Mariscal Sucre, Bolívia – Madrugada de 6 de agosto de 1902, que caíra numa quarta-feira, terceiro dia útil da semana e, portanto, dia ainda de muito trabalho, principalmente para quem sonhava com riqueza rápida e farta. Eram os brasileiros, em sua imensa maioria vindos do Nordeste, fugindo da seca e da miséria em sua região de origem em busca do enriquecimento rápido e fácil numa região em que diziam o ouro brotar das árvores.
Era um a licenciosidade poética e referência à seiva branca das seringueiras, com as quais aqueles homens, seringalistas e seringueiros, agora convertidos em patrões e empregados, produziam a borracha que fazia da região Amazônia, especialmente a do Acre, uma das mais ricas do Brasil.
O problema é que, juridicamente, o Acre sequer existia. Era em tese território pertencente à Bolívia, país que, naquela quinta-feira, comemorava sua independência, declarada em 1825, na cidade de Sucre, como resultado da Assembleia das Províncias Altoperuanas que ocorreu na Casa La Libertad. Embora estas províncias formassem os atuais territórios do Peru e da Bolívia, só participavam aqueles que pertenciam ao atual território boliviano. A declaração foi aprovada pelos 48 representantes dos departamentos de Charcas, Potosí, La Paz, Cochabamba e Santa Cruz. A assembleia foi realizada em honra da última batalha de Junín que ocorreu apenas um ano antes. Esta batalha foi travada no território atual da Pampa Argentina, em que o exército patriota foi vitorioso sobre o exército real da Coroa Espanhola.
A batalha de Junin resultou em uma vitória do exército patriota sobre o exército monarquista da Coroa Espanhola. Apesar de ser uma vitória significativa para o Peru, por sua relação direta com a libertação deste país, para a Bolívia também representou um passo mais para a independência da Coroa Espanhola.
Na época da Declaração de Independência da Bolívia, o atual território deste país era parte do Alto Peru. Isto também inclui o atual território peruano e parte do argentino. As batalhas mais representativas da história da independência da Bolívia foram travadas principalmente a fim de liberar precisamente o povo do Alto Peru.
Na Assembleia das Províncias Altoperuanas foram discutidas alternativas que tinham a Bolívia como seu próximo território para desfrutar de sua liberdade. As opções eram quatro: a restauração do império dos Incas, a autonomia e independência com a criação de um novo estado, a anexação ao antigo Vice-Reino do Rio da Prata (resto do governo espanhol), a anexação à nova República do Peru. A opção triunfante foi a segunda, porque era a única que cumpria o desejo de ser uma república totalmente independente.
Este dia é comemorado em 6 de agosto de cada ano e naquele ano de 1902 não seria diferente, embora os bolivianos ali presentes, que representavam seu país, não passassem de servidores de baixíssimas patentes degredados para vigiarem e guardarem as fronteiras e os interesses da Bolívia no meio da selva. Mas, ainda que afastados do centro de poder do país, esses quase degradados da floresta, na noite da véspera daquela quarta-feira se esbaldam em festa até a madrugada, com direito à muita bebida.
Por isso, quando decidiu atacar a sede da Intendência boliviana, onde morava o intendente boliviano Dom Juan de Dios Barretos, a mais alta autoridade entre aqueles degradados, José Plácido de Castro, à frente de um pelotão de 33 homens, não encontrou praticamente resistência.
Consta na história que, ao ouvir os primeiros estampidos de tiros na frente da sede da Intendência, o mais majestosos prédio do vilarejo de Mariscal Sucre e que mais tarde iria se chamar Xapuri, o nobre intendente, saiu à sacada da casa e gritou para aqueles que ele pensou serem patriotas como ele que estavam a começar os festejos da independência boliviana:
– Patrícios , es temprano para la fiesta – gritou o intendente com as palavras trôpegas, sem praticamente nada a enxergar; primeiro, pelo excesso de álcool; depois, porque de madrugada, na floresta, ainda se faz escuridão total. Da penumbra, vem a resposta: Não é festa, senhor. É revolução! Renda-se!
E tome bala em direção ao intendente, que foi se resguardar em seus aposentos. Acabou rendido por Plácido de Castro a frente de seu exército de seringueiros.. No mesmo dia, pela manhã, homens comandados pelo capitão Ciríaco, oficial de Plácido de Castro, atacavam batelões bolivianos que navegavam pelo Igarapé Judia. O Capitão Ciríaco lutou na guerra contra a Bolívia e depois disso, estabeleceu moradia na área de terra próxima a beira do Rio Acre e a sua família conseguiu manter até os anos 90, época em que a Prefeitura de Rio Branco comprou a área e transformou em parque urbano, no bairro 6 de Agosto.
