As Terras Indígenas (TIs) da Amazônia com a presença de povos isolados (que têm pouca ou nenhuma interação com grupos de fora) são as mais ameaçadas do bioma.
A constatação é de um estudo realizado pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) em conjunto com a Coiab (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira) ao qual o g1 teve acesso e que será publicado nesta quarta-feira (11).
Foram consideradas como critérios de risco cinco categorias: de cunho jurídico-institucional, desmatamento ilegal, queimadas, grilagem de terras públicas e mineração ilegal.
Entre outros pontos, o estudo mostra que:
- Somadas, as TIs com presença de isolados representam 653 km², ou 62% da área de todas as Terras Indígenas do bioma;
- 6 entre as 10 TIs que tiveram o maior aumento de desmatamento são territórios com presença de povos isolados;
- A TI Ituna/Itatá, no Pará, registrou alta de 441% nos focos de calor nos últimos três anos. Essa foi a segunda terra indígena com maior aumento de focos de calor, passando de 74 (2016-2018) para 400 focos (2019-2021);
- 34% das 44 TIs com presença de povos indígenas isolados não tiveram seus processos de regularização fundiária concluídos;
- Doze territórios com povos indígenas isolados estão sob risco “alto” ou “muito alto” (de garimpo, grilagem, desmatamento e queimada), sendo quatro em situação crítica: TI Ituna/Itatá, no Pará; TI Jacareúba/Katawixi, no Amazonas; TI Piripkura, em Mato Grosso; e TI Pirititi, em Roraima.
A Amazônia brasileira é o lugar do mundo com a maior concentração de populações indígenas em situação de isolamento. Exigimos que o novo governo federal reverta o legado de destruição deixado pelo anterior, que desmantelou as políticas indigenistas e os nossos direitos — Élcio Severino da Silva Manchineri, coordenador-executivo da Coiab
O coordenador da Coiab acrescenta ainda que “o movimento indígena está organizado para enfrentar as ameaças aos nossos territórios e à autodeterminação dos povos indígenas, e para defender a vida dos povos isolados”.
Desmatamento
Embora as TIs sejam as terras públicas menos desmatadas historicamente, entre 2019 e 2021, justamente nos primeiros três anos do governo Bolsonaro, as ameaças se consolidaram de maneira expressiva nesses territórios, de acordo com o levantamento.
Nesse período, seis das dez terras com maior aumento no desmatamento no bioma eram de povos isolados: as terras indígenas Ituna/Itatá, Kayapó e Munduruku, no Pará, Yanomami, em Roraima e Amazonas, Piripkura e Parque do Xingu, em Mato Grosso.
No estudo, o Ipam analisou todas as 332 TIs do bioma amazônico, sendo 44 delas com isolados.
Queimadas e grilagem
Ainda de acordo com os dados do estudo, entre as dez mais afetadas por incêndios, a TI Piripkura teve aumento de 54% nos focos de calor entre 2019 e 2021 em relação ao período entre 2016 e 2018.
No mesmo período, o desmatamento foi cerca de 20 vezes maior, colocando o território entre os dez mais desmatados nos últimos três anos.
Além disso, um quinto (22%) da área da TI tem sobreposição com registros de CAR (Cadastro Ambiental Rural), um indicador da invasão e da grilagem de terras.
Criado para combater o desmatamento e regularizar áreas ambientais, esse é um instrumento público de cadastro obrigatório para todas as propriedades rurais. Contudo, como seu preenchimento é autodeclaratório, ele vem sendo utilizado por grileiros, ilegalmente, para emular uma posse.
O avanço do CAR no interior das terras indígenas é o mais preocupante, pois é um atestado de que o crime tem compensado. É uma forma de os criminosos ‘formalizarem’ as invasões. Mas, por lei, essas terras são dos povos indígenas. — Rafaella Silvestrini, pesquisadora no Ipam
Segundo o Ipam, terras indígenas com isolados no geral têm maior área (10,9%) com sobreposição de cadastros ilegais do que as sem isolados (7,8%), e são a metade dos territórios atingidos pelo garimpo.
As TIs Kayapó e Munduruku, no Pará, Yanomami, em Roraima e Amazonas, e Sawré Muybu, também no Pará, com presença de isolados, são, nessa ordem, as que possuem maior área invadida por garimpeiros.
Cobrança
Diante do cenário, as entidades cobram ações do governo federal. “Hoje, com a tecnologia, temos tudo mapeado. Sabemos exatamente onde os crimes ambientais vem acontecendo. Agora, é o poder público agir, restabelecendo instrumentos de fiscalização já existentes nas políticas ambientais, com responsabilização de infratores”, afirma Silvestrini.
Na sua conclusão, a Nota Técnica do estudo pede a garantia dos direitos fundamentais dos povos indígenas, a proteção dos territórios e a demarcação imediata das terras reivindicadas pelos povos originários.