Um estudo publicado neste mês no periódico The Lancet Global Health mostrou que a prevalência do papilomavírus humano (HPV) em homens com mais de 15 anos é alta. O resultado acendeu um alerta para especialistas de todo o mundo. A pesquisa sustenta que os homens sexualmente ativos, independentemente da idade, são um importante reservatório da infecção genital pelo HPV.
A análise que compilou quase 5,7 mil textos científicos publicados entre 1995 e 2022. “Um em cada três homens em todo o mundo está infectado com pelo menos um tipo genital de HPV e cerca de um em cada cinco está infectado com um ou mais tipos de HPV de alto risco ou com potencial de causar câncer”, apontou a pesquisa. A prevalência foi especialmente alta em adultos jovens, atingindo um máximo entre as idades de 25 e 29 anos.
Doença silenciosa
Segundo a médica urologista e Diretora de Comunicação e membro da Comissão de Infecção da Sociedade Brasileira de Urologia (SBU), Dra. Karin Anzolch, a infecção pelo HPV dificilmente apresenta sintomas. “Quando surgem, geralmente são discretos e podem ser confundidos com outras situações clínicas como fungos e alergias”, afirma.
Em um número expressivo de casos, após a contaminação e infecção iniciais, as manifestações desaparecem espontaneamente. No entanto, antes que isso ocorra, o indivíduo já pode ter contaminado suas parcerias.
Porém, em várias pessoas contaminadas o vírus permanece, vindo a manifestar-se clinicamente em um período médio de 2 a 8 meses. A manifestação pode ocorrer até mais de uma década após. “Vale ressaltar que, mesmo as lesões subclínicas, as que não são visíveis a olho nu, podem levar ao desenvolvimento de lesões pré-malignas e malignas”, alerta a médica.
Sintomas do HPV
As lesões clínicas mais características do HPV são as verrugas, também conhecidas como condilomas acuminados. Como regra, toda lesão verrucosa na área genital deve ser considerada suspeita para HPV até prova em contrário, destaca Karin. Segundo a médica, outras lesões podem ter um aspecto mais plano, como o de placas elevadas e ásperas, ou de pequenos nódulos escurecidos na pele dos genitais.
A médica indica regiões onde as leões mais acometem os homens:
Glande (cabeça do pênis);
Sulco (pescoço do pênis);
Corpo peniano.
Região pubiana;
Bolsa escrotal;
Raiz das coxas;
Períneo;
Região anal;
Cavidade oral, sobretudo pela prática do sexo oral desprotegido.
Karin alerta ainda que, embora sejam assintomáticas, essas lesões são bastante infectantes.
Sobre as lesões subclínicas, como não são visíveis, acabam passando despercebidas e tendo um papel considerável na disseminação do HPV. Isso tanto para os subtipos de baixo, quanto para os de alto risco para o desenvolvimento dos cânceres. Uma avaliação conduzida por médicos treinados pode detectá-las, acrescenta a médica.
Diagnóstico
Conforme a urologista, o diagnóstico do HPV exige, antes de tudo, uma história detalhada do paciente. Isso porque o tempo entre o contágio e a manifestação da infecção é bastante variável. “Conhecer os hábitos sexuais do indivíduo é muito importante até para se estabelecer estratégias de proteção aos contatos e de novos contágios, para essa e outras ISTs, já que há compartilhamento de dos mesmos fatores de risco e de exposição”, justifica
Além disso, saber se o indivíduo foi vacinado para HPV, quando e quantas doses recebeu, também é muito importante. “Muitas vezes recebemos homens assintomáticos para serem examinados porque o exame de alguma ou algum parceiro revelou uma anormalidade sugestiva de infecção por HPV, às vezes até uma lesão pré-maligna ou já maligna, detectada por exemplo, nos exames ginecológicos preventivos”.
No exame físico, se faz uma inspeção genital cuidadosa. Em alguns casos podem ser indicadas biópsia ou coleta de exames de biologia molecular para a confirmação do vírus e do seu subtipo, se é de alto ou baixo potencial de malignidade.
Karin acrescenta que não existem testes sanguíneos para detecção desse tipo de infecção. No entanto, a pesquisa de outras infecções sexualmente transmissíveis (IST) é indispensável quando o indivíduo apresentou uma delas, como o HPV, justamente porque elas compartilham os mesmos fatores de risco e exposições.
