Desde a última sexta-feira (18) só se fala no cancelamento geral das viagens promocionais programadas para 2023 de clientes da agência de viagens 123 Milhas. Quem tinha embarques previstos pela linha “Promo” para os meses de setembro a dezembro terá o dinheiro devolvido por meio de vouchers.
O mesmo aconteceu com o Hurb em abril deste ano, que passou a cancelar viagens promocionais de clientes. A crise causou a demissão do CEO e uma operação de realocação ou reembolsos para quem foi prejudicado.
No fim de semana, o g1 mostrou que a medida da 123 Milhas ofereceu vouchers no valor que havia sido gasto pelos clientes com correção monetária. Ainda assim, houve impacto relevante para os clientes porque é praticamente impossível realizar as viagens programadas para os próximos meses em tão pouco tempo, por valores tão baixos.
A jornalista Polyana Lima e o publicitário Carlinhos Pimentel tiveram que mudar os planos da lua de mel, que seria em outubro, porque o valor disponibilizado não cobriria os custos da viagem de Maceió (AL) até Gramado (RS). A solução foi cancelar a viagem e partir para uma ação judicial contra a empresa para receber o valor de volta.
Este é apenas um de tantos casos parecidos que foram mapeados pelo g1. A empresa terá que responder sobre o caso ao governo federal e ao Procon.
O que deu errado?
A 123 Milhas informou no fim de semana que a decisão “deve-se à persistência de fatores econômicos e de mercado adversos, relacionados principalmente à pressão da demanda e ao preço das tarifas aéreas”. (veja abaixo a nota da empresa)
O caso não é inédito, e os fatores econômicos não são novidade. Em abril deste ano, o Hurb passou pelo mesmíssimo processo, de cancelar ou adiar indefinidamente a viagem de clientes de linhas promocionais. O motivo era o mesmo: incapacidade de realizar as viagens nos preços contratados.
Tanto 123 Milhas quanto Hurb operam os pacotes promocionais da seguinte forma:
É feita uma aposta em preços baixos de passagens e hospedagens para oferecer valores abaixo do mercado;
As viagens não têm data previamente marcada porque é necessário garimpar os dias de voo e estadia mais baratos possíveis;
Desde a flexibilização de circulação com o arrefecimento da pandemia, a procura da população por viagens aumentou;
Com mais demanda, a inflação de serviços — passagens aéreas, hospedagens, restaurantes, passeios — passou a impactar o valor total das viagens;
Hurb e 123 Milhas passaram a não encontrar opções dentro da faixa de preços cobrada de seus clientes;
As viagens promocionais, portanto, sinalizavam um prejuízo à frente;
As alternativas das empresas são adiar ou cancelar as viagens.
Segundo Marcelo Oliveira, assessor jurídico da ABAV Nacional, o cliente precisa observar se as práticas das agências de viagem têm adesão com o restante do mercado. Preços muito distantes do restante do mercado indicam uma operação suscetível a mudanças.
“Quando a empresa assume um modelo de negócio, ele precisa ser compatível com a realidade. Precisa mostrar que o modelo tem capacidade técnica e operacional de honrar o que foi prometido”, diz Oliveira.
“Um modelo que não está no padrão de mercado assume uma condição de risco.”
Como os preços de viagens subiram tanto?
A alta no setor de turismo acompanha toda uma alta de preços no setor de serviços, que aconteceu desde a flexibilização da circulação de pessoas com o arrefecimento da pandemia de Covid-19.
Economistas explicam que, ao longo de 2022, os preços de bares, restaurantes, salões de beleza, do turismo e de outros diversos tipos de serviço subiram para repor as perdas causadas pela crise, e pelo aumento de custos.
O Hurb e a 123 Milhas sofrem com o impacto nos preços de hospedagens, passagens aéreas e outros setores adjacentes ao turismo.
Pelo lado da demanda, havia muito público ansioso por retomar as viagens. Pelo lado de custos, o preço de combustíveis de aviação e de insumos para hotéis também havia subido bastante.
O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), do Instituto Brasileiros de Geografia e Estatística (IBGE), mostra que as passagens aéreas acumulam alta de 1,03% na janela de 12 meses. Parece pouco, mas em agosto de 2022 o item havia chegado a um acúmulo de 74,9% nos 12 meses anteriores.
Em outras palavras, os bilhetes subiram muito de preço em 2022 e ainda se mantêm em patamar alto um ano depois.
Já as hospedagens estão em escalada progressiva de preços. O acumulado em julho deste ano chegou a 14,17%, em leve desaceleração em relação aos 22,19% que acumulava em agosto de 2022.
Também traduzindo os números: trata-se de um aumento considerável em 2022 e que foi sustentado mês a mês até julho deste ano.
O mesmo acontece com pacotes turísticos, outro subitem do IPCA. O aumento de 23,18% em agosto de 2022 mostra aumento em relação ao ano anterior. Mas houve desaceleração para 8,18% em julho de 2023. A alta ainda é considerável, mas vem retraindo.
Como fica a situação da empresa?
A 123 Milhas garante que os pacotes “Promo” representam apenas 7% de sua operação, e que clientes dos demais pacotes não serão prejudicados. O Hurb deu justificativa parecida em abril e segue operando sem o modelo promocional.
Isso porque os pacotes tradicionais são operados com os custos atuais. São mais caros porque já embutem os preços reajustados, sem a dependência do garimpo por preços baixos.
Acontece que há um descascamento claro entre os preços, que é justamente o que prejudica os clientes que compraram os pacotes “Promo”. Os valores são mais altos e parte dos clientes pode não ter recursos para complementar o gasto.
O Ministério do Turismo informou neste domingo (20) que vai avaliar a instauração de um procedimento investigativo para identificar os clientes atingidos e promover uma reparação de danos adequada.
O mercado de milhas está em crise?
A questão da 123 Milhas é de modelo de negócio das viagens promocionais, que se provou insustentável.
Por ora, nada indica que a crise vá se espalhar por outros modelos de pacote de viagem, pois os cancelamos são feitos para que a empresa não absorva o prejuízo das viagens promocionais.
O que diz a 123 Milhas?
Veja abaixo o que diz a nota divulgada pela 123 Milhas sobre o cancelamento das reservas anunciado na sexta-feira.
“A 123milhas informa que decidiu suspender hoje [sexta-feira], às 18h, as emissões de passagens e pacotes da linha PROMO (com datas flexíveis) com previsão de embarque de setembro a dezembro. As vendas do produto já haviam sido interrompidas na última quarta-feira (16/08). Todos os demais produtos da 123milhas permanecem sem nenhuma alteração.
A decisão deve-se à persistência de fatores econômicos e de mercado adversos, relacionados principalmente à pressão da demanda e ao preço das tarifas aéreas. A linha PROMO representa 7% dos embarques de 2023 da companhia.
Os valores pagos pelos clientes que adquiriram produtos da linha PROMO com embarque previsto para setembro, outubro, novembro e dezembro de 2023 serão integralmente devolvidos em vouchers, com correção monetária de 150% do CDI – acima da inflação e dos juros de mercado. Os vouchers podem ser usados para compra de outros produtos da 123milhas.
As medidas referentes à linha PROMO são uma decisão responsável da 123milhas, no sentido de preservar os valores pagos pelos clientes. A empresa continua comprometida com o propósito de proporcionar a mais pessoas as melhores e mais acessíveis experiências em viagens e turismo.”