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Legalização da maconha no STF: entenda votos do julgamento pela descriminalização da droga

Por O Globo

Manifestantes da Marcha da Maconha de Brasília foram ao STF — Foto: Divulgação / Marcha da Maconha BSB

Após o voto do ministro Alexandre de Moraes nesta quarta (2), o julgamento no STF sobre porte pessoal de maconha tem um placar de 4 a 0 favorável à descriminalização. Apesar da concordância com a tese de inconstitucionalidade do artigo 28 da Lei Antidrogas, houve diferenças nos votos já dados. Moraes decidiu por um limite de 60 gramas de maconha para se caracterizar uso pessoal, enquanto Luis Barroso sugeriu teto de 25 gramas e Edson Fachin delegou ao Congresso a criação de um critério. Já o relator Gilmar Mendes foi o único a votar pela descriminalização do uso pessoal de qualquer droga

Julgamento pela legalização da maconha no STF

Agora resta saber a posição de outros sete ministros da corte. Nesta quarta, Mendes decidiu pela interrupção do julgamento, em busca de um consenso, mas prometeu que a ação retornaria à pauta em algumas semanas. A presidente do STF Rosa Weber já deixou claro que gostaria de deixar seu voto antes de suas aposentadoria, em setembro.

Apesar do placar indicar que o uso pessoal de maconha venha a ser descriminalizado, ainda há pontos que continuam em dúvida, como se haverá um critério objetivo na lei para fazer a diferenciação entre usuário e traficante, a partir da quantidade da droga, ou se a descriminalização servirá para qualquer substância ou só a cannabis.

Veja placar do julgamento pela descriminalização da maconha no STF

Alexandre de Moraes: limite de 60 gramas

O ministro Alexandre de Moraes se baseou principalmente em um estudo da Associação Brasileira de Jurimetria (ABJ), que analisou mais de 1,2 milhões de ocorrências policiais de apreensões de pessoas com a droga, para dar seu voto. A pesquisa concluiu que pretos e pardos estão mais suscetíveis a acusações de tráfico do que os brancos.

— O branco precisa estar com 80% a mais de maconha do que o preto e pardo para ser considerado traficante. Para um analfabeto, por volta de 18 anos, preto ou pardo, a chance de ele, com uma quantidade ínfima, ser considerado traficante é muito grande. Já o branco, mais de 30 anos, com curso superior, precisa ter muita droga no momento para ser considerado traficante — afirmou Moraes, com base nas conclusões da pesquisa.

Moraes votou, então, pela inconstitucionalidade do artigo 28 da Lei Antidrogas, que diz que está cometendo crime “quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização”. Além disso, ele definiu que uma quantidade de até 60 gramas de maconha ou de seis plantas fêmeas deve ser caracterizada como volume de uso pessoal. Seu voto se restringiu à maconha, por ter sido a droga que motivou a ação original.

O ministro defendeu que o próprio STF tem competência para definir esses limites de quantidade para se diferenciar o usuário do traficante, o que hoje não existe na Lei Antidrogas. Segundo Moraes, isso fez com que muitos usuários fossem processados como traficantes. E a consequência, na prática, foi triplicar o número de presos por tráfico de drogas em um período de seis anos após a legislação.

Gilmar Mendes: descriminalização de todas as drogas

O relator da ação, ministro Gilmar Mendes foi o primeiro a dar seu voto, em 2015. Ele concordou com a tese defendida pela Defensoria Pública de São Paulo e votou, então, pela inconstitucionalidade do artigo 28 da lei. Em linhas gerais, essa tese argumenta que o estado não pode interferir em um hábito pessoal que não causaria danos a ninguém além de si próprio.

Mendes não entrou no mérito sobre um critério objetivo de quantidade para se diferenciar o usuário do traficante, mas foi o único a aplicar a tese para qualquer substância ilícita. Segundo o ministro, tratar como crime a posse de drogas para consumo próprio “fere o direito ao livre desenvolvimento da personalidade, em suas diversas manifestações”. Assim, estariam feridos os direitos constitucionais à privacidade e à intimidade.

— É sabido que as drogas causam prejuízos físicos e sociais ao seu consumidor. Ainda assim, dar tratamento criminal ao uso de drogas é medida que parece ofender, de forma desproporcional, o direito à vida privada e à autodeterminação. O uso privado de drogas é conduta que coloca em risco a pessoa do usuário. Ainda que o usuário adquira as drogas mediante contato com traficante, não se pode imputar a ele os malefícios coletivos decorrentes da atividade ilícita — afirmou Gilmar Mendes no seu voto.

