Durante as investigações de cinco assassinatos brutais em Maricá, a Polícia Civil e o Ministério Público do Rio (MPRJ) esbarraram numa teia de interesses políticos que conta com uma rede de apoio de matadores de aluguel. Para puxarem o fio da meada dos crimes ocorridos em seis meses, de fevereiro a agosto, descobriu-se até que teria ocorrido uma orgia na prefeitura daquela cidade da Região dos Lagos, com a suposta participação de Vanessa da Matta Andrade, a “Vanessa Alicate”, acusada pela polícia de ser a mandante do assassinato do ex-companheiro Thiago André Marins e do pai dele, o vereador Ismael Breve de Marins.
Organização criminosa com atuação de matadores de aluguel
No relatório da Delegacia de Homicídios de Niterói, São Gonçalo e Itaboraí (DHNSG) consta que, como resultado da suposta orgia, ocorrida naquele mesmo ano, Vanessa teria engravidado do Pastor Renato — identificado como Renato Machado, que ocupa uma cadeira na Assembleia Legislativa do Rio como deputado estadual pelo PT. O fato, segundo o documento redigido pelos investigadores, foi “veiculado pelas mídias locais” na época. Após a orgia, conforme o relatório, Vanessa “teria se aliado ao jornalista Giorno (Robson Giorno) a fim de obter vantagens financeiras e cargos dentro daquele governo municipal, situação que, posteriormente, levou à morte de Giorno”.
As investigações da DHNSG e do Grupo de Atuação Especializada no Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do MPRJ também apontam para a existência de uma organização criminosa com a atuação de matadores de aluguel. Diz o relatório sigiloso da especializada, ao qual o GLOBO teve acesso: “É de extrema relevância e oportuno o destaque da informação sobre a existência de investigações, nesta especializada, que versam sobre a possível existência de uma Organização Criminosa (Orcrim) que atua predominantemente no Município de Maricá, composta por um núcleo político e armado, tendo como objetivo direto o fortalecimento financeiro e/ou político mediante a prática de vários crimes, dentre eles homicídios” (sic).
Quem são os suspeitos das mortes em Maricá?
Ao se aprofundar em cada homicídio, os investigadores identificaram como integrantes do bando armado, ou seja, executores dos crimes: Rodrigo José da Silva Barbosa, o “Rodrigo Negão” que comandaria uma milícia na região; e o subtenente reformado da Polícia Militar Davi de Souza Esteves. A periculosidade de Rodrigo é ressaltada num trecho do relatório policial: “Com relação à contemporaneidade do poder ostentado por Rodrigo “Negão” e sua Orcrim, não resta muito tempo que ele teve a coragem de ameaçar um Deputado Federal eleito e com muito poder na região. Se Rodrigo “Negão” é capaz de fazer isso com uma pessoa de tamanha importância no município de Maricá, imagina para o cidadão comum que atenta contra qualquer de seus interesses”.
Quem teria ordenado as mortes em Maricá?
Nas mortes de Thiago e do pai dele, o vereador Ismael, a polícia e o MP já têm evidências de que o crime foi por ordem de “Vanessa Alicate”, motivada pela raiva do ex-companheiro que reduziu sua pensão. O casal teve uma filha. O vereador teria sido executado por “queima de arquivo”, ao ouvir o barulho de tiros na casa. Por se amiga de infância de Rodrigo, ela teria pedido, segundo a polícia, para que matasse Thiago. Rodrigo e o subtenente Davi foram direto ao quarto de Thiago e nenhuma porta foi arrombada. A investigação revela ainda que os criminosos já tinham pesquisado o local. A dupla também quebrou câmeras de segurança da prefeitura para que os equipamentos não registrassem o veículo que usaram no trajeto do local do crime.
Matadores de aluguel seguem um ritual para cometer assassinatos
Para a polícia e o MPRJ, há uma constância no modo de agir dos suspeitos. Além de monitorarem suas vítimas antes da execução, eles atiram na cabeça e, em três casos, eles usaram a mesma arma: uma pistola Glock. O relatório da DHNSG informa que: “as semelhanças dos calibres das armas utilizadas, os quais seriam uma possível pistola da marca Glock, calibre 9 mm e um revólver .38”, demonstram essa forma de ação.
Qual teria sido a motivação para morte de jornalista?
No caso do jornalista investigativo Romário Barros, de 31 anos, morto em junho de 2019, a organização criminosa estaria incomodada com as reportagens dele que denunciavam escândalos envolvendo políticos. O repórter também sofreu uma emboscada quando voltava de carro para casa, como fazia sempre, após dar uma caminhada. As câmeras do local flagraram a ação dos criminosos. Tais imagens serviram de base para compará-las com as fotos de Rodrigo, em redes sociais. Uma análise biométrica corporal do suspeito serviu de prova para o Gaeco apostar na sua participação no crime. O joelho de Rodrigo é valgo, o que os ortopedistas definem como um desalinhamento nas pernas.
A outra vítima seria Sidnei da Silva. De acordo com as investigações, ele foi morto por vingança — após uma discussão em via pública, poucos dias antes do crime, entre a vítima e a sua ex-cunhada, esposa do acusado Rodrigo.
Respostas dos citados
O GLOBO procurou o deputado estadual Renato Machado (PT) e a assessoria de imprensa da prefeitura de Maricá para se pronunciarem sobre as investigações da DHNSG e MPRJ, mas até o momento ainda não houve resposta. As defesas de Rodrigo, Vanessa e Davi não foram localizadas.