Neste 8 de março é celebrado o dia Internacional da Mulher. A data é um divisor de águas na luta pelos direitos e igualdade das mulheres em todo o mundo. No entanto, não é fácil ser mulher na estrutura social que vivemos, onde os homens são considerados provedores e a mulheres “cuidadoras” e dependentes dos homens.
Naturalmente, os espaços sociais públicos se tornaram ocupados, na maior parte, por homens, enquanto os espaços sociais privado-domésticos ou relacionados ao “cuidar” (como as áreas da saúde e da educação, principalmente) se tornaram ocupados, na maior parte, por mulheres.
Essa ideia não está só enraizada na vida social e estrutural familiar, mas também nas relações de trabalho, principalmente naquelas profissões que, historicamente, são dominadas pelo gênero masculino.
Esta busca pela igualdade de gênero persiste em diversas esferas da sociedade sendo percebida de formas latentes na segurança pública, principalmente nas polícias militares de todo o Brasil.
Para falar sobre este assunto, o ContilNet entrevistou duas oficiais da Polícia Militar do Acre (PMAC), as tenentes Priscila Siqueira e Ivanise Pontes, para contar sobre suas experiências na corporação.
Tenente Priscila Siqueira
Quando entrou na Polícia Militar do Estado do Acre (PMAC), em 2009, Priscila Siqueira, 35 anos, viu uma oportunidade para encontrar a segurança e a estabilidade financeira que o serviço público oferece. Com o tempo, acabou abraçando a profissão.
“Eu fui atraída para essa carreira pela estabilidade e a inserção no mercado de trabalho. Agora, me sinto gratificada e não pretendo fazer outra coisa além de ser militar. Vou continuar exercendo meu trabalho porque sinto que é importante para as pessoas, para a segurança delas”, declarou.
Atuando na PMAC há 13 anos, a tenente conta que não teve referências de mulheres como ela, antes de ingressar na instituição, e também não se lembra de ter visto nenhuma mulher policial, quando criança.
“Não era comum ver mulher policial. Eu não me lembro de ter muitos exemplos. Eu nem lembro na minha infância, de ter visto uma policial feminina”, disse.
Embora não tenha tido essas referências na infância, Priscila Siqueira é um exemplo de quem está conquistando seu espaço. Em 2015, ela prestou concurso para oficial e, a partir daí, começou a ocupar diversas outras funções dentro da corporação que, em grande parte, eram compostas apenas por homens.
Mesmo se destacando na carreira militar, Siqueira conta que existe um preconceito velado com as mulheres dentro da instituição.
“Durante meu curso de formação na academia de polícia eu percebia que o machismo aparecia em tons de “brincadeira”. Éramos 47 alunos no total, 11 eram mulheres, e nossos colegas, homens, gostavam de dizer que teriam apenas 36 tenentes, excluindo nós mulheres. Embora parecesse “zoação”, a mensagem que nos passavam é que, só serve para ser tenente se for masculino”, comentou.
Segundo a tenente, atuar em um ambiente onde o público interno é predominantemente masculino, muitas vezes, requer um posicionamento mais incisivo para que ela possa ser ouvida.
“A gente consegue sim trabalhar e desempenhar nossas funções, mas muitas vezes temos que nos posicionar mais incisivamente para sermos ouvidas. Às vezes na própria comunidade, quando você chega ao atendimento de uma ocorrência, por exemplo, mesmo estando à frente da equipe policial, as pessoas se dirigem ao soldado, pois as pessoas já tem aquela ideia da figura de poder no homem”, destacou Priscila.
No entanto, Priscila explica que é possível superar o preconceito e o machismo com educação e mostrando trabalho.
“Dentro da instituição eu não tenho dificuldade de emitir ordens e elas serem acatadas, até porque a estrutura militarizada não dá muita margem para isso. Além disso, trabalhamos essas temáticas de assédio moral, sexual e machismo dentro da corporação. As mulheres militares são incentivadas a buscar garantia de seus direitos, comunicando e formalizando denuncias na corregedoria da PM. Com trabalho e educação vamos conseguindo vencer esses obstáculos”, finalizou.
