Embora não haja registros da atuação do MST (Movimento dos Sem Terra) no Acre, o setor rural do Estado não escapa de uma série de disputas nos últimos anos, registra documento da CPT (Comissão Pastoral da Terra), braço da Igreja Católica que controla e estuda os movimentos do setor rural brasileiro.
De acordo com o documento, em 2022, foram registrados 2.018 casos de conflitos no campo, envolvendo 909,4 mil pessoas e mais de 80,1 milhões hectares de terra em disputa em todo o território nacional, o que corresponde à média de um conflito a cada quatro horas.
Os dados constam no Relatório Anual Sobre Violência no Campo, divulgado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT). Os números indicam aumento de 10,39% em relação ao ano anterior, quando houve o registro de 1.828 ocorrências totais de conflitos rurais.
As ocorrências abrangem disputas específicas pela terra e por água, além de trabalhadores resgatados em condições análogas à escravidão, contaminação por agrotóxico, assassinatos, mortes e outros casos de violência. “Nos últimos dez anos, foi só em 2020 que tivemos um número geral de conflitos maior do que esse, em plena pandemia. Por isso, os números do ano passado são muito graves”, diz Isolete Wichinieski, da coordenação nacional da CPT.
Em termos de conflito pela terra, foram 1.572 ocorrências no país. O número representa aumento de 16,70% em relação ao ano anterior.
Ao todo, 181.304 famílias viveram diante da mira desse tipo de conflito no Brasil, o que dá 4,61% a mais que o registrado em 2021. Os casos inseridos nesse eixo são as ocorrências de violências contra a ocupação e a posse e contra as pessoas, além das ações coletivas de ocupação de terras e acampamentos.
Das unidades da federação com índices mais elevados de conflitos por terra, quatro integram a Amazônia Legal. A região concentrou, em 2022, um total de 1.107 conflitos no campo, o que representa mais da metade de todos os conflitos ocorridos no país (54,86%), aponta o relatório.
Outro dado mostra que, dos 47 assassinatos no campo registrados no Brasil no ano passado, 34 ocorreram na Amazônia Legal, o que representa 72,35% de todos os assassinatos no país. “A curva ascendente na Amazônia Legal a torna um dos mais graves epicentros da violência no campo na atualidade”, diz a CPT no levantamento.
O relatório descreve a região da maior floresta tropical do planeta como “palco de exploração e devastação, criando um verdadeiro campo minado, no qual foram atingidas 121.341 famílias de povos originários e comunidades camponesas em 2022”.
Os dados da CPT também apresentam os principais causadores desses conflitos. No ano passado, os fazendeiros foram responsáveis por 23% das ocorrências de conflito por terra, seguidos do governo federal, com 16%. Em seguida, aparecem empresários (13%) e grileiros (11%).
A principal mudança em relação ao ano de 2021 foi o crescimento da participação do governo federal nos conflitos por terra, que saltou de 10% para 16%.
Áreas de fronteira agrícola na Amazônia têm registrado índices crescentes de conflito.
É o caso da Zona de Desenvolvimento Sustentável (ZDS) Abunã-Madeira (Amacro), que engloba 32 municípios localizados no sul do Amazonas, leste do Acre e noroeste de Rondônia, compreendendo uma área de mais de 454 mil quilômetros quadrados. A região tem sido palco de crescente número de conflitos por terra nos últimos anos, tendo como foco sobretudo comunidades tradicionais, como territórios indígenas.
Em 2022, foram registrados 150 casos de conflitos por terra nessa região especificamente, o terceiro número mais alto dos últimos dez anos, segundo a CPT.
“A comissão tem observado que, de 2004 para cá, está havendo mudança no foco desses conflitos, que deixaram de ser, em sua grande maioria, com os sem-terra, de disputa pela terra e contra a reforma agrária, para conflitos que vão para cima das comunidades, especialmente indígenas, por meio da grilagem mesmo ou invasões”, destaca Isolete Wichinieski.
O relatório da CPT indica que, ao longo de 2022, foram notificados 207 casos de trabalho análogo à escravidão no meio rural, com 2.615 pessoas envolvidas nas denúncias e 2.218 resgatadas, o maior número dos últimos dez anos. Em comparação ao ano anterior, o aumento foi de 29% no número de pessoas resgatadas e 32% no número de casos.
De acordo com a CPT, o agronegócio e as empresas de monocultivos são os principais responsáveis pela situação de trabalho degradante flagrada no país. Apenas no setor sucroalcooleiro, por exemplo, 523 pessoas foram resgatadas no ano passado.
Outro agravamento das violações no meio rural foi observado com o aumento dos casos de contaminação por agrotóxicos. Foram 193 pessoas atingidas, um crescimento de 171,85% em relação ao ano de 2021.
O número de famílias afetadas pela aplicação de veneno nas lavouras somou 6.831, o que representa 86% a mais que 2021 e o maior número registrado pela CPT desde 2010, quando esse tipo de violência passou a ser apurada pela Pastoral.