No Tribunal Superior Eleitoral, uma ação diferente, mas relacionada ao mesmo episódio da reunião com embaixadores, resultou na inelegibilidade de Bolsonaro até 2030. Ele foi condenado pela Corte por abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação.
No mesmo dia, a procuradora também protocolou uma manifestação crítica ao ministro Alexandre de Moraes, do STF, por ele ter ordenado mandados de busca e apreensão contra oito empresários bolsonaristas que compartilharam mensagens de teor golpista em um grupo de WhatsApp. A vice-procuradora-geral se queixou de que o magistrado não esperou um posicionamento da PGR antes de determinar as medidas cautelares e pediu acesso aos autos. “É absolutamente inviável que medidas cautelares restritivas de direitos fundamentais, que não constituem um fim em si mesmas, sejam decretadas sem prévio pedido e mesmo sem oitiva do Ministério Público Federal”, escreveu ela, na ocasião.
As informações sobre as agendas aparecem na caixa de e-mails do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens da Presidência. Com o título “agenda privada”, as mensagens seguem o formato de calendário, com os dados relativos aos participantes, além da hora e o local.
Durante o governo Bolsonaro, a lista de visitantes no Palácio da Alvorada, residência oficial do presidente da República, foi mantida em sigilo. Na gestão de Lula, o entendimento foi mantido com algumas exceções, como as que se referem a “agendas oficiais” e pessoas “com interesses junto à administração pública”.
“Os registros de entrada e saída de pessoas em residências oficiais do presidente e do vice-presidente da República são informações que devem ser protegidas por revelarem aspectos da intimidade e vida privada das autoridades públicas e de seus familiares, salvo se tais registros disserem respeito a agendas oficiais, que têm como regra a publicidade, ou se referirem a agentes privados que estejam representando interesses junto à Administração Pública”, diz o parecer feito pela Controladoria-Geral da União (CGU), em fevereiro de 2023.
A lei que trata da divulgação de compromissos por autoridades do Executivo federal não faz menção direta ao presidente. A Constituição, no entanto, estabelece a publicidade como um princípio que deve nortear a administração pública.
Além dos e-mails dos ajudantes de ordens, mensagens do celular de Cid, analisadas pela Polícia Federal, indicam que Lindôra se reuniu com Bolsonaro na manhã do dia 26 de março de 2021, conforme revelou o site Metrópoles. De acordo com o diálogo, um ajudante de ordens avisou o tenente-coronel que estava chegando com a vice-procuradora-geral ao Palácio do Alvorada.
Antes de virar a número dois da PGR, Lindôra era conhecida no MPF por ser linha-dura na área criminal, sobretudo em inquéritos que envolviam suspeitas de corrupção e desvio de recursos públicos. Quando atuava junto ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), ela foi responsável por apresentar pedidos de prisão contra desembargadores de tribunais na Bahia e no Rio. E também denunciou e pediu afastamento do cargo do então governador do Rio Wilson Witzel, à época desafeto de Bolsonaro.
A vice-procuradora geral da República solicitou em julho do ano passado arquivamento de sete das 10 apurações preliminares abertas em decorrência dos trabalhos da CPI da Covid. Em cinco desses procedimentos, os senadores pediam o indiciamento de Bolsonaro pelos supostos crimes de epidemia com resultado de morte, charlatanismo, prevaricação, emprego irregular de verbas ou rendas públicas, e infração de medida sanitária preventiva. Lindôra não viu indícios de crimes da atuação do ex-presidente durante a pandemia.
Não há uma legislação que obrigue o governo a divulgar o registro de visitas às residências oficiais, como o Palácio da Alvorada, mas a Constituição prevê o princípio da publicidade no qual a transparência é a regra e o sigilo, a exceção.
— O que a lei especifica são os casos de sigilo. O resto deveria ser tudo transparente. Existe risco à saúde ou à segurança da autoridade? Não. Então, tem que ser público, como deve ser toda a agenda de autoridade — afirmou o pesquisador Fabiano Angélico, pesquisador da Universidade de Lugano, doutor em administração pública pela Fundação Getúlio Vargas e autor de um livro sobre Lei de Acesso à Informação (LAI).
— Não dá para falar em intimidade e privacidade com agentes externos, lideranças políticas, procuradores da República e empresários. Isso são reuniões que tratam de interesse nacional, não tem nada de privado nisso — completou ele.