Edson Fachin: Congresso deve definir os parâmetros

O segundo a votar, Edson Fachin chegou a pedir vistas, inicialmente. Em seguida, ele concordou com a inconstitucionalidade, apesar de afirmar que não existiria uma “resposta perfeita” para o tema. O ministro disse que seu entendimento, baseado no respeito à liberdade e autonomia privada e nos limites de interferência do estado sobre o indivíduo, se restringe à maconha.

Fachin ainda afirmou que é necessário um critério objetivo para se diferenciar o usuário do traficante, mas disse que a responsabilidade de definir parâmetros seria do legislativo, ou seja, do Congresso.

— A distinção entre usuário e traficante atravessa a necessária diferenciação entre tráfico e uso, e parece exigir, inevitavelmente, que se adotem parâmetros objetivos de quantidade que caracterizem o uso de droga. Também não parece inserir-se na atribuição do Poder Judiciário, entretanto, a definição desses parâmetros — disse Fachin.

Luis Barroso: limite de 25 gramas

O ministro Luis Roberto Barroso foi o primeiro a sugerir um número objetivo para critério de diferenciação entre usuário e traficante de maconha: 25 gramas. Assim como Fachin e Moraes, ele se restringiu o seu entendimento de inconstitucionalidade do artigo à cannabis.

O número escolhido por Barroso se baseou em legislações internacionais, especialmente de Portugal, país reconhecido pela sua legislação sobre drogas. O ministro ainda afirmou que existe uma “inconsistência” na decisão de descriminalizar o consumo enquanto se mantém a criminalização da produção da maconha. Por isso, ele disse que experiências internacionais, como no Uruguai e alguns estados dos EUA, onde o mercado é legalizado, deveria ser observado pelo Congresso.

No seu voto, Barroso argumentou que o uso de maconha não extrapola o “âmbito individual” e que a situação deve ser tratada como caso de saúde pública, e não como crime.

— É uma política de criminalização e de repressão que consome cada vez mais recursos, que são recursos que evidentemente não vão para tratamento, educação e saúde preventiva. Com a seguinte e grave consequência lesiva para a saúde pública: como a droga é crime mesmo para o usuário, ele não vai preso, mas é criminoso, e deixa de ser réu primário, o usuário não procura o sistema de saúde pública, porque isso significa assumir a condição de criminoso — afirmou Barroso.

Entenda a ação pela legalização da maconha no STF

O caso começou a ser julgado há sete anos. A discussão avalia a constitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas, de 2006, que considera crime “adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar”.

O julgamento é sobre o Recurso Extraordinário (RE) 635659, apresentado há mais de 12 anos pelo defensor público de São Paulo Leandro de Castro Gomes, que pedia a absolvição de um mecânico flagrado com três gramas de maconha em um pote de marmita no no Centro de Detenção Provisória (CDP) de Diadema, onde cumpria pena por outros crimes. Na época, o homem tinha 50 anos e estava preso . Hoje, ele tem 64 e está em liberdade.

O mecânico foi condenado a dois meses de serviço comunitário por causa das três gramas de maconha. Na sentença, a juíza Patrícia Toledo justificou que era preciso observar o artigo 28 da Lei de Drogas — justamente o trecho que está sendo analisado agora pelo Supremo — e aplicar uma “sanção amena, por menor que seja a quantidade de tóxico, evitando-se com isso o crescimento da atividade do agente, podendo tornar-se traficante ou viciado”. A Defensoria Pública recorreu, até que o caso chegou ao STF.

A Defensoria Pública defende, na ação, que o artigo 28 da lei 11.343 viola os princípios constitucionais da garantia da intimidade, vida privada, da honra e da autodeterminação, presentes no artigo 5º da Constituição Federal. Por isso, pede a inconstitucionalidade desse trecho da lei.

O processo tem “repercussão geral reconhecida”, ou seja, o que for decidido pelos ministros da Corte terá que ser seguido por tribunais de todo o país. Iniciado em agosto de 2015, o julgamento foi suspenso após o então ministro Teori Zavascki solicitar mais tempo para analisar a ação, que posteriormente foi encaminhada a Moraes.

O processo divide opiniões entre ministros do Supremo, mas, hoje, a expectativa é que haja uma maioria de votos para a adoção da tese proposta por Gilmar Mendes. O principal ponto de divergência deve ficar por conta das formas de aplicação do entendimento adotado e de possíveis critérios fixados para a diferenciação entre usuários e traficantes — a aposta nos bastidores é que seja preciso chegar a um voto médio a respeito deste ponto.

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