A espanhola Mon Silva, de 28 anos, tem mestrado em pedagogia, mora em Barcelona e trabalha como orientadora profissional. Há cerca de três anos, ela também adotou uma atividade profissional paralela: é assistente sexual de pessoas com deficiência.
Mon explica que algumas pessoas com deficiência não têm sequer acesso ao próprio corpo, ou seja, têm dificuldade até mesmo para se masturbar, por exemplo. Assistentes como ela são profissionais do sexo especializados nesse público.
A questão tem ganhado alguma visibilidade. As discussões sobre a sexualidade de pessoas com deficiência têm evoluído significativamente nos últimos anos, com foco na promoção da inclusão e no reconhecimento dos direitos sexuais dessas pessoas.
Os ativistas pelos direitos sexuais de pessoas com deficiências na Espanha têm uma organização chamada Asistencia Sexual. Na Austrália, há uma organização parecida, Touching Base, que existe há mais de 20 anos. O objetivo de ambas é ajudar as pessoas com deficiências e os profissionais a se conectarem de uma forma mais segura.
Os ativistas espanhóis tentam chamar a atenção para as questões de direitos sexuais e querem desfazer algumas concepções sobre o tema. Esse é inclusive o tema de um documentário gravado no país, “Yes We Fuck” (“Sim, nos transamos”, em português).
Tema em sala de aula
O trabalho sexual especializado nesse público é relativamente novo. Mon ouviu falar pela primeira vez sobre assistência social em sala de aula, mas de forma superficial (não era esse o tema do curso).
Depois disso, ela conheceu o filme “Yes We Fuck” e começou a se informar sobre o trabalho de assistente sexual e resolveu, de forma autônoma, começar a prestar esse serviço. Em entrevista ao g1, ela descreveu o trabalho.
“É um acompanhamento sexual para pessoas com deficiências que não têm autonomia suficiente para poder explorar o próprio corpo e que têm mobilidade tão reduzida que não conseguem se masturbar. Eu não fico nua, não há interações com meu corpo, eu faço massagem para que (as pessoas que ela acompanha) descubram as diferentes zonas erógenas que têm no corpo, não são só os genitais, e depois eu os acompanho na masturbação”.
No início, ela teve reconhece que teve algum receio. “Eu conversei com outros assistentes porque eu tinha muitas dúvidas e inseguranças — dá um pouco de medo, você vai à casa de uma pessoa desconhecida para práticas sexuais, e não há um curso de formação”, ela conta.
Depois de se envolver com ativistas da causa, ela se tornou uma espécie de porta-voz dos assistentes sexuais. Mon lançou um livro sobre o tema ” La Resurrección de las Monstruas. Asistencia Sexual, entre deseos y placeres” (“A Ressurreição das Monstras: Assistência Sexual, entre Desejos e Prazeres”) e organizou um curso sobre o tema.
Mon caracteriza essa tarefa como algo híbrido entre a assistência e o trabalho sexual, porque a masturbação é um ato sexual.
Os atendidos
A maioria dos atendidos por Mon são homens de idades entre 30 a 60, com deficiências muito distintas, segundo ela. “Alguns têm problemas de mobilidade, outros são tetraplégicos, pessoas com diversidade intelectual ou transtornos mentais que até têm mobilidade para se tocar, mas não conseguem interagir com outras pessoas ou querem contato com outras pessoas”.
Ela diz que em alguns casos, esses homens têm até dificuldade de saberem o que querem porque nunca tiveram experiência nenhuma.
Algumas as pessoas têm dificuldade para falar, e têm placas com um abecedário ou palavras anotadas para irem construindo frases. Eventualmente, há um profissional na residência que vai auxiliar na comunicação e, em alguns casos, é a família. “Às vezes, a mãe ou o pai que entram em contato comigo para que eu vá prestar assistência”, conta Mon.
Na Espanha, essa é uma atividade não regulamentada, e, por isso, as pessoas atendidas precisam pagar do próprio bolso pelo serviço. Na Austrália, as pessoas com deficiências recebem um auxílio do governo, e uma parte deles usa esse dinheiro para os serviços dos assistentes.
Samuel Hunt é um profissional que atende pessoas com deficiência ligado à organização Touching Base, em Sydney. O trabalho que ele oferece é mais amplo que o dos assistentes sexuais na Espanha.
Ele conta que “muita gente com deficiência até poderia ter uma vida sexual, mas como eles são muito vulneráveis, precisam ter uma dose muito maior de confiança para ir para a cama com alguém que conheçam. E muita gente escolhe um profissional ligado a uma organização porque é seguro”, ele diz. Além disso, há as preocupações com a saúde, que um profissional não especializado pode não ter.
Por fim, há alguns cuidados que uma pessoa especializada deve ter. Samuel atende pessoas que não conseguem falar, e, por isso, ele leva às casas dos atendidos páginas com gráficos de posições sexuais para que a pessoa aponte o que ela prefere fazer.
No Brasil, não há uma organização formalizada que aproxima pessoas com deficiências e profissionais do sexo.