O ataque em Xapuri e no Igarapé Judia, no que seria o então primeiro distrito da futura cidade de Rio Branco, era o início de uma guerra que duraria de 6 de agosto de 1902 e 24 de janeiro de 1903, tendo como marca principal a disputa pelo controle dos negócios pela borracha.
Não foi uma guerra fora de contexto dos interesses do Brasil. Ao fim do século XIX, a produção de borracha no Brasil marcava um ciclo de pujança, o que induzia à necessidade da busca de mais seringais para abastecimento dos mercados interno e externo.
A empreitada era assumida por brasileiros que, cada vez mais, subiam ao nordeste da Amazônia – onde está localizado o atual território acreano, que pertencia à Bolívia após assinatura do Tratado de Ayacucho, em 23 de novembro de 1867. Nessa busca por mais seringais e seringais e fortuna, pelo menos 20 mil brasileiros passaram a compor a força de trabalho nos seringais a partir de 1870.
A corrente migratória, principalmente, era de origem nordestina, uma rota de fuga da seca e terminava sob o controle de empresários amazonenses e paraenses. Ignorando a quantidade de brasileiros na região, o governo boliviano arrendou a área para a empresa privada Bolivian Syndicate em 17 de dezembro de 1901, cujo dirigente, que seria o que hoje se chama de CEO, era, coincidência não, um sobrinho criado como filho de ninguém menos que o então presidente dos EUA , Theodore Rooselvet.
O arrendamento das terras seringueiras ao Bolivian Syndicate gerou revolta dos barões da borracha de Belém e Manaus que passaram a atuar no processo de autonomia política do Acre. Os mentores do movimento contaram com o auxílio do revolucionário caudilho gaúcho José Plácido de Castro, que formou um exército de seringueiros, muitos convocados de maneira compulsória.
José Plácido de Castro inicia o processo de resistência armada em 6 de agosto de 1902, quando suas tropas tomam Xapuri e o fim da revolução ocorre em 24 de agosto de 1903, com a tomada de Puerto Alonso.
Em 17 de novembro daquele ano, fora assinado o tratado de Petrópolis, no Rio de Janeiro, que estabelecia a nova fronteira e a cedência do território acreano para o Brasil. Pelos termos do tratado, o Brasil incorporou uma área de 181 mil quilômetros quadrados e, em troca, a Bolívia recebeu 723 km sobre a margem direita do Rio Paraguai; 116 km sobre a Lagoa do Cárcere; 20 km sobre a Lagoa Mandiré; 8,2 km sobre a margem meridional da Lagoa Guaíba.
O Brasil ainda comprometeu-se em construir a estrada Mad Maria em território brasileiro para fazer a ligação de Santo Antônio da Madeira a Vila Bela, na confluência dos rios Beni e Mamoré,obra nunca realizada, razão pela qual os bolivianos acusaram o Brasil de calote.O objetivo da estrada era facilitar o escoamento da produção de borracha boliviana. Deveria, ainda, indenizar a Bolívia em 2 bilhões de libras esterlinas.
A Revolução Acreana não foi um movimento de transformação política na base da sociedade. Ao contrário, passou para a história como a revolta dos controladores da borracha pelo monopólio nos seringais e pelos limites territoriais entre Brasil, Peru e Bolívia. Os seringueiros foram transformados em soldados, embora recebessem muito pouco pela borracha e, ficassem atrelados aos empresários que lhes cobravam preços exorbitantes por mantimentos.
O movimento revolucionário que afligiu os altos rios acreanos havia sido iniciado três anos antes, quando ao tentar dominar definitivamente os vales do Acre, do Iaco e do Purus, as autoridades bolivianas haviam causado profundo descontentamento na população brasileira que habitava a região. Por isso, em 1º de maio de 1899 foi deflagrada a “Primeira Insurreição Acreana” quando foram expulsos de Puerto Alonso, local escolhido para instalar a alfândega boliviana, todos os bolivianos que dali cobravam impostos sobre a borracha e tentavam instalar o governo da Bolívia sobre a região.
