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Em nota, estudante acreana rebate decisão judicial que retirou 15% de bônus na Ufac

Por Matheus Mello, ContilNet

Maria Júlia Bonelli/Redes sociais

Após a Justiça Federal do Acre conceder à um estudante da Paraíba, por meio de Mandado de Segurança, uma medida liminar que derrubou um bônus regional de 15% no cálculo do resultado da seleção para o curso de medicina na Universidade Federal do Acre (Ufac), a estudante acreana Maria Júlia Bonelli divulgou uma Carta Aberta nas redes sociais que repudia a decisão judicial.

A estudante que concorreu pela primeira vez ao Sisu em 2022, fez uma série de questionamentos sobre os argumentos que foram deixados de lado pela Justiça ao conceder a liminar. 

“Se o bônus é ilegal, e está previsto no edital, assim o edital em que me inscrevi é também ilegal? Não existe no direito instrumento que me assegure a concorrer sob as regras que me inscrevi? E mais, qual é o sentido de excluir uma regra prevista em edital de um processo que já está em andamento? E por que só no Acre? Isso quer dizer que estudantes do país inteiro competirão aqui em ampla e livre concorrência, mas que se eu, acreana, quiser competir em qualquer das 23 universidades que aderem ao bônus regional, não poderei?”, perguntou a estudante.

Maria Júlia disse que a decisão da justiça não afeta somente os estudantes de medicina do Acre [curso no qual o paraibano deverá ingressar], mas, todos os alunos acreanos que fizeram o Enem e concorrem à uma vaga em qualquer curso de graduação da Universidade.

Ainda nesta semana, em nota, o juiz da Justiça do Acre, Jair Facundes havia defendido a liminar concedida ao estudante paraibano.O magistrado  disse que o bônus regional não tem como objeto beneficiar acreanos. “A Ufac estabeleceu um percentual de 15% a ser acrescentado à pontuação dos candidatos que cursaram o ensino médio na região do Acre, 2 municípios amazonenses e 3 vilarejos de Rondônia. É ignorância ou má-fé afirmar que o bônus regional beneficia exclusivamente acreanos. O [bom] propósito da Ufac era e é tentar garantir paridade de oportunidades aos que estudaram o ensino médio no Acre, considerando os desníveis educacionais no país”, escreve.

VEJA MAIS: Em nota, juiz que votou a favor da entrada de paraibano na Ufac justifica decisão

Na carta, Maria Júlia rebateu a fala do juiz.

“Com todos esses argumentos, imagine a frustração que é ler em nota que o magistrado reconhece tudo isso. Que sabe da desigualdade educacional do estado do Acre em relação ao restante do país. Que está ciente de que no raio de 600km (de Rio Branco a Cruzeiro do Sul, e de Rio Branco a Porto Velho/RO) há apenas uma universidade pública e uma privada com o curso de medicina. Que sabe que por anos a Ufac foi uma “faculdade de passagem”. Que sabe que antes da instituição dessa política, só se formava médico no estado quem tivesse condições financeiras para tal. E que mesmo ciente de tudo isso, sentenciou fulminar a política de bônus”. 

Ao final da nota, a estudante manifestou a decisão e pediu a derrubada da liminar impetrada pelo jovem paraibano.

“Que possamos, unidos, assistir a queda dessa sentença e ver a universidade do nosso estado finalmente formar médicos que aqui fiquem e com a realidade daqui se preocupem’’, finalizou.

Veja a carta aberta na íntegra:

Carta aberta de uma estudante

No último dia 7, uma decisão tomada na 3º Vara Federal do Acre interferiu no destino de todos os estudantes acreanos. 

Minto, tal decisão interferiu no destino dos estudantes de MEDICINA, apenas. Aliás, minto novamente, quem já está dentro de uma universidade não precisa se preocupar.

Tal decisão interferiu no destino de candidatos ao curso de medicina, apenas, porque a sentença é bem específica em relação ao curso. Na verdade, também não, se você tem 13 mil reais para pagar a mensalidade de uma universidade privada, essa decisão não o afeta. 

