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Aspartame é considerado possivelmente cancerígeno pela OMS; saiba o que muda

Por O Globo

Adoçante aspartame foi considerado substância possivelmente cancerígena pela OMS - Celso Pupo/Adobe Stock

Muitos refrigerantes zero açúcar são adoçados com aspartame.

Muitos refrigerantes zero açúcar são adoçados com aspartame. Pexels

Após análise das evidências disponíveis, a Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer (IARC, da sigla em inglês), braço da Organização Mundial da Saúde (OMS), decidiu incluir oficialmente o aspartame no grupo 2B referente às substâncias consideradas “possivelmente cancerígenas”. O adoçante artificial é um dos mais utilizados para substituir o açúcar dentro de casa e em produtos “zero”, como refrigerantes e sucos.

Ainda assim, na avaliação de risco, que estabelece o real perigo para o consumidor, o Comitê Conjunto de Especialistas em Aditivos Alimentares da OMS e da Organização para Agricultura e Alimentação (JECFA, da sigla em inglês) decidiu que os estudos atuais não são suficientes para alterar o limite de consumo diário considerado seguro, de 40 mg por kg de peso corporal.

As duas análises, embora feitas de forma colaborativa no caso do aspartame, são independentes. A do IARC apenas identifica as propriedades específicas de um agente e analisa se ele tem ou não potencial para causar um câncer, independentemente da dose, explicou a diretora interina do programa de Monografias da IARC, responsável pelas classificações, Mary Schubauer-Berigan, em coletiva de imprensa.

— (Em relação ao aspartame), isso (foi observado) especificamente para o carcinoma hepatocelular, que é um tipo de câncer de fígado. A evidência, limitada, vem de três estudos compreendendo quatro grandes coortes conduzidos nos Estados Unidos e em 10 países europeus — disse a especialista.

Os três foram trabalhos epidemiológicos, que observaram a incidência do tumor em uma determinada população durante um tempo, comparando-a com o uso do aspartame por meio de bebidas adocicadas. Os resultados indicaram uma possível relação. Um resumo sobre a decisão foi publicado na revista científica Lancet Oncology, e a avaliação completa será divulgada pela agência com a atualização da lista nos próximos meses.

Essa análise não é uma demanda nova da IARC, mas tornou-se prioridade máxima da agência desde 2016, quando o primeiro trabalho relacionado ao câncer de fígado foi publicado. Porém, ela destaca que os estudos têm deficiências, e que a inclusão como um item possivelmente cancerígeno é um pedido por mais, e melhores, pesquisas sobre o tema.

— É realmente mais um apelo à comunidade científica para tentar esclarecer e entender melhor o risco carcinogênico, que pode, ou não, ser representado pelo consumo de aspartame. Esperamos que a comunidade comece a analisar esses resultados e a entender se há pesquisas adicionais que possam ser realizadas para ajudar a encontrar as respostas para essas perguntas — continuou.

Em relação aos mecanismos que podem estar por trás do potencial cancerígeno observado, Federica Madia, toxicologista sênior da IARC, disse que estudos com animais e experimentos em laboratórios sugerem um possível aumento dos níveis de insulina, um estado de inflamação crônica e de estresse oxidativo consequentes do aspartame.

— Ainda assim, alguns dos estudos têm limitações. E certamente os examinaremos com mais detalhes no futuro, esperando que as pesquisas cheguem até elas (as limitações) — afirmou.

Após essas análises, o aspartame foi incluído no grupo 2B da classificação da IARC, o mais baixo de três que indicam relação com câncer. Nele, por exemplo, há mais de 300 itens, como o extrato de folha inteira de Aloe vera, clorofórmio, gasolina e a exposição ocupacional de trabalhadores de lavagem a seco e de processos de impressão.

No grupo acima, o 2A, estão as substâncias “provavelmente cancerígenas”, ou seja, que contam com mais evidências sobre a chance de gerarem um tumor. Nele, estão a carne vermelha e bebidas muito quentes acima de 65 °C, além de cerca de mais 90 itens. Já no grupo 1, dos que são comprovadamente “cancerígenos”, estão itens como álcool e cigarros, além de outros 120 agentes.

