O Fantástico teve acesso com exclusividade a um vídeo do sargento Claudio Henrique Frare Gouveia, 53 anos, logo após ele matar dois colegas de farda dentro do batalhão de Salto, no interior Paulista.
Apontado como uma pessoa tranquila, Gouveia atirou com um fuzil contra o sargento Roberto da Silva e o capitão Josias Justi no dia 15 de maio. Ele se entregou em seguida.
Como foi o crime
-no turno da manhã, o sargento Gouveia diz a outros PMS que haveria um treinamento externo e pede para que deixem a companhia;
-logo após, ele tranca a porta;
-armado com um fuzil, vai para sala onde estão o capitão e o sargento e dispara nove vezes;
-Gouveia se entrega em seguida, sem nenhuma resistência;
Nas imagens obtidas pelo Fantástico, é possível ver o policial logo após os disparos. Já algemado, ele diz que era perseguido pelo capitão Justi.
“Não aguento mais. Não estou dormindo. Meu casamento acabou”, diz Claudio Henrique Gouveia.
Quinze testemunhas prestaram depoimento e ao menos quatro afirmaram que o sargento vinha reclamando das escalas de trabalho dele e da esposa, que também é PM na mesma companhia, e que isso estaria prejudicando muito a rotina familiar.
“Ele não devia ter destruído a minha vida, ele destruiu a minha vida. Então é isso aí, elas por elas. Esse é o motivo pelo qual aconteceu. Porque em nenhum momento ele voltou atrás e ninguém transferiu esse cara daqui. Então, eu não tenho o que fazer. Acabou. Se alguém quiser ouvir é isso aí, esse é o depoimento, tá bom? Muito obrigado”, falou o policial logo após o ocorrido.
Saúde mental em jogo
Até matar os colegas, o sargento Gouveia era conhecido por outro tipo de comportamento e se destacou na internet pelo jeito gentil de fazer as abordagens. Na folga, aproveitava para jogar hóquei com a família e era instrutor de patinação.
Para tentar entender o que levaria um pai de seis filhos, conhecido por ser controlado nas abordagens e sem nenhum histórico de violência, a matar à queima roupa dois colegas de trabalho, o Fantástico conversou com a psicóloga Juliana Martins, coordernadora do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
“É muito comum que as organizações policiais individualizarem o problema, tratando a questão como algo do indivíduo, de que ele teve um problema pontual, como um acesso de raiva ou um desvio”, explica.
Segundo ela, a abordagem sobre saúde mental precisa mudar na corporação e alguns pontos precisam ser desmistificados, para que o profissional não seja perseguido por causa de um diagnóstico.
“Não dá pra gente falar de cuidado sem falar da valorização desses profissionais. Não adianta você pagar um mau salário, ter escalas de trabalho abusivas e ter um psicólogo para atender”, diz Juliana.
O que diz a corporação
Procurada, a Polícia Militar de São Paulo não quis comentar o crime. Mas números da própria corporação apontam que existem 80 mil PMs na ativa e são concedidos, em média, quatro afastamentos por dia por questões psiquiátricas. Entre 2019 e abril de 2023, foram 5,6 mil licenças.
Adriana Nunes Nogueira, tenente-coronel e psicóloga-chefe do Centro de Atenção Psicossocial da PM paulista disse que o sistema acolhe menos de 1% da instituição.
“Não é porque não temos estrutura para isso, mas é que temos outros fatores de proteção, como a inspeção anual de saúde, onde ele se submete à uma avaliação médica, e essa avaliação permite que ele possa identificar alguns fatores que ele precisa cuidar. Ele pode procurar um psicólogo civil ou militar. Medidas estão sendo adotadas para a gente ampliar a prestação de serviços”, disse.
Procuradas pela reportagem, as famílias das duas vítimas do crime em Salto não quiseram falar. Parentes do capitão Justi, no entanto, enviaram uma nota afirmando que ele foi vítima de uma “barbárie” e que estão em estado de “profunda tristeza”. Também disseram que não permitirão que falácias infundadas manchem seu legado e honra.