Jovem que caminhava descalço para ir à escola realiza sonho de formar na Ufac

De uma infância difícil na Terra do Abacaxi à uma formação na Universidade Federal do Acre (Ufac). Essa é parte da história do jornalista Gabriel Freire, de 27 anos, que celebrou nas redes sociais a colação de grau no curso de jornalismo, que aconteceu na última segunda-feira (15) e emocionou diversas pessoas com sua história.

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Ao ContilNet, Gabriel contou que morava com a mãe e a avó em Tarauacá, município do interior do Acre, onde nasceu, e que enfrentou muitas dificuldades com a família. “Sou filho único e de Tarauacá. Eu morava em um bairro sem infraestrutura, em que no período de chuvas encarava a lama para poder chegar na Escola Adelmar de Oliveira. Na entrada tinha uma torneira com água para retirar os resquícios da lama. Eu sempre ia descalço, pois usar sandália era impossível”, lembra.

O jornalista relembra que morava em uma casa simples e que após a demissão da avó na Fábrica de Borracha, a casa continuou sendo construída com o pouco valor que era guardado do trabalho de lavadeira para comprar madeira, alumínio e pregos para a casa. 

“Foi construída com muita luta e esforço. Além disso, minha avó trabalhou ainda mais, com a venda de hortaliças como cheiro verde, chicória, pimenta, couve e coentro. Nessa época, eu tinha uns 10 anos e todo dia bem cedo antes de ir para aula colhia as verduras e limpava com a minha avó. Eu saía com uma bacia pela rua oferecendo aos vizinhos para que pudessem comprar. O dinheiro arrecadado das vendas era aplicado dentro de casa na compra de alimentos”, contou.

Apresentação do TCC de Gabriel, ao lado da sua dupla Fabiano Estanislau, e a banca examinadora composta por professores. Foto: Arquivo pessoal

Gabriel relembra as condições da mãe, que recebia menos que um salário mínimo sem carteira assinada, além do tio, que ajudava em casa e também auxiliou na entrada do jornalista na escola Instituto São José, de Tarauacá. Além disso, Gabriel também relembra as histórias que ouvia da avó, que era filha de seringalista e teve a oportunidade de estudar até os 13 anos, quando foi acometida com glaucoma no olho esquerdo e teve que parar os estudos para fazer tratamento, mas não conseguiu a cura e perdeu a visão.

“Nos seringais acreanos era uma dádiva poder estudar, seu pai que era dono do seringal Alagoas, contratou um professor para lhe ensinar em casa. Ao completar 13 anos de idade foi acometida com glaucoma no olho esquerdo, teve que parar os estudos para poder fazer o tratamento, mas não conseguiu a cura e acabou perdendo a visão e por consequência não deu seguimento aos estudos. Isso me marcou bastante. Pois ela fazia todo esse esforço sem ter a visão do olho esquerdo”, disse Gabriel ao ContilNet.

Chegada na capital

Ao se deparar com a realidade em que vivia, Gabriel quis fazer diferente e tomou a decisão de morar na capital do Acre, mais de 400 km de distância por estrada, e deixou o lugar onde morava e a avó, para buscar construir uma vida melhor em Rio Branco.

“Minha mãe Delma foi dispensada do trabalho e veio morar em Rio Branco, anos antes de eu vir. Aqui na capital, ela trabalhava como empregada doméstica e meu padrasto em um lava jato. Então ver todos eles batalhando foi o que me motivou. Eu tinha bastante medo. Eu lembro da primeira vez que andei de ônibus, foi quando passei mal, a pressão baixou e eu comecei a querer desmaiar. Em Tarauacá as pessoas utilizam a bicicleta como meio de transporte e aqui é ônibus, carro e moto”, contou.

