Suicídio, cobrança e estresse: escritor conta a vida dos padres no Brasil

“Têm casos que são suicídio e não são divulgados como suicídio. Tenta-se esconder essa realidade, mas ela existe.” A afirmação é do padre José Carlos Pereira, ordenado há 26 anos e responsável pelo livro Operários da Fé – O Padre na Sociedade Brasileira. Na obra, ele faz o que chama de “um raio-x do perfil” dos sacerdotes do país e destaca pontos sobre saúde mental e física, cobranças da comunidade, relações afetivo-sexuais e política.

De acordo com Pereira, os padres no país estão sobrecarregados com o trabalho e costumam sofrer com o estresse. Mas não apenas isso, nas quase 2 mil entrevistas que fez, ele encontrou muitos casos de depressão e outros distúrbios ligados à saúde mental. A combinação leva a algo que não se espera de pessoas religiosas e é considerado o pecado mais grave pela Igreja Católica: o suicídio.

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“É algo ainda tabu dentro da Igreja. Não se espera que um padre cometa suicídio por causa da sua convivência, espiritualidade e equilíbrio. Mas essa não é a realidade. Nos últimos anos, tivemos diversos padres que cometeram suicídios, padres relativamente jovens até. E esse é um fato que existe na sociedade e também dentro da Igreja, mas não é tratado como deveria”, avalia o autor.

Ele ressalta ainda que a instituição começou a se preocupar com o assunto há um tempo e começou a dar mais atenção aos sacerdotes. Existe um cuidado com aqueles que manifestam sintomas de depressão, por exemplo, para que sejam acompanhados.

Foto: Divulgaçãohome de camisa vermelha de manga curta e oculos de sol com cidade ao fundo - metrópoles
José Carlos Pereira é ordenado há 26 anos

“A comunidade não deveria cobrar tanto do padre”

José Carlos Pereira acredita que um dos gatilhos emocionais que desencadeiam estresse e depressão nos sacerdotes é o excesso de trabalho. “Eles são chamados de madrugada para ir ao hospital atender doentes, dar extrema unção, unção dos enfermos, são cobrados para visitar as casas dos doentes. E não existe a compreensão de que ele também tem limites”, observa.

Ele acredita ainda que, embora existam pessoas que acolhem essas figuras religiosas, seria melhor se existisse menos exigência. Mas não é apenas isso. A exaustão dos padres também está ligada à má distribuição dos religiosos pelo Brasil, tendo regiões com muitos deles e outras com poucos.

“90% dos padres que deixaram a batina encontraram uma pessoa”

A Igreja Católica tem perdido vocações até mesmo após a ordenação. Embora a pesquisa feita pelo padre José Carlos Pereira revele que os padres são bem resolvidos com as questões de celibato — não poder se casar — e castidade — não poder transar —, ela também mostra que muitos deles desistem do ministério.

“A grande maioria encontrou uma pessoa e se encantou por ela. Diria que 90% dos padres que deixaram a batina, a vida sacerdotal, é porque encontraram uma pessoa que ia preencher sua vida de forma que ele não sentia preenchida enquanto padre”, explica o pesquisador.

Ele ressalta ainda que a Igreja discute há alguns anos a possibilidade dos sacerdotes se casarem, mas que isso não deve ser liberado. O padre explica que o Papa Francisco não chegou a acenar sobre essa questão e que é consenso na instituição que isso não ocorra.

Além disso, ele ressalta ainda que a Igreja ainda discrimina muito os homens homossexuais. Contudo, eles também podem servir como padres. “A partir do momento que a pessoa quer ser padre e tem uma tendência homossexual, e quer permanecer na igreja, ela deve se enquadrar dentro das mesmas condições de um heterossexual, de viver o celibato e a castidade. Isso é muito claro e trabalhado desde o início.”

“Oficialmente o padre é averso à política”

Na eleição de 2022, uma das figuras que chamou atenção foi o Padre Kelmon, candidato à presidência da República pelo PTB. Desligado da Igreja Ortodoxa do Peru no Brasil em dezembro, ele foi ponto central de polêmicas e nem é considerado sacerdote por muitas pessoas. “Era uma farsa que apareceu usando o nome de padre, mas não pertencia ao quadro do clero do Brasil. Era uma figura que não tinha nada a ver com a Igreja”, reforça Pereira.

O exemplo de Kelmon é um dos muitos dos religiosos que escolhem se enveredar pelos caminhos da política no país. Enquanto alguns escolhem deixar a batina por um tempo e seguir caminhos políticos como vereadores, prefeitos e deputados, outros apenas assumem o papel de influenciadores políticos no que deveriam ser apenas altares cristãos.

“A pesquisa mostrou que os padres não têm envolvimento na política partidária, mas, na prática, você vê o contrário. Muitos padres optam por um lado e acabam direcionando seu discurso e influenciando pessoas. Ainda hoje a voz do padre no púlpito tem um poder muito grande. Oficialmente o padre é averso à política, mas no dia a dia a gente vê que existe uma prática política inerente ao discurso, na maneira de proceder com a comunidade.”

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