O fazendeiro goiano, natural de Jataí, que antes de falecer, em agosto do ano passado, de insuficiência respiratória e outras complicações, deixou testamento com o desejo de transformar sua considerável herança em uma fundação de ensino rural no estado do Acre, foi Ildefonso de Sousa Menezes. Solteiro, que nunca casou, solitário e sem filhos e cujos parentes mais próximos também viviam em considerável situação financeira.
Ildefonso, além de fazendeiro, era advogado e assíduo produtor de artigos nos jornais impressos do Acre, principalmente no pioneiro e extinto “O Rio Branco”, com opiniões diversas e sempre polêmicas.
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Por onde passava e nos artigos que escrevia, se apresentava como inimigo do PT e do movimento dos trabalhadores rurais, criado inicialmente pelos sindicalistas Wilson Pinheiro e Chico Mendes, assassinados nos anos 80, no espaço de oito anos entre o primeiro e o segundo, em Brasiléia e Xapuri, no Alto Acre.
Era na região que estava localizada a principal propriedade da família e depois herdada por Ildefonso, a Fazenda Nova Promissão.
A Fazenda era gerenciada pelo capataz Nilo Sérgio de Oliveira, o “Nilão”, amigo de Ildefonso e também natural de Goiás, que foi apontado pelo movimento dos seringueiros do Alto Acre como mandante do assassinato de Wilson Pinheiro, ocorrido em julho de 1980, dentro da sede do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Brasiléia, no centro da cidade. A autoria do crime, quase 44 anos depois, jamais foi revelada pela polícia.
Para os companheiros de Pinheiro, não havia dúvidas: o assassino ou o mandante do crime era “Nilão”. Essa certeza ficou ainda mais forte depois que um curandeiro da cidade disse que, durante o velório, o corpo do morto deveria ficar emborcado, de costas para cima, e sem seguida, depois de desvirado, uma criança deveria colocar sob a língua do cadáver uma moeda, de qualquer valor.
A tarefa foi cumprida em pleno velório e só entenderam o ritual os amigos mais próximos de Wilson Pinheiro.
De acordo com a crendice, com o ritual, o matador ou o assassino direto ficavam meio que encantados, sem deixar o local do crime e, antes que o enterro saísse, acabaria por se revelar.
Se o ritual fizera efeito ou não, o fato é que logo após a moeda ser colocada sob a língua do cadáver, eis que surge à porta principal da sede do Sindicato, onde estava havendo o velório, Nilo Sérgio de Oliveira, que fazia jus ao apelido no aumentativo, com sua vestimenta de vaqueiro.
Os amigos de Wilson Pinheiro e que cuidavam daqueles preparativos que invocavam o sobrenatural, concluíram que o autor do crime ou o mandante era “Nilão” e que ele também deveria ser abatido.
Lula no Acre
O que seria apenas um acordo tácito entre os companheiros de Wilson, materializou-se sete dias após a morte do sindicalista, em sua missa de Sétimo Dia. A missa foi transformada num ato púbico com a presença de um certo Luiz Inácio da Silva, então presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, em São Paulo, e percorria o país também fundando os diretórios provisórios do PT, do qual Wilson Pinheiro era presidente em Brasiléia.
Aquele sindicalista, com sua barba longa e negra, cabeços em alvoroço, ainda não havia incorporado o apelido Lula como sobrenome e nem em seus melhores sonhos imaginava, em plena ditadura militar, chegar à presidência da República do país, e por três vezes.
“Eu estou cansado de andar o país participando de enterros e de missas de Sétimo Dias de companheiros”, disse o sindicalista. “`Penso que está na hora da onça beber água”, disse, ao fechar seu discurso sobre um caminhão, no qual havia várias lideranças petistas nacionais e do Acre, entre os quais o vereador pelo MDB (mas de mudança para o PT) de Xapuri, Chico Mendes, que seria morto oito anos depois.
Para os companheiros de Wilson Pìnheiro, a senha fora dada. Por isso, mal o pequeno avião levantou vôo no acanhado aeroporto de Epitaciolândia levando de volta os petistas graduados, os da região se agruparam, revisaram as armas e munições e foram para a estrada, hoje chamada de Rodovia do Pacífico, por onde fatalmente “Nilão”, teria que passar e o prenderam.
Primeiro, submeteram-no a um duro interrogatório para que ele confessasse a morte de Pinheiro. A confissão não veio. Em seguida, todos que estavam ali atiram. Foram mais de 50 tiros, constatou a polícia. Estava morto o amigo de Ildefonso Menezes e seu ódio contra o PT e movimentos ligados ao partido só aumentou.
Depois de muitas confusões com petistas locais, o fazendeiro parece ter se reconciliado com o Acre e seus movimentos de trabalhadores. Pelo menos socialmente, e acabou por tomar uma atitude que surpreendeu a muita gente.
Em seu testamento, ele expressou a vontade de que sua fazenda de 5 mil hectares, localizada na BR-317, no Acre, seja transformada em uma instituição de ensino voltada para a comunidade local.
De acordo com o testamento, a Fundação terá como objetivo oferecer cursos nas áreas de pesquisas tecnológicas, agroflorestais, piscicultura, agroturismo, reflorestamento e agropecuária. A diretoria da instituição será composta por cinco membros da sociedade civil.
O processo de implementação da fundação está em andamento na Vara de Registros Públicos, Órfãos e Sucessões e de Cartas Precatórias Cíveis da Comarca de Rio Branco, Acre.
Além da fazenda, Ildefonso possuía terrenos no Conjunto Joafra, em Rio Branco, e valores em dinheiro.
Após a criação e estruturação da fundação, o restante da herança será destinado a ações sociais. De acordo com o testamento de Ildefonso de Sousa Menezes, a fundação deve garantir assistência à sua mãe, irmãos e sobrinhos de primeiro grau, desde que judicialmente declarados incapazes de proverem seu próprio sustento.
O documento foi elaborado em setembro de 2022 na Vara de Registros Públicos 2º Tabelionatos de Notas, e um sobrinho de Ildefonso foi nomeado como inventariante.
O Tribunal de Justiça do Acre divulgou que “as pessoas mencionadas para serem inventariantes e indicadas para presidir a possível fundação” serão convocadas para manifestarem-se, juntamente com os herdeiros e o Ministério Público do Acre (MP-AC). “Depois disso, o processo seguirá para a homologação ou não do testamento, realização do inventário e levantamento das dívidas do espólio. Dependendo da apresentação de contestação ao documento, o caso pode tanto prosseguir quanto alterar o que foi especificado”, esclarece trecho do comunicado.