No último dia 7, uma decisão tomada na 3º Vara Federal do Acre interferiu no destino de todos os estudantes acreanos que objetivam cursar medicina na Universidade Federal do Acre e concretizar o sonho do ensino superior. Agora sim.

A sentença gerou interpretação controversa e comentários divergentes nas redes sociais. Para alguns, incluindo a Ufac, o ditame previa excluir o bônus exclusivamente para o candidato em questão. Para outros, como os canais de veiculação de notícias, era o fim da bonificação de 15% no estado do Acre. Ambos os sentidos, extremamente injustos.

Partamos do princípio, o candidato impetrante inicia o seu processo desrespeitando às regras editalícias e utilizando de falsidade para posterior discussão judicial. 

Como pode, questiono, um candidato que só consegue figurar entre os convocados usando de uma bonificação, que não tem direito, tentar excluí-la em todo o território estadual? 

Explico: NENHUMA universidade pública do país que adere ao SISU tem nota de corte abaixo de 770. Avalie 750, que é a nota crua do candidato. 

Ao ser excluído o bônus regional do cálculo da nota de nós acreanos, o candidato em questão e qualquer outro da lista de chamada regular ESTÃO FORA.

Entenda a gravidade dessa observação: nem o PRIMEIRO LUGAR da lista de chamada de medicina da Ufac, a nota mais alta que aplicou para essa universidade, nem este candidato, sem a bonificação de 15% consegue competir para curso de medicina em outra universidade que adere ao SISU. 

O primeiro lugar daqui não entra nem como último em outros estados. 

Não entraria nem na Ufac de 2017, ano anterior à instituição do bônus regional. Nesse ano, a nota de corte foi de 775,98.

Com tudo isso, a petição do candidato, que foi o sétimo, insiste em insinuar que sem o bônus ele entraria com folga? Sério isso? 

Certamente, o autor dessa tese não tem entendimento de como funciona o processo seletivo do Ministério da Educação, o Sisu.

E é um prazer explicar: em um prazo específico, estudantes de todo o país que prestaram o ENEM tem acesso a um site onde podem aplicar suas notas para um mar de cursos e universidades. 

É no momento dessa aplicação que escolhem a modalidade em que desejam concorrer: cota racial, socioeconômica, ampla concorrência, bônus regional, entre outras opções.

Ao final deste processo seletivo saem as listas de chamada e as universidades iniciam o processo de matrículas, nesse processo, os candidatos devem apresentar documentação comprobatória da modalidade em que se inscreveram e, caso não atendam aos critérios, são indeferidos.

Não foi o caso desse candidato, que antes de ter sua matrícula indeferida foi assegurado judicialmente.

Mas uma coisa não consigo entender. Se o objetivo era questionar a legalidade do processo, por que não o fez aplicando a sua nota verdadeira, sem bônus, para depois propor a discussão? Por que agiu falsamente, insinuando atender a critérios que não atende? E mais, por que veio questionar a legalidade do bônus logo no Acre? 

Por que não o fez em Manaus, onde a nota de corte foi de 911,64? Por que não o fez em Alagoas, em que foi 798,35, menor até que a nota de corte da Ufac? Por que não o fez na própria cidade, Campina Grande, em que a nota mínima foi 794,96?

Todas essas cidades aderem o bônus regional na nota. Nessas não é ilegal? O bônus só é ilegal aqui onde compito? Só é ilegal onde a nota de tal candidato foi competitiva? Por que a advogada em questão não questionou o bônus na UFCG, universidade federal da cidade em que o impetrante reside? O bônus das federais do nordeste são mais legítimos?

Agora que já é sabido de todo o processo, posso tornar pública a minha indignação e meu sentimento de injustiça.

A priori, me apresento: me chamo Maria Júlia e esse foi o meu primeiro SISU. 

Conclui o ensino médio como bolsista em uma escola privada de Rio Branco no ano passado e ver o meu nome tão próximo na lista de espera me fez suspirar aliviada. 

Mas não falo só por mim. 