Poucos meses depois, os revolucionários decidiram avançar mais em seu movimento, já que o governo federal brasileiro continuava reconhecendo a posse boliviana sobre os vales acreanos. Para tanto, em 14 de julho de 1899, foi proclamado o “Estado Independente do Acre” e o espanhol Luiz Galvez foi aclamado como seu presidente. Com isso, os habitantes do Acre pretendiam tornar a região um território litigioso o que provocaria, inevitavelmente, a revisão da posição oficial do governo federal. Porém essa tentativa foi infrutífera e as forças armadas brasileiras dirigiram-se ao Acre para depor o cidadão Galvez e devolver à Bolívia a posse daquelas terras tão ricas e ambicionadas.
É preciso lembrar, também, que a república brasileira do fim do século passado não era nenhum primor de desenvolvimento ou de integração entre os diversos estados. Tanto assim, que o governo do Estado do Amazonas, insatisfeito com a posição do governo federal, que só beneficiava os cafeicultores do sul, resolveu financiar uma nova expedição revolucionária ao Acre. E para isso contou com o apoio de diversos proprietários que haviam participado dos eventos anteriores. Porém, a “Expedição dos Poetas” fracassou completamente devido às profundas divergências que dividiam seus integrantes.
Mais uma vez o Acre ficou sob domínio total da Bolívia. Quando chegou a notícia de que haviam sido concluídas as negociações entre um sindicato formado por capitalistas ingleses e norte-americanos e o governo boliviano. O Bolivian Syndicate iria arrendar e explorar as terras acreanas, inclusive com poder militar sobre elas. Isso causou um profundo temor em toda a população do Acre que via surgir agora a ameaça da intervenção de fortes países desenvolvidos contra os quais a luta seria quase impossível.
Foi nesse contexto que a região do Alto Acre resolveu aderir definitivamente ao movimento revolucionário, já que até aqui, o principal palco dos acontecimentos havia sido o Baixo Acre. Tornava-se, então, possível deflagrar a luta armada.
Curiosamente Plácido de Castro, convidado para comandar a campanha militar, já que possuía experiência anterior, não queria começar a campanha por Mariscal Sucre (como era chamada a atual Xapuri), mas sim por Puerto Alonso (ver box), mas foi convencido do contrário pelos líderes da revolução, especialmente Joaquim Vitor e Rodrigo de Carvalho.
Do mesmo modo, Plácido pretendia deflagrar o movimento no dia 14 de julho, mesma data escolhida por Galvez para a proclamação do Estado Independente, três anos antes. Porém, o atraso na chegada das armas que seriam utilizadas na luta, levou ao adiamento da iniciativa. Foi escolhida então a data comemorativa, também por seu simbolismo, da Independência da Bolívia, dia 06 de agosto.
Conta nossa história oficial que no dia marcado, antes do raiar do dia, Plácido de Castro à frente de seu pelotão de seringueiros postados estrategicamente em frente das três casas que serviam como abrigo às forças bolivianas, acordou o comandante Juan de Dios Barrientos, aquele que, atordoado, pensou tratar-se já do início das festas pela passagem do dia da independência boliviana e abrindo a porta exclamou:
Neste domingo, 06, quando se completam 121 anos desta façanha, o momento é de reflexão sobre a história de lutas, derrotas e vitórias, que mobilizou homens de todos os tipos e classes sociais com o objetivo de não perder suas nacionalidades. Não só conseguiram manter a cidadania brasileira, os revolucionários, criaram uma nova identidade. Foi a partir da Revolução Acreana que aqueles brasileiros tornaram-se acreanos e passaram a defender essa condição ao longo dos cem anos posteriores.
Com a palavra, quem conhece esta história, Leandro Tocantins, autor de “Formação Histórica do Acre”: “É interessante notar as profundas semelhanças entre a revolução de Galvez e a de Plácido de Castro. Veja-se o paralelo em quase todos os atos administrativos do Estado do Acre de um e do outro. Plácido escolheu a data de 14 de julho para o início do movimento. Na mesma data Galvez iniciava a sua república. Plácido queria primeiro atacar Puerto Alonso, onde Galvez interrompeu seu motim, sem um tiro, para aí instalar o seu governo. Os limites geográficos de um e de outro Estado são quase os mesmos. A bandeira decretada por Galvez foi integralmente adotada por Plácido. A estrutura administrativa do governo de Galvez serviu de modelo a Plácido, para instalar o seu. Os dois instituem com o mesmo nome o “Estado Independente do Acre”. A capital do Estado, Cidade do Acre, nomenclatura emprestada por Galvez a Puerto Alonso, é mantida por Plácido de Castro. A intenção de pedir ao Governo brasileiro a anexação do Acre foi uma constante nos dois chefes.