso é uma prova.
‘Querem seguir os filhos’ Acredito que 70% das investigações são conjugais, 20% são empresariais e 10% são familiares. Procuram para encontrar parentes, querem seguir os filhos para saber se estão usando drogas. É muito comum pedidos para seguir a sogra, a nora, o genro.
Sou responsável por mais ou menos 420 divórcios por ano [a conta inclui os casos solucionados por toda a equipe sob sua supervisão]. Esse número ainda é baixo em relação aos casos que descobrimos porque nem todo mundo se separa.
Tem muita gente que perdoa, que não fala para o parceiro que descobriu e só aceita o que aconteceu. O caso mais longo A gente precisa de, no mínimo, cinco dias para resolver uma investigação conjugal. Normalmente, vai de 10 a 15 dias.
Quem tem uma amante fixa não passa de uma semana, dez dias, para encontrar a pessoa. A saudade não deixa
O trabalho mais longo que eu fiz durou mais ou menos um ano: a mulher tinha certeza de que o marido traía, mas ele não traía. No dia em que decidiu trair, ele estava sendo seguido — que foi depois de um ano em que eu estava atrás dele.
Profissão detetive
A atividade do detetive particular é regulamentada no Brasil por uma lei federal, de 2017. Segundo o texto, esse profissional planeja e executa a “coleta de dados e informações de natureza não criminal” para esclarecer assuntos de interesse privado.
O trabalho já foi alvo de polêmica na Justiça. Em 2021, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) trancou uma ação penal que discutia uma possível “perturbação da tranquilidade” devido à contratação de um detetive particular.
Existe também um debate sobre a profissão esbarrar ou não na lei do stalking (perseguição). Desde que use as técnicas como prevê a regulamentação — respeitando o direito à intimidade, à privacidade e à honra — o detetive não estaria violando essa legislação.