Combatendo a violência doméstica
Atualmente, a tenente Priscila Siqueira, atua na coordenadoria da Patrulha Maria da Penha (PMP), onde realiza um trabalho de combate e enfrentamento a violência doméstica.
Ela fala com emoção de situações que enfrenta no dia a dia e diz que se sente realizada cada vez que consegue ajudar uma mulher vítima dessas violências.
“Tem uma gratificação quando a gente ajuda mulheres a romperem com o ciclo da violência e driblarem o feminicídio. São inúmeros os casos. Com a intervenção da patrulha, sei que evitamos que nossas estatísticas subam mais”, pontua.
A Patrulha Maria da Penha é uma unidade da Polícia Militar, criada em 2019, que tem como objetivo oferecer acompanhamento preventivo periódico e garantir maior proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar que possuem medidas protetivas de urgência vigentes, baseadas na Lei Maria da Penha.
Tenente Ivanise Pontes
A tenente Ivanise Pontes, 45 anos, é natural de Tarauacá, interior do Acre, e há 20 anos compõem o quadro de servidores da polícia militar do Estado. Durante todos esses anos dentro da corporação já ocupou diferentes cargos e funções.
Ivanise, assim como Priscila, também participou do concurso público para oficiais em 2015 e foi uma das 11 mulheres a conquistarem uma vaga. Ela explica que, desde a academia de polícia, percebeu que haviam diferenças entre homens e mulheres dentro da realidade militar.
“Nossa maior dificuldade como mulher é conseguir conciliar uma gama de atividades, que normalmente os homens não costumam lidar. Nós precisamos ser comandantes e, dentro da corporação, temos que acolher, abraçar e trazer para a gente os problemas de todas a pessoas que estão sob o nosso comando e ainda ter que conciliar tudo isso com nossa vida privada, onde também somos mães, esposas e donas do lar”, esclarece a tenente.
A PM diz não ter muita dificuldade em exercer os cargos de comando, mas entende que existe uma situação histórico-cultural em que o poder vai sempre estar associado ao homem.
Contudo, Ivanise garante que as coisas estão melhorando para as mulheres nos ambientes corporativos. “Quando entrei como soldado a mentalidade era outra. Não tínhamos acesso a algumas informações e os direitos, embora existissem, pareciam muito distantes. Hoje eu percebo um avanço muito grande dentro da polícia militar, vejo um comandante sentar num auditório lotado de mulheres policiais para que elas tomem conhecimento de seus direitos, para que se empoderem e não permitam que esses direitos sejam violados. Hoje também vejo diversas diretorias e batalhões sendo comandadas por mulheres”, analisou.
A tenente continua. “O preconceito e o machismo existem e a gente precisa combater. Esse combate se faz com informação, com nós mulheres, dizendo não, se posicionando e reafirmando nosso lugar, não só na polícia, mas em qualquer função que ocuparmos”, concluiu.
De dona de casa a comandante de batalhão
Antes de ingressar na polícia militar, em 2002, Ivanise Pontes era dona de casa. A carreira militar também foi para ela uma oportunidade para mudar de vida. “O trabalho consome um pouco do nosso tempo, mas em nada tira o brilho da nossa profissão”, declara orgulhosa a tenente.
Na PMAC, Pontes atuou em batalhões de Tarauacá, Cruzeiro do Sul e Rio Branco. Após prestar o concurso em 2015, tornou-se oficial.
Como 1º tenente PM, Ivanise tem conquistado e ocupado espaços importantes e serve de inspiração para outras mulheres. “Nós mulheres não devemos nunca nos contentarmos com o que nos é imposto. Não devemos nos paralisar por crenças limitantes de que não conseguiremos chegar onde gostaríamos”, aconselha Ivanise.
Hoje, como comandante do 8º Batalhão da PMAC, que compreende os municípios de Sena Madureira, Manoel Urbano e Santa Rosa do Purus, a tenente tem sob sua liderança um efetivo com mais de cem homens e mulheres.