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Economia começa a sentir o efeito dos juros; entenda

Por VALOR ECONÔMICO, GLOBO

Reprodução

Os efeitos da política monetária contracionista começam a dar sinais na atividade econômica. Setores mais dependentes do crédito são os primeiros a sentir o impacto, assim como indicadores de confiança. Economistas afirmam que a tendência deve se manter no curto prazo e preveem um cenário negativo de atividade por causa dos juros altos ao longo do ano.

A trajetória do indicador de custo de crédito (ICC) do Banco Central, por exemplo, mostra relação direta com a queda no volume de vendas do varejo ampliado (inclui veículos e material de construção) que depende de financiamento e caiu com mais força do que o restrito.

Na indústria, apesar do impacto dos gargalos das cadeias com a covid-19 em todos os setores, a categoria de bens duráveis é a que mais vem sofrendo com a política monetária contracionista.

Nos outros setores, economistas afirmam, fica mais difícil separar o que é efeito da taxa de juros das altas de outros drivers, como mercado de trabalho aquecido, variação da renda e reabertura da economia, que pesam para serviços.

O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) começou a aumentar a taxa de juros Selic com maior intensidade em 2021 para conter a escalada da inflação. A atividade, contudo, responde com defasagem de alguns trimestres, afirma Mauricio Oreng, superintendente de pesquisa macroeconômica do Santander.

Apesar de o Banco Central ter começado a subir juros no primeiro trimestre de 2021, o Santander estima que somente a partir de maio de 2022 é que as condições financeiras entraram em terreno contracionista para a atividade econômica no Brasil.

“Tivemos uma recuperação surpreendente do PIB no primeiro semestre de 2022, de 4% anualizado, mas que no terceiro trimestre começou a desacelerar. Nossa estimativa para o quarto trimestre é de contração de 0,2% na margem”, diz. “Vamos fechar o ano em 3%, mas tivemos em 2022 duas histórias bem diferentes: um primeiro semestre muito forte e um segundo com arrefecimento e sinais de desaceleração.”

Os cenários distintos, afirma o economista, têm relação direta com o aperto monetário. “Não há como fritar os ovos sem quebrá-los. A política monetária está focada na trajetória futura da inflação. As expectativas estão rodando acima da meta e não há, por enquanto, espaço para afrouxamento”, diz. “Isso sugere que a economia continuará perdendo ritmo.”

De janeiro a dezembro de 2022, o indicador de custo de crédito livre do BC, que estima o custo médio de famílias e empresas tomadoras de crédito, passou de 26,82% para 30, 62%. Para empresas, o ICC foi de 16,41% para 19,41% no período. Para pessoas físicas, de 35,98% para 40,19%.

Outro reflexo da política monetária contracionista, a expansão do crédito voltou a desacelerar, indo de 8,2% em novembro para 7,7% em dezembro. O crescimento anual do crédito para empresas ficou em 3,3% na variação anual, ante 3,2% em novembro. Enquanto o crédito para pessoas físicas teve alta de 10,9%, ante 11,1% no mês anterior, segundo relatório do banco Goldman Sachs.

O efeito da alta dos juros acaba sendo disseminado por toda economia, mas fica visível e é mais fácil de ser expurgado quando se compara o varejo restrito com o ampliado, que inclui as vendas de veículos, motos, partes, peças e materiais de construção, e setores da indústria de transformação que dependem mais de crédito, afirma Marina Garrido, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre).

“Os juros estão afetando a indústria de transformação e o varejo via financiamento, pois com as taxas mais altas fica difícil pegar empréstimo”, afirma Marina. “Podemos ver relação entre o custo de crédito ficando mais alto desde a metade de 2021 e a disparidade entre a pesquisa mensal do comércio restrito e ampliado, porque o ampliado é mais intensivo em crédito. Ou seja, com o crédito mais caro, o varejo ampliado vai pior que o restrito.”

A economista afirma que, se em um mês as vendas de veículos e construção têm crescimento nulo, o desempenho no varejo restrito acaba ficando similar ao ampliado. Um resultado do ampliado abaixo do restrito indica, portanto, que vendas relacionadas a veículos e construção foram bem ruins, a ponto de deixar o indicador agregado abaixo do restrito.

