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Na mês da Mulher, números mostram déficit feminino no poder Legislativo do país

Por Tião Maia, ContilNet

Na semana em que se comemora o Dia Internacional da Mulher, no próximo 8 de março (quarta-feira), grupos de estudos da causa feminina divulgaram números nada alentadores para quem defende o sexo feminino em todas as esferas de poder da República, principalmente nas casas legislativas.

“Penso que se o mundo fosse governado por mulheres, a vida na terra seria bem melhor. As duas guerras mundiais, que mataram milhões de pessoas, e as outras que ocorreram isoladamente ao longo do tempo, e esta agora entre a Rússia e a Ucrânia, nenhuma delas foi provocada ou iniciada por mulheres”, lembrou, na semana passada, por ocasião da posse da delegada Márdhia El-Shawwa na Secretaria da Mulher, o desembargador Anastácio Menezes, do Tribunal do Justiça do Acre.

A declaração do magistrado revela o quão homens e mulheres desejam uma divisão melhor de mulheres em espaços de poder na República no Brasil. O país já teve uma presidenta (Dilma Rousseff) e três mulheres (Ellen Grace, Carmem Lúcia e agora Rosa Weber) no comando do Supremo Tribunal Federal, mas ainda parece longe o dia em que uma senadora ou uma deputada federal estará à frente das duas Casas do Congresso.

Os núcleos de decisão do Poder Legislativo continuam não apenas nas mãos dos homens, como, sobretudo, de herdeiros masculinos de clãs políticos, segundo revela levantamento da União Inter-Parlamentar (UIP). De acordo com os números, as eleições de 2022 colocaram um número recorde de mulheres nos Congresso, nas assembleias estaduais e na Câmara Legislativa do Distrito Federal.

Ainda assim, a representação parlamentar feminina é inferior à média mundial — 26,5% dos assentos estão sendo ocupados por mulheres. Ainda segundo o estudo, a taxa brasileira de participação das mulheres na Câmara e no Senado está próxima de índices registradas na Europa há quase três décadas.

No Acre, dos 24 deputados estaduais, só três são mulheres (Michelle Melo, Antônia Sales e Maria Antônia). Na Câmara Municipal de Rio Branco, de 17 vereadores, só duas (Lene Petecão e Elzinha Mendonça) são do sexo feminino. Na Câmara Federal, de oito deputados, só três (Socorro Neri, Antônia Lúcia e Meire Serafim) são mulheres. No Executivo, em âmbito municipal, de 22 prefeituras do Acre, só três são ocupadas por mulheres (Fernanda Assem, em Brasileia; Rosana Gomes, em Senador Guiomard, e Néia Sérgio, em Tarauacá).

Mas quanto a participação de mulheres no poder, o Acre poderia se jactar de ter sido, de 1986 a 1987, governado por uma mulher (Iolanda Fleming), pela primeira vez na história do país. Pode se jactar também de ter, quase 40 anos depois, e também um fato na história dos 62 anos do Estado, uma mulher exercendo o cargo de líder do governo estadual na Assembleia Legislativa, no caso a deputada Michele Mello (PDT), por iniciativa do governador Gladson Cameli.

Poderia lembrar também lembrar que já teve três mulheres na presidência do Tribunal de Justiça (Eva Evangelista de Araújo Souza, Miracele Lopes Borges, Waldirene Cordeiro) e agora mesmo é presidido por uma quarta desembargadora, Regina Ferrari Longuine.

Mas na Assembleia, por exemplo, jamais, uma mulher chegou à presidência da Casa, um reflexo do que acontece em nível nacional, tanto na Câmara e no Senado, onde nenhuma mulher chegou a presidência também – embora ocupem, na atualidade, cargos de direção em suas mesas diretoras. As direções da Câmara e do Senado possuem perfis semelhantes nas atuais composições.

No caso dos deputados, Maria do Rosário (PT-RS) tem assento no órgão que cuida da administração da Casa — ocupa a segunda secretaria. Entre as senadoras essa situação é mais grave, pois os sete postos da mesa são ocupados por homens. Parlamentares mulheres até presidem sessões, mas apenas quando os presidentes Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (PSD-MG), da Câmara e do Senado, respectivamente, estão ausentes ou vão à tribuna discursar.

