O governo federal e o Banco Central do Brasil (BC) têm conversado com bancos e entidades do varejo em busca de alternativas para substituir o rotativo do cartão de crédito — que ocorre quando o cliente não paga o valor total da fatura e joga a dívida para o mês seguinte.
O rotativo é a modalidade de crédito mais cara do país, com juros chegam a 437,3% ao ano, e tem sido alvo frequente de críticas do governo.
Em abril, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, já havia afirmado que o desenho do cartão rotativo estava “prejudicando muito” a população de baixa renda e iniciado uma negociação com instituições financeiras para reduzir os juros cobrados na linha.
Mas a surpresa da última semana foi a revelação, por parte do presidente do BC, Roberto Campos Neto, de que o próprio BC estuda alternativas para diminuir a inadimplência na linha do rotativo do cartão, inclusive com a possibilidade de limitação dos juros na modalidade e até a possível extinção da linha de crédito, com um parcelamento com juros mais baratos no lugar.
A expectativa, agora, é que o grupo de trabalho criado, formado pela Fazenda, pelo Banco Central, pelos bancos e por entidades do varejo, traga uma alternativa para diminuir as taxas da modalidade até o final deste ano.
Entenda abaixo quais as discussões que existem sobre o cartão de crédito rotativo e quais as alternativas que estão sendo estudadas para diminuir os juros nessa linha de crédito.
A mais cara do país
O debate para redução dos juros cobrados no cartão de crédito rotativo não é de hoje: há anos o governo (em diferentes mandatos) busca alternativas para diminuir as taxas da modalidade e limitar o impacto da linha na capacidade de pagamento das famílias.
As discussões ganharam ainda mais força em 2015, quando o BC elevou a taxa básica de juros (Selic) do país para o maior patamar em 10 anos, aos 14,25% ao ano. Mas o assunto seguiu na mira do governo ao longo dos anos.
Em 2017, por exemplo, o Conselho Monetário Nacional (CMN) aprovou a resolução nº 4.549, que limitava os juros do rotativo do cartão e acabava com o pagamento mínimo de 15% da fatura.
Já à época, a medida veio como uma forma de coibir o uso do rotativo e obrigar os bancos a oferecer uma solução de parcelamento para o cartão de crédito com juros mais baratos. Esses são dois dos objetivos que voltam a ser centrais no grupo de trabalho criado neste ano.
As mudanças na legislação para coibir o uso do rotativo vêm acontecendo há anos. Em 2017, a principal alteração veio por meio de uma norma do CMN, que restringiu o prazo do rotativo do cartão de crédito até o vencimento da fatura seguinte.
Segundo a norma, se na data do vencimento o cliente não tivesse feito o pagamento total do valor da fatura, o restante teria que ser parcelado ou quitado. Antes disso, o consumidor precisava pagar ao menos 15% do valor da fatura para não ficar inadimplente – o restante da dívida ficava para o mês seguinte, sujeito aos juros rotativos.
No mês seguinte, o cliente receberia a fatura com o saldo da dívida do mês anterior acrescido dos juros. Se não conseguisse pagar o valor integral, ele poderia, então, fazer novamente o pagamento mínimo de 15%, e assim sucessivamente. É daí surge a metáfora da “bola de neve” associada frequentemente ao uso do rotativo do cartão de crédito.
A medida veio como uma tentativa de diminuir as taxas cobradas na linha, que também ultrapassavam os 400% ao ano na época. Com a mudança, as taxas foram de 429,7% ao ano em abril para 377,9% ao ano em maio, e chegaram a bater os 272,6% ao ano em 2018.
Mas logo voltaram a subir e não demoraram a retomar os antigos patamares.
O que está sendo discutido agora?
Sem grande sucesso com as mudanças feitas há seis anos, o governo volta a discutir formas de diminuir as taxas cobradas na modalidade e, consequentemente, a inadimplência.
A diferença é que, agora, além de buscar alternativas para reduzir os juros do rotativo, o grupo de trabalho criado este ano também discute a possível cobrança de uma tarifa extra para desincentivar a compra desenfreada de crédito em uma quantidade muito grande de parcelas.
O grupo entende que é esse aspecto que, com frequência, leva o comprador a perder o controle da própria fatura.
“Não é proibir o parcelamento sem juros. É simplesmente tentar que fique um pouco mais disciplinado. Não vai afetar o consumo. Lembrando que cartão de crédito é 40% do consumo no Brasil”, disse Campos Neto nesta semana.
Além disso, o chefe do BC avalia enviar o devedor diretamente para um parcelamento da dívida do cartão em substituição ao rotativo. Nesse caso, a ideia é que os juros fossem de cerca de 9% ao mês, pouco acima da metade dos atuais, que equivalem a 15% ao mês.
Outra alternativa seria limitar os juros no cartão de crédito rotativo. A expectativa é que o BC apresente uma proposta para a modalidade ainda nas próximas semanas.
Segundo Campos Neto, há um projeto de lei sobre o assunto ligado ao Desenrola, que está refinanciando dívidas de inadimplentes, que tem um prazo de até 90 dias para ser apresentado.
O que dizem os bancos?
Em nota, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) afirmou que busca uma solução que pode incluir o fim do crédito rotativo e um redesenho das compras parceladas no cartão.
“A Febraban entende ser necessária a diluição dos riscos entre os elos da cadeia, hoje concentrados nos bancos emissores que suportam todo o já elevado custo da inadimplência”, disse a federação em nota, defendendo que o cartão deve ser mantido como “relevante instrumento para o consumo.”
“Da mesma forma, deve haver o reequilíbrio da grande distorção que só o Brasil tem, com 75% das compras feitas com parcelado sem juros”, acrescentou a Febraban, destacando que a solução deve, ao mesmo tempo, beneficiar os consumidores e garantir a viabilidade do cartão de crédito.
Já a Associação Brasileira de Bancos (ABBC) afirma que a entrada de novas instituições no sistema financeiro aumentou a competição no setor e trouxe um aumento do uso do rotativo “em razão da parcela da população que teve acesso a serviços financeiros mais baratos ou mesmo pela primeira vez.”
A associação diz, no entanto, que estabelecer um limite de juros na modalidade pode tornar mais complexa a entrada de novas instituições no sistema, o que poderia diminuir o acesso ao crédito e reduzir a inclusão financeira no país.
“Deve-se buscar mecanismos que não causem sobressaltos aos participantes da indústria e, simultaneamente, enderecem o problema da inadimplência e o superendividamento do consumidor”, afirma a ABBC em nota.
A associação ainda defende, que foram o tabelamento dos juros, outras medidas restritivas ao uso do rotativo também podem ser aplicadas, além de ações como o fomento à portabilidade de crédito e de estabelecer uma comunicação mais transparente aos usuários sobre o valor dos juros, encargos e riscos envolvidos na modalidade.
“Certamente o aprofundamento da concorrência produzirá um melhor incentivo na precificação, exercendo uma pressão baixista para a taxa de juros. Por fim, acreditamos que sejam possíveis avanços no que concerne à educação financeira e à transparência”, completa.
E o que diz o varejo?
Segundo o presidente do Instituto Brasileiro de Executivos de Varejo & Mercado de Consumo (Ibevar), Claudio Felisoni, o varejo depende do parcelado sem juros para sustentar as vendas, mas alerta que a crescente oferta de cartões, os juros altos e o aperto orçamentário das famílias têm aumentado a inadimplência “de modo progressivo”.
“Portanto, encontrar formas alternativas aos empréstimos rotativos é uma medida essencial de suporte ao crescimento do consumo de modo sustentável”, completa Felisoni em nota.