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Análise: Antes de odiar MC Pipokinha, é bom saber que ela fala por muitas

Por ESTADÃO

A funkeira MC PipokinhaImagem: Reprodução

Ela está chutando o que restava de fronteiras da verbalização erótica e da encenação pornográfica do funk.

Ao radicalizar o caminho aberto por outras bocas despoéticas, como as de Deize Tigrona e MC CarolMC Pipokinha, uma garota de 24 anos que saiu de Tubarão, em Santa Catarina, e chegou a São Paulo, em 2019, para dormir de favor em casas, bares e tabacarias antes de começar a ganhar R$ 70 mil por um baile de 15 minutos, segundo a própria, Pipokinha coloca a legitimação do funk em xeque.

Afinal, a moça que põe bailarinos para simular sexo violento e em todas as posições no palco, que faz vídeo como se fosse uma criança sendo levada a um motel, que se intitula a “rainha da putar..” nos shows e que tem o clipe de seu hit Bota na Pipokinha ultrapassando os 27 milhões e meio de visualizações no YouTube não pode mais ser ignorada.

A funkeira MC Pipokinha

A funkeira MC Pipokinha Foto: Facebook / MC Pipokinha

Ao lado de Pipokinha, Anitta soa como uma carmelita – o que marca a maior ruptura dentro do próprio funk.

As letras que causam explosões em seus shows, mais do que as de qualquer outra MC linha dura, são convites ao sexo brutal, com ordens de penetração tão impiedosas que chegam a inverter a lógica da submissão dos rappers.

Quem manda, nomeia e controla é quem recebe, não quem fornece. Quem fornece, aliás, parece sempre a um passo do constrangimento.

Ao mesmo tempo em que catalisa uma fúria sexual feminina incontrolável, fazendo meninas tirarem a roupa, subirem ao palco e praticarem, ou simularem que praticam, sexo oral na própria cantora, a libertação de Pipokinha é também um pulo no abismo.

Se calibrasse seu discurso, jogando nas linhas do “erotismo aceitável”, como fazem Anitta, Ludmilla e até Luisa Sonza, Pipokinha poderia ser legitimada pelos observadores das culturas periféricas do país, como o sociólogo Hermano Vianna e o cantor Caetano Veloso.

E, com a base de fãs que já tem, seria certamente escalada para festivais como Rock in Rio e o Lollapalooza, faria colabs com rappers gringos e até chegaria a um, por que não, Grammy.

Mas seu vale tudo verbal e físico que brinda a ilicitude quando envolve infantilização e sexo não consentido, e o fato de ter o registro narrativo dos filmes pornográficos como única linguagem, deve frear a expansão de sua carreira.

É tudo um desafio ao tentarmos entender Pipokinha – Helena é o nome real dessa filha adotiva de uma família de pais mórmons que a fazia orar a Deus várias vezes ao dia.

Sua crença parece resistir. Durante um show, ela ajoelhou-se e começou a chorar enquanto ouvia seus fãs gritarem a rima: “Pipokinha, rainha da put…”. Ao levantar-se, pegou o microfone e disse: “Primeiramente, eu quero agradecer a Deus. Ele me deu tudo. Esse é o meu trabalho, eu não sou uma vagabunda.” Seu choro atiçou o mundo do funk com algum grau de despeito. MC Carol escreveu no Twitter: “Ouvi falar dessa mina, tem um mês e ela já está chorando??? Pohhh coleguinha, tu pegou o bagulho mastigado!!!! Tá reclamando do que, gata?!”

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Cada vez mais poderosa, com uma casa própria comprada em São Paulo e sendo administrada pela produtora Novo Império, Pipokinha precisa de orientação profissional para não afundar no deslumbramento. Ao saber que uma professora brigou com uma de suas fãs, contestando seu valor artístico, ela fez um vídeo dizendo o seguinte:

“Tem nada pra fazer em casa não, tem que ser professora, coitada. Meu baile tá 70 mil, 30 minutinhos em cima do palco. Ela não ganha nem 5 mil sendo professora…” Há um contexto poderoso por trás de sua inabilidade verbal e seu alto poder de rejeição. Em um post recente, ela escreveu: “Eu nunca mais vou morar na rua, eu nunca mais vou morar na casa dos outros de favor. Nunca mais ninguém vai me expulsar de casa, me mandar embora. Eu nunca mais vou ficar na rua, vocês têm noção disso? Têm noção disso?” Assim como o rap dos anos 90 catalisou a revolta dos garotos da periferia contra décadas de exclusão social, o funk de MC Pipokinha tem algo de revolta sexual feminina das ruas contra o domínio da história pelos homens. Uma explosão descalibrada e raivosa, mas legítima.

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