O ano era 2009 e a bióloga Deise Nishimura tinha o emprego dos sonhos. Depois de meses trabalhando em outras áreas na Inglaterra, onde se formou, passou em uma seleção para ser estagiária no Projeto Boto, na reserva Mamirauá, em plena Amazônia. Ela foi morar em uma casa flutuante, onde ficou por nove meses —até ser atacada por um jacaré-açu. O ataque ocorreu em 30 de dezembro, em mais um dia comum de trabalho. Deise ficou na casa enquanto sua companheira de estágio, a espanhola Glória, saiu para analisar botos. Ela preparava o almoço no deque da casa, limpando o peixe que serviria de alimento para ambas e jogando os restos no rio.
Foi então que apareceu Doroteia. O jacaré já era conhecido dos membros do projeto: ele morava entre o chão da casa e os troncos que a faziam flutuar. “Era lá que a Doroteia subia e dormia, era o ninho dela. Quando ela subia, a gente sentia a casa mexer”, contou Deise em entrevista ao podcast Rádio Novelo Apresenta.
O jacaré-açu é o maior de todos os jacarés: ele pode chegar a ter seis metros de comprimento e 300 kg. Em média, eles vivem 80 anos.
A época era de seca. Com menos alimento disponível, todos os animais da região ficam mais estressados e agressivos. Deise acredita que Doroteia estava atrás do peixe para o almoço —mas errou o cálculo.
Ela pulou mais de um metro, da água até o chão da casa. Eu entendo que ela estava atrás do peixe, mas a primeira coisa que ela encontrou foi a minha perna. Ela abocanhou a minha perna e, com o peso dela, me puxou para dentro d’água.
Já dentro do rio, Doroteia começou a fazer o que jacarés fazem quando encontram uma presa. “Eles fecham a boca, travam a mandíbula e começam a girar embaixo d’água para conseguir arrancar o pedaço”, relatou Deise ao podcast.
Como Deise escapou
Em meio ao ataque, a bióloga se lembrou de um documentário que assistiu no Discovery Channel. O programa dizia que, se atacada por um tubarão, a vítima tem que dar um soco no nariz do animal, que é a sua parte mais sensível, para conseguir se desvencilhar.
Deise, então, pegou na cabeça do jacaré e sentiu um buraco —ela não sabe se era o nariz ou um dos olhos. “Só sei que eu coloquei meus dedos, meu indicador e meu polegar, dentro desse buraco. Apertei com toda, toda força”, disse.
Doroteia soltou a bióloga, mas a perna ficou com o animal. Com muito esforço, Deise conseguiu sair da água e gritar por socorro. Um pescador que passava pela região ouviu o apelo, foi até a casa e chamou a ajuda pelo rádio.
Ele [o pescador] me viu no chão, já sem a perna. Depois, ele me disse que quase desmaiou, mas viu que eu estava viva [e se controlou]. Ele não conseguia nem falar no rádio. Eu estava bem consciente. Eu lembro de estar em choque, mas até falei ‘olha, tem feijão no fogão, não esquece de desligar’.
Perna foi encontrada –e enterrada
A bióloga foi levada a um hospital no município de Tefé, onde foi atendida por um médico colombiano. O profissional tinha experiência com amputações, e Deise foi submetida a uma primeira cirurgia. Enquanto isso, ribeirinhos foram em busca da perna arrancada, na esperança de que ela pudesse ser reimplantada.
Eles mataram sete jacarés que estavam perto da minha casa. Acharam a minha perna, e aí a gente ficou sabendo que tinha sido a Doroteia que tinha me atacado –e que, na verdade, ela era um macho. Até a tornozeleira que eu usava estava na boca dela, estava tudo intacto.
A perna foi levada em uma bolsa de gelo ao hospital, mas já não havia nada a ser feito —a chance de infecção era muito alta.
Depois eu fiquei sabendo que, quando você perde uma parte do seu corpo, tem que assinar como se fosse um certificado de óbito [daquela parte]. Depois de muito tempo eu tive que assinar esse documento. (…) A minha perna ficou em um freezer do Instituto até conseguirem essa documentação. Depois, fizeram uma cerimônia para enterrá-la.