Isto acontece diariamente, desde as primeiras horas do dia até o adormecer. Algumas vezes sequer adormecemos, porque há mais casos a serem julgados, vários criminosos a serem crucificados.
Nossa cabeça é um verdadeiro tribunal. Processamos, julgamos e condenamos várias pessoas, diariamente.
E sempre vencemos.
O outro é sempre culpado e condenado,às vezes, até à pena de morte. Não sem antes ser torturado.
Manipulamos as provas.
No mínimo, invertemos o ônus da prova ou senão adulteramos. As provas sempre militam a nosso favor, nunca a favor do outro, por mais que sua razão seja incontestável.
Enquanto presidimos o julgamento a adrenalina sobre e a pressão arterial se altera. A tal ponto que nos cegamos, sem saber onde estamos, se numa sala, na cama, no automóvel ou no trabalho.
Sempre temos razão. Nossa memória é seletiva. Esquecemos o que dissemos e o que fizemos de errado, ou, de forma precipitada. Atribuímos tudo o que fizemos de ruim ao réu, sem direito a defensor.
Vasculhamos até os mais abscônditos escaninhos de nossa mente e as profundezas mais abissais de nossas memórias, para robustecer nosso escopo probatório e condenar o próximo que queda algemado, de pé, de cabeça baixa .
Na medida que liberamos a noradrenalina, traídos pelas nossos pífios argumentos e provas, nossos batimentos cardíacos aumentam e nossa alma sai do corpo.
Somos um vitorioso zumbi.
O martelo foi batido e continuamos presos em nós mesmos. Os réus permanecem na cela de nossa mente. Todos condenados insistem em permanecer. Não conseguimos nos libertar.
Alguma coisa saiu errado no processo de nosso tribunal.
Vem a correição. Está tudo certo. Não há falhas.
Negamos o direito do outro ao contraditório, alegações finais e recursos. Mas está tudo conforme, nas nossas regras.
Tentamos tirar a beca de nossa soberba e a venta de nossos olhos já cegos, mas se confundem com nossos tecidos. Somos nós mesmos. Não há o que despir.
E assim, presos em nossa miséria espiritual, com o manto da falsa humildade, pousamos de justos e honestos, no teatro da vida.
Enfim, fomos condenados à infelicidade e à depressão pelos réus que julgamos. Ainda cabe o habeas corpus do rivotril. Data vênia.
Gilson Pescador
Advogado e Teólogo