Classificação de agentes em relação ao potencial de causar câncer segundo a OMS; aspartame foi considerado ‘possivelmente cancerígeno’. — Foto: Arte O GLOBO

 

O que muda na prática com a decisão da OMS sobre o aspartame?

Schubauer-Berigan esclareceu que, na prática, os achados da IARC devem ser interpretados por meio da avaliação do JECFA sobre o tema. O Comitê é o responsável por identificar o risco real associado à substância dentro dos níveis observados no consumo do cotidiano.

— A principal conclusão do painel foi que não há evidências convincentes de dados experimentais ou humanos que o aspartame tenha efeitos adversos após a ingestão dentro dos limites estabelecidos pela comissão anteriormente, de até 40 mg por kg do peso corporal. Então, basicamente, o comitê reafirmou o nível aceitável de ingestão diária — disse o diretor do Departamento de Nutrição e Segurança Alimentar da OMS, Francesco Branca, também na coletiva.

Ele cita que esse limite, definido ainda em 1981, é bem alto. Como exemplo, diz que, para uma pessoa de 70 kg, o consumo seguro seria de até 2.800 mg por dia. Para comparação, uma lata de refrigerante zero de 350ml tem, em média, 42 mg. Por isso, não há também qualquer recomendação referente à indústria alimentícia.

— É uma quantidade bastante grande (o limite). Então, definitivamente, a OMS não está recomendando que os fabricantes, ou as autoridades, retirem produtos do mercado (…) Nem estamos aconselhando os consumidores a pararem de consumir completamente. Estamos apenas aconselhando um pouco de moderação — afirmou Branca.

Em nota divulgada anteriormente, quando a avaliação do aspartame começou a repercutir, a Associação Brasileira da Indústria de Alimentos para Fins Especiais e Congêneres (ABIAD) já havia dito que a IARC sozinha “não possui atribuição como órgão regulador de segurança alimentar” e que, por isso, aguardava a revisão do JECFA.

Com a nova revisão, porém, o diretor do Comitê disse ainda que, além de não existir recomendação para a retirada de produtos, também não há orientação para a substituição do aspartame por outros adoçantes artificiais.

— Existe uma ingestão diária aceitável, não se trata realmente de procurar novas alternativas para o momento. É sobre mudar a formulação dos produtos e a escolha dos ingredientes, para que você tenha produtos ainda saborosos sem a necessidade de usar adoçantes — sugeriu Branca.

Para o consumidor comum, portanto, que não chega perto do limite considerado seguro, o diretor reforçou que não há motivo para se preocupar com a possibilidade de desenvolver um câncer:

— A menos que tenhamos dados mais sólidos para recomendar uma redução da ingestão diária aceitável, estamos confiantes de que o nível ocasional de exposição é seguro ou não está produzindo um risco de saúde apreciável. O problema é para quem faz um alto consumo.

Opções mais saudáveis

O alerta das autoridades de saúde pode levar muitas pessoas a optarem por utilizar outros adoçantes artificiais no dia a dia no lugar do aspartame. Porém, as outras opções não são todas iguais, e há alternativas melhores, diz o cardiologista e nutrólogo Daniel Magnoni, presidente do Instituto de Metabolismo e Nutrição (IMeN), em São Paulo.

— Existem diferenças, há adoçantes artificiais produzidos pela indústria química e outros derivados da cana-de-açúcar, que são melhores pois há menos trabalhos científicos mostrando malefícios em relação a eles. Os químicos têm mais estudos relacionando com câncer, por exemplo, como é o caso do aspartame — diz.

Logo, o ideal é optar pelos de origem natural – o xilitol, o eritritol e a stevia – no lugar de alternativas como aspartame, sacarina, sucralose, ciclamato de sódio e acessulfame de potássio.

No entanto, ele reforça que o ideal mesmo seria consumir o alimento com seu sabor natural, sem adição de açúcar ou adoçantes artificiais. Além disso, lembra uma nova diretriz da OMS, que apontou que o uso dos edulcorantes no lugar de açúcar não é eficiente para a perda de peso.

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