Nessa carta, externo a frustração da Evellyn e da Vanessa, que começaram a estudar para Medicina antes mesmo que existisse a bonificação de 15%. Estudantes que só persistiram nessa batalha por 6 anos porque viram, com a implantação do bônus regional, estudantes acreanos efetivamente entrando no curso de medicina, que viram com seus próprios olhos a realidade da Ufac antes de 2018 (ano em que foi implantado o bônus), época em que a quantidade de acreanos chamados na ampla era de, com sorte, 2 ou 3. Se a bonificação for cancelada, será a 7º tentativa delas.

Se eu, que estou vivenciando todos esses sentimentos pela primeira vez já me vejo sem rumo. Se continuo trabalhando, se volto a estudar, se confio, se não confio… 

Avalie quem jogou a regra do jogo por anos a fio e está vendo essa regra ser alterada a força exatamente no ano em que atingiram nota suficiente para passar.

Sobre regra do jogo, tenho mais a questionar. Não em termos jurídicos, porque não tenho conhecimento para tanto, mas do ponto de vista de uma candidata.

Se o bônus é ilegal, e está previsto no edital, assim o edital em que me inscrevi é também ilegal? Não existe no direito instrumento que me assegure a concorrer sob as regras que me inscrevi? E mais, qual é o sentido de excluir uma regra prevista em edital de um processo que já está em andamento? 

E por que só no Acre? Isso quer dizer que estudantes do país inteiro competirão aqui em ampla e livre concorrência, mas que se eu, acreana, quiser competir em qualquer das 23 universidades que aderem ao bônus regional, não poderei?

Se o bônus é ilegal, não o é para todos? E de todos os cursos? Por que apenas para o curso de medicina? E apenas na UFAC? 

Se as regras são inconstitucionais, o processo seletivo também não deveria ser?

Outra dúvida: como já esclarecido, esse processo seletivo não abrange apenas a Ufac. Ao optarem por esse curso e essa universidade, cada estudante excluiu várias possibilidades para o seu futuro. Muitos poderiam até ter outra opção, mas baseado na sua posição e na expectativa de poder cursar medicina, continuaram na lista de espera da Ufac. 

Agora, se excluído o bônus, não podem mais aplicar para outro curso, nem para outra universidade, já que o processo seletivo foi cessado. De nada valem os planos que esses estudantes fizeram?

O esperado pelo judiciário é que apenas sigamos nossas vidas? E aquele estudante que passaria para direito, mas optou por ficar na lista de espera, e agora não terá nem um nem outro? Quanto às estudantes que sonham com medicina há anos e anos, resta lidar com o fato de que já estamos no final de abril e elas já perderam 4 meses de estudo? Resta-nos estudar com o psicológico abalado enquanto aguardamos o tempo da justiça? 

Aparentemente, sim. 

E mais, ainda que a política de bônus não caia por completo, é justo que esse candidato tenha sua vaga assegurada e deixe um acreano de fora? Que abra esse precedente para outros? 

Com todos esses argumentos, imagine a frustração que é ler em nota que o magistrado reconhece tudo isso. Que sabe da desigualdade educacional do estado do Acre em relação ao restante do país. Que está ciente de que no raio de 600km (de Rio Branco a Cruzeiro do Sul, e de Rio Branco a Porto Velho/RO) há apenas uma universidade pública e uma privada com o curso de medicina. Que sabe que por anos a Ufac foi uma “faculdade de passagem”. Que sabe que antes da instituição dessa política, só se formava médico no estado quem tivesse condições financeiras para tal. E que mesmo ciente de tudo isso, sentenciou fulminar a política de bônus. 

Talvez a revolta e indignação nas redes não seja uma estratégia caça-likes, mas sim o verdadeiro e legítimo sentimento de um estado sem recursos, sem educação de qualidade e sem oportunidades que assiste de longe a possibilidade de um direito assegurado escapar de suas mãos.

E expecta, assim, retornar a uma época injusta de sua história.

Que possamos, unidos, assistir a queda dessa sentença e ver a universidade do nosso estado finalmente formar médicos que aqui fiquem e com a realidade daqui se preocupem. 

Maria Júlia Bonelli Pedralino

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