Tratamento
Não existe um tratamento específico para o HPV, mas o seu manejo vai depender do tipo e local da lesão. “De forma geral, o que se faz são as terapias ditas ablativas, como as cauterizações a frio, a quente ou químicas, com destruição das lesões e das células infectadas. Pode ser necessário, também, o uso de terapias imunológicas e químicas tópicas na forma de cremes e pomadas”, explica a médica.
Segundo Karin, dificilmente se consegue eliminar todas as lesões de uma vez, e a tendência à recorrência é alta, sobretudo nos primeiros meses que se seguem. Por isso, é importante que o indivíduo tenha consciência de que o tratamento pode ser longo e que a aderência e persistência são fundamentais para os melhores resultados, alerta a médica.
“Se as lesões já tiverem acometido o interior de cavidades, como a boca, o ânus, a uretra ou até a bexiga, o tratamento pode envolver procedimentos cirúrgicos mais complexos, sobretudo quando já houver evidências de transformação maligna. Portanto, o melhor sempre será a prevenção”, destaca Karin.
Por que tratamento é indispensável
A urologista alerta para os riscos de não tratar a doença, o que pode ser especialmente grave para pessoas com imunodeficiência. “Mesmo em indivíduos com imunidade aparentemente normal, as lesões podem se tornar múltiplas, cada vez maiores e mais difíceis de tratar”, alerta. Como frequentemente acometem a área genital, quando visíveis, ocasionam problemas estéticos, preocupações em suas parcerias e até estigmatização, acrescenta a especialista.
Em alguns casos, o HPV pode evoluir para a malignidade, no paciente ou em sua parceria, que é a maior preocupação desse tipo de lesão. “O HPV corresponde à causa mais frequente do câncer de colo uterino nas mulheres e de canal anal em homens que fazem sexo com homens”, alerta.
Além disso, a doença apresenta também correlações importantes com o câncer de pênis e de cabeça e pescoço. “Portanto, todos os esforços pela sua erradicação devem ser feitos pelos órgãos de saúde, além da educação contínua da população e do engajamento da sociedade”, destaca a médica.
Importância do preservativo
O uso de preservativo durante a relação sexual é uma das principais formas de prevenir a contaminação por HPV. No entanto, apesar de ser muito eficaz contra a maioria das ISTs, a proteção, neste caso, não é total – sobretudo quando houver lesões fora da área de cobertura do preservativo ou quando não for utilizado, por exemplo, no sexo oral.
“O preservativo feminino, por ter uma maior cobertura, costuma ser mais eficaz quando usado, logicamente, desde o início da relação. Mesmo sem penetração e sem ejaculação a pessoa pode adquirir o vírus do HPV, se houver contato com a pele e mucosa infectadas, pois é assim que o vírus se transmite”, adverte a médica.
No entanto, é importante promover a importância dos preservativos. “Temos observado uma redução muito importante no seu uso nos últimos anos e isso certamente está contribuindo para a elevação alarmante dos casos de ISTs no Brasil e no mundo, incluindo entre os adolescentes. Muitas pessoas acabam tendo a falsa impressão de que o problema das ISTs está sob controle quando não se toca mais no assunto. Portanto, temos que falar, orientar, insistir e educar constantemente a população”, afirma.
Vacina contra HPV
A vacina contra o HPV, porém, é a medida mais eficaz para prevenir a doença. A vacina é altamente segura e está disponível gratuitamente pelo SUS. O imunizante é indicado para meninas e meninos de 9 a 14 anos, com esquema de 2 doses. “O Ministério da Saúde ainda preconiza que adolescentes que receberam somente a primeira dose, poderão tomar a segunda dose mesmo se tiverem ultrapassado os seis meses do intervalo padrão, para não perderem a chance de completar o esquema”, informa Karin.
Ela acrescenta ainda que alguns outros grupos, como pessoas que vivem com HIV, transplantados ou pacientes oncológicos entre 9 e 45 anos também têm acesso à vacina gratuitamente no SUS, nesses casos, em três doses. “A vacina gratuita do SUS cobre os tipos de HPV mais prevalentes. Também está disponível essa e outras vacinas que englobam outros subtipos de HPV no sistema de saúde privado e complementar. Fora desses grupos específicos, a escolha pela vacinação vai depender de uma discussão entre o médico e o paciente”, conclui a médica.