Propriedades embargadas pelo Ibama passam de 1 mil no Acre, diz relatório

A “célebre” frase do ex-ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, do governo Jair Bolsonaro, que declarou que era hora de aproveitar que os olhos da imprensa estavam voltados para o coronavírus em 2020, para “ir passando a boiada e mudando o regramento”, parece ter encontrado adeptos no Acre e na Amazônia. 

De acordo com um relatório, de 241 páginas, do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) no Acre, o cenário no Estado é chocante em razão das várias propriedades embargadas, tendo em vista o desmatamento ilegal . A situação foi revelada pelo jornalista Altino Machado, referência na Amazônia, em um texto divulgado nas redes sociais intitulado “Crimes ambientais”. 

Capital acreana registra mais de 200 áreas embargadas

Segundo o relatório, apenas em Rio Branco, 229 áreas foram embargadas, sendo a autuação já confirmada em 144 propriedades. Outras 137 áreas estariam comprovadamente em situação regular e ficaram fora das medidas. Em Acrelândia e Brasiléia, são mais de 400 propriedades na lista do Ibama. 

Para se ter uma ideia, apenas o pecuarista Ariosvaldo de Freitas, dono da fazenda Sororoca, no Km 90 da BR-317, na divisa de Boca do Acre (AM) e Rio Branco (AC), desmatou irregularmente 515 hectares. Na mesma região, a propriedade de Geraldo Herculano desmatou outros 456 hectares. Os dados foram retirados do relatório do Ibama. 

A ação de embargo do Ibama no Acre se soma a outras operações que vem acontecendo no Sul do Amazonas e em Rondônia e constatam, após um momento de  descontrole sobre o uso do território, que fez explodir a grilagem e outros crimes vinculados à expansão desenfreada da agropecuária, especialmente em uma região da floresta, onde os estados do  Amazonas, Acre e Rondônia se encontram. Essa região, batizada de Amacro (união das siglas iniciais dos três estados AM, AC, RO), recebeu apoio oficial do governo Bolsonaro e se tornou, segundo especialistas, um novo epicentro da destruição ambiental.

Desmatamento bate recorde em fevereiro: 62% em relação ao ano passado

Somado a isso, o número de alertas de desmatamento na Amazônia bateu recorde em fevereiro. Os dados consolidados para o mês, atualizados na plataforma do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), mostram que foram gerados alertas para 321,97 km², um crescimento de 62% em relação ao mesmo período de 2022, quando os alertas indicaram desmatamento em 198,67 km². A área sob alerta em fevereiro de 2023 é maior do que a capital cearense, Fortaleza, e a pior de toda a série histórica do INPE, que teve início em 2016.

O recorde vem depois de uma baixa expressiva registrada em janeiro, quando foram emitidos alertas para 166,5 km², número 61% menor do que em janeiro de 2022. A queda no primeiro mês do governo Lula foi comemorada, mas especialistas alertaram que ela ainda não representava uma tendência, já que o período registrou muita cobertura de nuvens.

Os números, segundo especialistas, reforçam que a situação é grave, dando embasamento para o embargo. Com esses dados, não embargar é prevaricar, reforçam especialistas.

Os pecuaristas devem apresentar as provas para demonstrarem a inocência perante acusação de desmate ilegal, caso decidam pelo descumprimento total ou parcial do embargo, o Ibama deve utilizar do mecanismos de aplicação cumulativa das penalidades de suspensão da atividade que originou a infração e da venda de produtos ou subprodutos criados ou produzidos na área objeto do embargo infringido; e cancelamento de registros, licenças ou autorizações de funcionamento da atividade econômica junto aos órgãos ambientais e de fiscalização. Além disso, ainda poderá ser multado em quantia que variará entre R$ 10 mil  a R$ 1 milhão.  

Empresários consideram “desproporcional e irrazoável” embargos florestais no Acre

O embargou pegou o setor de base florestal do Acre, que é o principal ator da balança comercial do estado, de surpresa. Já que o setor foi alvo de um inesperado bloqueio de pátios de cerca de 95% das empresas que atuam no segmento, o que resulta em paralisação de toda a cadeia produtiva do estado e vem causando prejuízos incalculáveis a diferentes setores como o cerâmico, construção civil, frigoríficos, panificação e outros.    

Na última semana, a Federação das Indústrias do Estado do Acre (FIEAC) e o Sindicato das Indústrias de Serrarias, Carpintarias, Tanoarias, Madeiras Compensadas e Laminados, Aglomerados e Chapas de Madeiras do Estado (Sindusmad/AC) questionaram a razão pela qual o bloqueio administrativo junto ao Sistema do Documento de Origem Florestal (DOF) ocorreu,  já que não houve qualquer tipo de procedimento ou fiscalização prévia, havendo, inclusive, ausência de informações quanto à motivação do ato.  

“Somos favoráveis a qualquer tipo de fiscalização, no entanto, essas operações devem ocorrer com clareza e não de forma desproporcional e irrazoável. Está havendo uma punição antes de haver a devida averiguação, desobedecendo os princípios do contraditório e da ampla defesa. Seria esse o modo correto a ser aplicado a um setor de tamanho impacto social e econômico no Acre?”, indaga o presidente da FIEAC, José Adriano.  

O empresário argumenta que é necessário o desbloqueio imediato das restrições impostas às empresas, caso contrário, os impactos sociais e econômicos para o estado serão devastadores. “Não bastasse o momento caótico que o Acre enfrenta devido à maior enchente dos últimos anos, essa paralisação de grande parte do nosso setor produtivo acarretará em demissões em massa e fechamento de grandes empresas que impactam fortemente na economia local”, frisou.   

Para o presidente do Sindusmad, Thyago Barlatti, o mínimo que os empresários esperam é que os bloqueios sejam esclarecidos. “Fomos realmente surpreendidos até porque é de conhecimento de todos, a forma transparente e legal, que o nosso setor vem trabalhando com respeito e proteção ao meio ambiente, inclusive, isso é reconhecido mundialmente. Precisamos de respostas urgentemente, pois um segmento tão importante para o estado não pode ficar com suas atividades suspensas sem que haja uma explicação clara por parte dos órgãos de fiscalização”, assinalou Barlatti, acrescentando que até as doações de madeiras que as empresas estavam destinando para auxílio às famílias atingidas pelas enchentes não puderam mais ser feitas.

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