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Netflix vai acabar com o compartilhamento de senhas? O que se sabe até agora

Por TECH TUDO

Netflix estuda medidas para impedir a divisão de contas e aumentar número de assinaturas Reprodução/Unsplash (freestocks)

Assinantes da Netflix têm acompanhado há anos as decisões da plataforma em bloquear o compartilhamento de senhas. A prática é comum entre os usuários, mas tem sido encarada como prejuízo para os gestores do serviço de streaming.

Em um texto publicado em sua sala de imprensa na última quarta-feira (8), a plataforma informou aos usuários e imprensa as novas diretrizes a respeito do compartilhamento de senhas e acessos fora da residência do assinante, após meses de especulações na mídia.

A empresa também incluiu mais quatro países (Canadá, Portugal, Espanha e Nova Zelândia) em sua medida para cobrar pelos acessos externos ao local principal. Tal recurso já havia sido testado antes em alguns países da América Latina, como Argentina, Chile, Honduras e Peru.

Para entender o longo processo que envolve a Netflix e o fim do compartilhamento de senhas, confira as informações a seguir.

Uma das medidas da Netflix é a cobrança de acessos fora da residência — Foto: Fernando Telles/TechTudo

Uma das medidas da Netflix é a cobrança de acessos fora da residência — Foto: Fernando Telles/TechTudo

Quais são as novidades até agora?

Na última quarta (8), a plataforma publicou em sua área de imprensa um texto chamado “Novidades sobre compartilhamento“, creditado pela diretora de inovação Chengyi Long. No conteúdo, são elencadas as medidas tomadas até agora pela empresa para diminuir o compartilhamento de senhas.

A diretora ainda explica que essas atitudes foram tomadas devido ao número alto de usuários que acessavam o conteúdo sem serem clientes – o que segundo a empresa prejudicou na produção de novos filmes e séries. Entre as medidas, que a empresa diz que ajudam o usuário a ter controle de quem acessa a conta, estão:

  • definição do local principal de acesso da assinatura;
  • gerenciamento da conta utilizada entre os membros da casa e dos dispositivos conectados ao serviço;
  • transferência de perfil;
  • possibilidade de usar a Netflix em outras conexões Wi-Fi em caso de viagens;
  • aquisição de até dois membros extras fora do local principal.

Em nenhum momento do texto é citada diretamente a proibição ou bloqueio de acessos fora da casa do assinante ou como essas medidas são de fato implementadas. Também lembramos que ainda não há informações específicas sobre a cobrança extra por usuários no Brasil.

Na matéria publicada pela Netflix, a plataforma informou aos assinantes e imprensa novas diretrizes em relação ao compartilhamento de senhas – sem citar diretamente bloqueio de acessos — Foto: Reprodução/Jonathan Firmino

Entenda como a Netflix pode impedir o compartilhamento de senhas

Entre os mecanismos estudados há mais tempo pela empresa está a monetização dos acessos fora da casa do assinante. Como uma possível alternativa ao problema, em agosto de 2022 foram realizados testes na América Latina da extensão Netflix Homes, onde os assinantes são notificados com uma taxa extra para acessos fora do seu endereço cadastrado pelo IP do Wi-Fi. Isso justifica a nova funcionalidade de gerenciamento de acessos e dispositivos logados na sua conta, disponibilizada na última semana.

Países como Honduras, Costa Rica, Chile e Peru foram alguns dos locais que integraram o teste. Na época, os valores aplicados foram 2.380 pesos chilenos no Chile (cerca de R$ 15, em conversão atual); US$ 2,99 na Costa Rica (cerca de R$ 15); e 7,90 sóis peruanos (R$ 10,80). Mais recentemente, Canadá, Espanha, Portugal e Nova Zelândia integraram a lista de países para a cobrança de taxa extra. De acordo com o jornal americano CNN, os assinantes dos planos Standard e Premium podem inserir até dois assinantes fora da residência para ter acesso à conta.

Plano básico com anúncios é a opção de assinatura mais econômica da Netflix — Foto: Letícia Rosa/TechTudo

Os valores estão em 7.99 dólares canadenses (cerca de R$ 31 em cotação atual), 7.99 dólares neozelandeses (cerca de R$ 31), além de €3.99 (R$ 22) em Portugal e cerca de R$ 33 na Espanha. Informações repassadas por acionistas da empresa, e publicadas em matéria do Wall Street Journal (WSJ) em dezembro de 2022, informam que a cobrança poderá ser aplicada de forma mais ampla ainda em 2023.

Para se ter uma ideia dos valores obtidos com a medida, ainda de acordo com o WSJ, o banco de investimento Cowen Inc. fez uma estimativa de quanto seria a receita da Netflix caso as taxas extras fossem aplicadas nos Estados Unidos e Canadá. Considerando a quantia hipotética de US$ 3 dólares (R$ 15,75, em cotação atual) cobrada a cada um dos 30 milhões de usuários não-pagantes localizados nos dois países, o lucro a ser obtido pela empresa em 2023 seria de US$ 721 milhões (cerca de R$ 3,7 bilhões, em conversão atual).

Quais serão as regras práticas para impedir a divisão de senhas?

É possível ter uma ideia sobre quais seriam as regras práticas a partir da atualização resgatada pelo site The Streamable (também disponível no Wayback Machine) em janeiro deste ano. De acordo com a Netflix, as regras na Central de Ajuda do site foram publicadas por um erro e apagadas posteriormente. Em sete tópicos, são esclarecidas questões sobre como é feito o bloqueio em acessos fora da residência e como preveni-los, se é possível compartilhar a conta com não assinantes e como consumir o serviço em viagens.