Em Rio Branco, Gabriel iniciou os estudos na Escola Estadual Armando Nogueira e pôde perceber a diferença no ensino que era dado no interior e na capital. “Confesso que fazer amizades com os professores foi sempre o caminho correto para que eu entendesse os conteúdos na nova escola, que leva o nome de um dos jornalistas acreanos mais reconhecidos do país”, disse.

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O jornalista ressaltou que sempre estudou em escola pública e que o ingresso na Ufac em 2016 era carregado de um sonho de ser um dos poucos da família formado na Universidade Federal do Acre. “Minha trajetória pela instituição foi desafiadora pois foi quando comecei a trabalhar, então eu tinha uma jornada dupla. Nunca fui o melhor da turma, mas sempre me dediquei mesmo quando o cansaço batia nas madrugadas estudando. No percurso, caminhei ao lado de professores que sentiam na pele a realidade de um estudante vindo do interior do Acre”, explica.

Estágio na TV Gazeta. Foto: Arquivo pessoal

Durante o período em que esteve na Ufac, Gabriel foi voluntário no Trote Solidário em 2017 no Centro de Educação Infantil e Alternativo Pequena Thaysla, em seguida estagiou como produtor na TV Gazeta Acre, afiliada da Record TV em dois programas. Além disso, também foi bolsista em ações de extensão da Ufac e também estagiou na Secretaria de Estado de Educação, Cultura e Esportes do Acre (SEE) com foco na produção de conteúdo para o projeto Viver Ciência Virtual.

Estágio na Ufac. Foto: Arquivo pessoal

Trajetória premiada

Enquanto esteve na Ufac como aluno, Gabriel também recebeu diversos prêmios com produções acadêmicas.

Foi vencedor na modalidade Reportagem em Jornalismo Impresso com o texto “A Era da Cesárea”, no Expocom 2019.

Intercom Norte. Foto: Arquivo pessoal

Foi premiado com Destaque Acadêmico no 1° Prêmio Jorge Said de Comunicação da Prefeitura de Rio Branco (AC) em 2019.

1º Prêmio Jorge Said, em 2019. Foto: Arquivo pessoal

Foi vencedor Nacional nos prêmios Reportagem em Jornalismo Impresso – “A Pobreza Nossa de Cada Dia” – e Programa de Rádio – “Baixaria na Cozinha” no 43º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação em 2020.

E 2021, foi finalista no Programa FactCheckLab da Agência Lupa em parceria com a Embaixada e os Consulados dos Estados Unidos no Brasil.

Gabriel na FactCheckLab da Agência Lupa. Foto: Arquivo pessoal

Colação de grau

Gabriel relembrou o momento único que viveu na última segunda-feira (15), ao lado de outros 35 alunos, quando recebeu o canudo vermelho com o nome da Ufac, pelas mãos de sua mãe e sua avó.

“Quando chamam seu nome no microfone e você caminha até o palco, a tremedeira começa. Minha reação foi sorrir para o público e acenar. Eu estava muito emocionado pois estava realizando um sonho que não era só meu, mas de minha mãe e minha avó que não tiveram oportunidade e tempo de estudar, pois estavam se dedicando para o trabalho e para minha sobrevivência. Quando elas subiram para me parabenizar eu desabei de felicidade”, disse.

Foto: Eduarda Oliveira

O momento foi único também para o curso de jornalismo que formou uma turma com 40 alunos pela primeira vez. Ao ser questionado sobre os novos profissionais que entram oficialmente no mercado de trabalho como jornalistas, Gabriel disse que tem em mente que são pessoas que vão atuar com responsabilidade social e verdade.

Foto: Eduarda Oliveira

“É preciso levar a verdade para as pessoas. O Jornalismo tem esse papel de levar para a população a realidade com fatos e informações de qualidade de forma verificada. A Ufac continua sendo um local acolhedor, de pessoas que se dedicam em defender a democracia, os direitos humanos, a liberdade de expressão e sendo referência em conhecimento, pesquisa e inovação”, finaliza.

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