Dados da Pesquisa Mensal de Comércio (PMC), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostram que de agosto a novembro o varejo ampliado teve quedas acumuladas em 12 meses de -2,0%, -1,6%, -1,0%, -0,8%. O restrito, por sua vez, caiu 1,4% e 0,7% em agosto e setembro. Em outubro e novembro subiu 0,1% e 0,6%, respectivamente.

“A política monetária já está batendo na atividade e o indicador mais evidente sobre isso talvez seja o de atividade varejista”, diz Rodolfo Margato, economista da XP.

Os dados disponíveis até agora, diz Margato, apontam para uma desaceleração de entre 4,5% e 5% do varejo mais dependente de crédito em 2022, em contraposição à alta de 5,5% do varejo mais atrelado à renda.

Enquanto o grupo sensível a renda engloba alimentos, bebidas, combustíveis, artigos farmacêuticos, cosméticos e outros artigos de uso pessoal e doméstico, o que depende mais de crédito considera veículos, materiais de construção, produtos eletrônicos, móveis, eletrodomésticos e uma parte de vestuário e calçados.

“Olhando a PMC, fica claro que grupos sensíveis a crédito vêm esfriando mais intensamente do que agrupamentos mais sensíveis a renda, que têm sustentação com transferência de renda do governo para famílias mais vulneráveis e com melhorias das condições do mercado de trabalho”, diz.

As consequências dos juros altos sobre atividade aparecem também nos detalhes da Pesquisa Industrial Mensal – Produção Física (PIM) do IBGE. Nela, alerta Margato, a categoria de bens de consumo duráveis é a que tem apresentado desempenho relativo mais fraco.

No acumulado de 12 meses até novembro de 2022, a produção de bens de consumo duráveis contraiu-se 4,3%, na comparação com o período do ano anterior, ante queda de 1,1% de semiduráveis e não duráveis, de 0,8% de bens intermediários e de 0,1% de bens de capital. É a única grande categoria hoje cuja produção está abaixo do nível pré-pandemia, de fevereiro de 2020. O IBGE divulga hoje dados da PIM de dezembro de 2022.

“Quando olhamos para as quatro categorias, de bens de capital, intermediários, duráveis e semiduráveis e não duráveis, vemos que o destaque negativo de 2022 ficou justamente no grupo de bens de consumo duráveis, que é a produção industrial de veículos, eletrodomésticos, móveis e outros bens mencionados no comércio dependente de crédito”, diz. “Ainda que as diferenças [entre as categorias] não sejam tão acentuadas como na PMC, avaliando a tendência da PIM temos outro exemplo do impacto das condições de crédito mais apertadas.”

Na Pesquisa Mensal de Serviços (PMS) do IBGE, diz o economista, fica mais difícil extrair efeitos da alta dos juros, pois o setor de serviços depende menos de crédito e é mais vulnerável à reabertura da economia e à variação da renda das famílias.

Além das pesquisas de desempenho dos setores da economia, diz, outras evidências sobre efeitos do aperto monetário podem ser vistos nos dados de concessão de crédito e de inadimplência.

“Pela Nota de Crédito do BC, percebemos que as concessões para indivíduos e empresas continuam em patamares elevados, mas vêm desacelerando nos últimos meses. Há ainda piora no mix de crédito, com aceleração de linhas emergenciais como cheque especial e rotativo de cartão de crédito”, alerta Margato. “O aumento da inadimplência acende um alerta e é outra forma de olhar a política monetária restritiva.”

Além do impacto nos setores que dependem mais de crédito, a alta dos juros começa a afetar a confiança de investidores e consumidores, afirma Hélio Zylberstajn, da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária da Universidade de São Paulo (FEA-USP).

De setembro até dezembro, índices de confiança dos setores de indústria, comércio e serviços caíram. Em janeiro houve leve recuperação em alguns deles.

“A confiança está virando para baixo, diminuindo”, diz Zylberstajn, ao afirmar que a queda dos índices embute pessimismo com a economia frente aos juros altos e à indefinição da política econômica nesse início de governo. “Está tudo muito vago.”

Na visão de Zylberstajn, há duas forças pesando contra a economia hoje. “Temos juros muito altos e um princípio de desconfiança [dos agentes econômicos]. Isso não contribui para a atividade econômica”, conclui.

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