No FAQ, é informado que não é permitido o login da conta fora da residência cadastrada, sendo possível apenas o compartilhamento entre pessoas do mesmo endereço. Caso contrário, de acordo com o texto, a plataforma irá sugerir que o usuário externo faça sua própria assinatura, além de pedir para que o assinante bloqueie as entradas fora de casa – ou isso será feito pela própria plataforma. A Netflix considera como “confiáveis” os acessos feitos no local principal (neste caso, a residência do assinante), onde é consumido no mínimo um conteúdo a cada mês.

Em caso de cobrança extra, a atualização informa que os valores não serão cobrados imediatamente. Já em situações de viagem, o assinante pode solicitar um código temporário à Netflix quando acessar o serviço em um aparelho fora da residência. O login alternativo tem validade de sete dias consecutivos.

Quais outras medidas já foram tomadas?

Desde 2019, a Netflix planeja ações para coibir o acesso gratuito de não assinantes à plataforma. As medidas seriam aplicadas no ano seguinte, mas a empresa postergou a decisão devido ao aumento de assinaturas durante a quarentena na pandemia da COVID-19. Entretanto, houve também um crescimento de acessos não pagos, o que segundo um levantamento obtido pelo WSJ chegou a 100 milhões de usuários em todo o mundo.

Outro índice alarmante para a empresa foi a queda de assinaturas. Só nos EUA e Canadá houve uma baixa de 1,3 milhão de assinantes, sendo um milhão no restante do mundo. Tais resultados influenciaram na decisão de reter os assinantes antigos e conquistar novos. Duas ideias emblemáticas nesse caso foram a transferência de perfil e a criação de um plano básico de assinatura.

O primeiro recurso já era uma demanda antiga de usuários da Netflix, segundo a empresa, e foi aplicado em outubro de 2022. Com a transferência de perfil, o usuário pode migrar seus dados para uma outra conta e assim manter suas configurações, como recomendações personalizadas, histórico de acesso e listas de conteúdo.

No mês seguinte, a plataforma oficializou seu plano básico com publicidade, no valor de R$ 18,90 mensais. Na nova modalidade, o usuário dispõe de benefícios similares ao plano básico, com a diferença da qualidade de imagem ser em 720p (HD) e na exibição de anúncios com duração de 15 a 30 segundos antes e durante os filmes e séries. Em contrapartida, nem todo catálogo da Netflix está disponível por questões contratuais.

Mesmo com as novas facilidades, a Netflix não deixou de lado as restrições contra o compartilhamento de senhas. Em março de 2021, a empresa realizou testes para vetar os acessos não pagos ao serviço, conforme informações obtidas pelo site americano GammaWire. No experimento, usuários que fizeram entradas fora da casa do assinante receberam uma notificação na tela onde era sugerido o serviço para novos assinantes. Além disso, o assinante poderia confirmar a titularidade da conta por meio de um código de verificação via e-mail ou SMS.

Netflix chegou a solicitar confirmação da conta com código enviado por SMS ou e-mail — Foto: Reprodução/Twitter

Qual o impacto para o consumidor?

Impedir o compartilhamento de senhas não fere nenhuma lei do Código de Defesa do Consumidor, indicam os advogados Tayná Carneiro, da central de cursos em Direito Future Law, e Daniel Marques, presidente da Associação Brasileira de Lawtechs e Legaltechs.

“Desde que chegou ao Brasil, em seu contrato de adesão, ela (Netflix) informa que só pode usar a senha quem mora na mesma residência. O direito à informação, que é uma das obrigatoriedades do Código de Defesa do Consumidor, foi cumprido, e a entrega do serviço também. Não é uma cláusula nova e unilateral”, informa Daniel.

Já para o advogado Christian Perrone, head das áreas de Direito e Tecnologia e GovTech do Instituto de Tecnologia e Sociedade, a situação não é tão simples. “O direito à informação depende de uma informação efetiva e que o/a consumidor ou consumidora tem que de fato estar a par. Estar no contrato não necessariamente é suficiente, particularmente frente a uma prática arraigada”, ressalta.

Outra preocupação de Christian é em relação à aplicação das novas medidas. Segundo ele, a Netflix está estudando como implementar as restrições ao acesso, mas questões técnicas que impeçam o uso poderão gerar problemas com órgãos de defesa do consumidor. “Por exemplo, a necessidade de utilizar a plataforma no mesmo Wi-Fi impossibilitaria o uso através do 5G ou em outras localidades? Existiria agora uma limitação para o consumidor?”, indaga.

Ao defender seus interesses para manter o alto número de assinaturas e rentabilidade, resta saber se a Netflix conquistará esses objetivos com as novas mudanças. Para Tayná, o resultado ainda é incerto. “Não há maneira de prever com certeza se o fim do compartilhamento de senhas aumentará ou prejudicará o número de assinantes da Netflix. Depende de como as pessoas reagirão a essa mudança”, explica a advogada.

Daniel, por outro lado, acredita que as ações mudaram o relacionamento entre plataforma e usuário a longo prazo. “O que ela está fazendo é uma alteração paulatina de modo a educar com o novo modelo de cobrança”, explica. Para Christian Perrone, o sucesso das medidas anticompartilhamento de senhas da Netflix vai ditar como o mercado de streaming vai agir no futuro.

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