Os conselheiros decidiram manter a análise do acordo da J&F, apesar da manobra feita por um aliado do procurador-geral da República, Augusto Aras, que quer retirar o caso do órgão e tentou impedir a análise do desconto na sessão desta tarde.
Em uma votação preliminar, feita sob sigilo, os conselheiros entenderam que o corregedor nacional do MP, Oswaldo D’Albuquerque, não poderia chamar o caso para si e retirá-lo do Conselho Institucional, já que o processo não tem natureza disciplinar.
Isso porque o conselho decidiu hoje derrubar as manobras de Ronaldo Albo para aliviar a multa imposta ao grupo J&F, e não se debruçou sobre a conduta do subprocurador no episódio, alvo de um inquérito disciplinar já encaminhado para Albuquerque. Para os conselheiros, os dois processos são diferentes e devem ser analisados em âmbitos distintos.
Na prática, o resultado elástico do Conselho Institucional contra a redução bilionária da multa da J&F marca uma derrota para a gestão de Augusto Aras, cujo mandato se encerra em 26 de setembro.
Joesley Batista, um dos donos do Grupo J&F: delator na Lava-Jato, empresário foi convidado para viagem à China — Foto: Andre Coelho/Bloomberg
Na reclamação apresentada no mês passado ao Conselho Institucional do MPF, o procurador da República Carlos Henrique Martins Lima, responsável pelo caso na primeira instância, argumenta que o desconto bilionário, concedido de forma unilateral por Ronaldo Albo, não só foi decidido com “manifesta ilegalidade”, como “poderá ocasionar prejuízos irreversíveis” ao cumprimento do acordo de leniência, firmado em 2017.
Martins Lima negou, em abril do ano passado, a revisão bilionária no valor da multa, mas mesmo assim a J&F recorreu à 5ª Câmara, onde Ronaldo Albo “tratorou” o voto de dois colegas contrários à revisão e impôs a sua vontade, atendendo aos interesses do grupo.
O Conselho Institucional do MPF já havia decidido, em fevereiro do ano passado, que cabia a Martins Lima – e não à 5ª Câmara de Coordenação e Revisão (CCR) do MPF, chefiada por Albo – conduzir qualquer renegociação sobre o acordo.
“O que aqui se analisa é uma decisão tomada pelo Coordenador da 5ª Câmara que ignorou a toda evidência o princípio da colegialidade para decidir de forma monocrática em desacordo com os demais membros do colegiado que atualmente integra e também em dissonância com aresto anterior do próprio colegiado da 5ª CCR, ratificada integralmente pelo CIMPF, desafiando qualquer lógica jurídica e carecendo, portanto, de consistência sob qualquer viés avaliativo”, criticou a relatora do caso, Julieta Elizabeth Fajardo.
Julieta concedeu uma liminar derrubando o desconto na noite desta terça-feira, que acabou mantida por ampla maioria do Conselho, que funciona como uma espécie de segunda instância de decisões tomadas nas sete câmaras do MPF.
“Houve uma assinatura de acordo (repactuado) pelo coordenador da 5ª Câmara quando a Câmara não pode rever o acordo, isso é do procurador do primeiro grau”, criticou a subprocuradora Luiza Frischeisen. “Houve ofensa ao procurador natural e descumprimento de decisão do Conselho Institucional”, concordou o conselheiro Bruno Caiado.
Os dois únicos votos para manter de pé o desconto de R$ 6,8 bilhões vieram de fiéis aliados de Aras: dos conselheiros Maria Emília Moraes e do atual vice-procurador-geral da República, Luiz Augusto dos Santos Lima, alçado ao cargo por conta da licença de saúde de Lindôra Araújo.
O conselho está sendo presidido interinamente pela subprocuradora Elizeta Ramos, devido à licença de Lindôra Araújo. Elizeta também pode assumir no fim deste mês a chefia da PGR, caso o presidente Luiz Inácio Lula da Silva demore para escolher o sucessor de Aras.
Na primeira parte da sessão, que não foi transmitida no canal do MPF no YouTube, Ronaldo Albo se opôs à realização do julgamento, sob a alegação de que o processo havia sido retirado do Conselho Institucional do MPF por decisão do corregedor nacional do MP, Oswaldo D’Albuquerque.
Elizeta, no entanto, declarou o colega impedido e não contabilizou o voto de Albo contra a análise da liminar de Julieta. Depois, por ampla maioria, os conselheiros decidiram que deveriam, sim, analisar a questão apesar da manobra do corregedor.
Ao final da sessão, Elizeta comunicou aos colegas que avisaria o corregedor sobre a decisão do Conselho de manter a liminar de Julieta.
Integrantes da PGR, no entanto, têm dúvidas se a decisão resolve a polêmica – e aguardam os próximos movimentos de Aras e aliados.
Inicialmente, os R$ 10,3 bilhões do acordo de leniência da J&F seriam distribuídos em quatro partes de R$ 1,75 bilhão a serem distribuídos para BNDES, União, Funcef e à Petros (Fundação Petrobras de Seguridade Social), além de mais duas cotas de R$ 500 milhões, uma para a Caixa e outra para o Fundo de Garantia de Tempo de Serviço (FGTS).
Outros R$ 2,3 bilhões seriam reservados para a execução de projetos sociais.
Mas o grupo, que concordou com a multa em 2017, questiona agora a cifra, alegando excessiva onerosidade e contestando os cálculos adotados na definição da multa.
Com a repactuação, a J&F se comprometia a pagar R$ 3,53 bilhões exclusivamente para a União. Isso significa que BNDES, Funcef, Petros e Caixa não receberiam nenhum centavo. Com a decisão do Conselho, o desconto concedido por Ronaldo Albo perde a validade e, na prática, as cláusulas anteriores voltam a entrar em vigor.
Procurada pela equipe da coluna, a J&F ainda não se manifestou.