Entre os 23 líderes de partidos da Câmara, a única mulher na função é Adriana Ventura (Novo-SP). Além disso, não há uma única deputada em liderança de blocos. No Senado, das 13 legendas com representação na Casa, Tereza Cristina (TO) é líder do PP e Eliziane Gama (PSD-MA) está à frente do bloco da Resistência Democrática. As bancadas femininas eleitas no ano passado têm 91 deputadas federais e 15 senadoras — o que equivale a aproximadamente 18% do contingente parlamentar da Câmara e 15% do Senado.

A representação feminina, na estrutura das Casas do Congresso, parece uma concessão da maioria masculina. A Câmara possui em sua estrutura a Secretaria da Mulher e a bancada feminina é coordenada pela deputada Luísa Canziani (PSD-PR). No Senado, Leila Barros (PDT-DF) é a procuradora Especial da Mulher no Senado.

O incômodo com a sub-representação é um debate permanente na bancada feminina, segundo Luísa Canziani. “Discutimos o assunto mulheres nos espaços de poder. É um assunto da máxima relevância da bancada. Se estamos falando de espaços de decisão na Casa, necessariamente devem conter mulheres”, explica, ao ser questionada sobre a ausência histórica de uma parlamentar na presidência da Câmara.

A deputada acrescenta que a construção de consensos na bancada, que este ano teve foi ampliada por duas mulheres trans — Duda Salabert (PDT-MG) e Erika Hilton (PSol-SP) —, é uma tarefa complexa, pois há representantes de todos os espectros políticos, da extrema direita à esquerda. Mas assegura que é possível elaborar pautas com o maior alinhamento possível.

“Há, sim, muitos desafios a serem enfrentados. No entanto, com a união de nossa bancada, o apoio do presidente Arthur (Lira), a competência e a força do trabalho de nossas deputadas, haveremos de superar essa questão”, disse, segundo o portal de notícias da Câmara.

Vítima de um episódio de misoginia no Congresso, em 2021, durante sessão da CPI da Covid, a hoje ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, lembrou, no último dia 1º, em evento no Palácio do Planalto, o boicote que sofreu do próprio partido quando disputou, de maneira independente, a Presidência da Casa, quando o MDB fechou questão para apoiar a eleição de Rodrigo Pacheco. Foi a primeira vez que uma mulher disputou o posto de comandante do Congresso. Em 2019, ela também tinha anunciado a entrada na disputa, mas retirou-a em apoio a Davi Alcolumbre (União Brasil-AP).

Na agenda da semana passada, no Palácio do Planalto, a Simone declarou que tinha orgulho de ter enfrentado os colegas, em 2021, ao manter a decisão de concorrer, “mesmo sabendo que ia perder”. Para ela, a marcação de posição serviu para pavimentar “caminhos para que um dia uma mulher seja presidente do Senado” — uma vez que, no universo masculino do Parlamento, o fato de ter presidido a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), entre 2019 e 2020, e de ter sido líder do MDB na Casa, em 2018, não parecem credenciais suficientes.

Se na Câmara as deputadas nunca estiveram próximas de dar as cartas na Casa, no Senado há o alento de que as então parlamentares Serys Slhessarenko (em 2010) e Marta Suplicy (em 2011) alcançaram a vice-presidência. Mas isso foi menos pela capacidade delas e sim porque aqueles que deveriam assumir os postos não podiam fazê-lo.

Em manifestação no Dia da Conquista do Voto Feminino no Brasil, em 24 de fevereiro, Rosa Weber, presidente do STF, fez ressalvas no cenário da democracia brasileira com relação à equidade entre homens e mulheres. “O déficit de representatividade feminina significa um déficit para a própria democracia brasileira. Não é uma busca apenas em benefício das mulheres, mas de todos, e se confunde, por isso mesmo, com o próprio fortalecimento da democracia”.

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