O governo de Lula oficializou na noite de quinta-feira uma consulta ao Tribunal de Contas da União (TCU) sobre a possibilidade de aplicação dos pisos constitucionais de saúde e educação só a partir de 2024, e não no exercício de 2023. O GLOBO teve acesso ao documento.
No cenário de maior impacto, o governo poderá ser obrigado a aumentar em cerca de R$ 20 bilhões o montante de verbas para saúde especificamente, tirando recursos de outras áreas. O risco de paralisação da máquina pública já foi expressado publicamente pela ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet.
A centralidade do argumento apresentado pelo Ministério da Fazenda ao TCU está na aplicação das regras de gastos mínimos de “forma incompatível com o princípio da anualidade orçamentária” para 2023, bem como a falta de planejamento caso o governo seja obrigado a cumprir os pisos este ano.
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“Mostra-se razoável, do ponto de vista tanto lógico quanto jurídico, dada a transição entre os dois regimes fiscais em 2023, que os mínimos constitucionais de saúde e educação, calculados (…) só se aplicariam a partir do exercício de 2024”, diz trecho.
O fator para a insegurança é que os pisos da saúde e educação voltaram a valer com a nova âncora para as contas públicas (aprovada no meio do ano), mas não ficou claro a partir de quando haveria a validação desses gastos mínimos.
Isto é, a destinação mínima de 15% da chamada receita corrente líquida (RCL) para despesas na área da saúde, bem como 18% da receita resultante de impostos para os gastos com a educação.
Sob a cobertura do teto de gastos, que limitava o crescimento das despesas à inflação registrada no ano anterior, os pisos não estavam valendo.
Apesar de a equipe econômica querer só a partir de 2024, há pressão da base do governo no Congresso para a validade já neste ano. Em um projeto de lei tramitando no Senado, há previsão de elevar em até R$ 5 bilhões os gastos com a saúde, se o texto for aprovado.
“Haveria (com a obrigação de cumprir os pisos em 2023) ofensa ao planejamento orçamentário anualizado além de riscos na própria qualidade da aplicação de recursos caso se entenda pela aplicação dos mínimos constitucionais no ano de 2023, uma vez que a execução orçamentária já está em seu último quadrimestre”, cita o documento.
A PEC da Transição, que previa a substituição do teto de gastos por um novo regime fiscal, já havia permitido o aumento do orçamento com a saúde e educação em R$ 30 bilhões.
Apesar da transição de regras e do teto de gastos ter sido revogado, o novo regime fiscal valerá integralmente a partir de 2024. As despesas primárias (gastos obrigatórios e discricionários), na prática, ainda estão sob a antiga regra de limitação de gastos.
O governo já anunciou, por exemplo, um bloqueio de R$ 3,8 bilhões sobre o orçamento de diferentes ministérios, visando cumprir os limites de gastos da antiga sistemática.
Outra preocupação citada do documento é um possível risco na “qualidade da aplicação de recursos”, considerando que a execução orçamentária já está no seu último quadrimestre. Ou seja, sem o planejamento, uma injeção de recursos no final de ano poderia levar a gastos mal aplicados.
“Sem prévio espaço temporal para planejamento e devida análise da alocação, fomentaria a possibilidade de utilização improvisada de recursos públicos sem que se atinjam, de forma efetiva, os objetivos de política pública subjacentes aos aludidos custeios mínimos e que deles são parte integrante”, diz.
É também mencionado o impacto no resultado primário e a elevação de incertezas sobre o rumo das contas públicas, afetando negativamente as expectativas sobre a economia brasileira.