Um religioso contemporâneo, Frei Jaime Bettega, pregava que o primeiro idioma ao qual deveria ser aprendido pelo ser humano deveria ser o do silêncio. Segundo o religioso, quanto mais fluente no idioma do silêncio fosse, o ser humano criaria uma maior habilidade que faria a diferença e permitirá a quem o praticasse significativas alegrias.
Errado não estava o religioso. Mas para quem vive da própria voz e de falar, e de falar muito, como é o caso do acreano Arivaldo França Mendes, de 53 anos, morador do Conjunto Esperança, em Rio Branco, desde 1985, os ensinamentos do religioso, embora importantes e merecedores de reflexões, não poderiam, jamais, ser praticados por ele. Afinal, Arivaldo Mendes, nascido em Epítaciolândia, filho da dona de casa Raimunda Bento França e do músico Francisco Bento França, o Chico Bento, ganha um pouco da sobrevivência com a própria voz, e falando muito.
Servidor público municipal, nas horas vagas, nos finais de semana, ele literalmente solta a voz numa calçada – melhor dizendo, num pedaço de calçada de pouco mais de dez metros comprimento por um de largura da rua Cunha Matos, a principal do bairro em que mora, para anunciar produtos dos pequenos comércios da área que o patrocinam. São produtos do açougueiro, da peixaria, do frango assado, das distribuidoras de bebidas, que são anunciados a partir do que ele chama, apesar da exiguidade do espaço, de “caçada da fama”. Se não tornam seus clientes verdadeiramente famosos, pelo menos, entre a comunidade do Esperança e adjacências, ele é famoso e muito requisitado como locutor para “gritar” bingos e outros tipos de eventos em que sejam necessários a voz de um locutor.
Sim, ele é um locutor – embora sem um estúdio e muito menos uma emissora de rádio convencional Mas está muito longe de não ter alcance e ouvintes. Com um microfone daqueles utilizados por apresentadores de programas de rádios e TVs, adaptado à boca de forma a lhe permitir as mãos livres para gesticular para quem passa na já dita “calçada da fama”, onde as pessoas são citadas com efusivos cumprimentos e chamadas pelos seus nomes. As pessoas correspondem aos cumprimentos e até aceitam os convites para entrar nos estabelecimentos que ele anuncia e acabam por comprar alguma coisa, muito vesze mais em função da simpatia do apresentador do que propriamente pela necessidade.
E se engana quem pensa que a audiência de Arivaldo Mendes fica adstrita ao Conjunto Esperança. Sua voz vai muito além da caixa de som instalada na “Calçada da Fama”. “Tudo o que digo aqui é transmitido pela Internete, via redes sociais e o alcance é mu ito grande, ultrapassa fronteiras do bairro, da cidade e até do país”, diz o locutor, satisfeito.
A seguir, trechos de uma entrevista com locutor:
Quando foi que você descobriu que poderia viver ou tirar parte de seu sustento como locutor de rádio e mesmo sem rádio convencional para transmitir suas mensagens?
Arivaldo Mendes – No ano de de1984, eu morava no bairro Bela Vista, e conheci o José Jovino, que era um grande locutor da Rádio Difusora Acreana. Ele era meu vizinho e um certo dia me convidou para fazer estágio de operador de áudio na Difusora Acreana. Eu fui e logo apareceu uma vaga de locutor. O Demóstenes Nascimento (atual repórter da TV-5/Bandeirantes) saiu a técnica de som e foi ser repórter. Então, eu assumi o lugar dele e passei dois anos na Rádio Difusora. Foi quando foi aberta a Rádio Capital e eu fui para lá, onde trabalhei 32 anos. Lá foi onde descobrir a locução e passei a ser . locutor. Meu diretor, de nome Conrado, que também era locutor na época, faltou e pediu que eu o substituísse em seu programa. Eu nunca havia feito programa como locutor. Acho que fiz bem porque, no dia seguinte, ele me disse : – olha, não vou mais fazer o programa, que passa a ser seu. Daí comecei a ser locutor. Passei pela Rádio Capital, depois voltei para a Difusora, 93 FM, 98 FM e fiz locução em portas de lojas como a Gazim, Romera, até vir parar aqui na RuaEuclides da Cunha, onde já estou faz alguns anos.
Como é ser locutor de uma rádio que não vai ao ar convencionalmente?
Arivaldo Mendes – Eu trabalho com o mesmo empenho como estivesse num estúdio. Aqui no bairro, para mim, é muito importante. Aqui, mesmo em pé na calçada, eu me sinto bem, porque interajo com as pessoas e elas fazem parte do meu trabalho, com alegria, descontração e assim as coisas dão certo. Sábado e domingo você pode vir na Peixaria do Esperança e no Verdurão da Carne. Aqui, fico brincando com as pessoas. Quem passa de carro, se buzinar, ganha um alô porque aqui é a calçada da fama, onde os amigos se encontram…
Quantos metros, afinal, tem essa Calçada da Fama?
Arivaldo Mendes – Deve ter no máximo uns 15 metros mais ou menos. Mas aqui as pessoas se reúnem, fazem um churrasquinho, tomam uma cervejinha ali na Distribuidora do Ney e assim o bairro vai mantendo aquilo que eu sempre digo: o Esperança é o Bairro mais feliz da cidade.
E como você descobriu que poderia ser um locutor de rádio sem precisar de uma rádio convencional para fazer a radiofusão?
Arivaldo Mendes – Certa vez fui convidado para fazer uma locução para uma operadora de celular. Gostei do que fiz e desde então passei a fazer locução em porta de lojas e vim parar aqui no meu bairro, entre meus amigos. Com ajuda da Internete e das redes sociais, meu alcance é muito grande, inclusive no exterior, e acho que este é o futuro do rádio e da comunicação.