Desceu à terra fria, nesta sexta-feira (29), do cemitério “São João Batista” – aliás, vizinho a sua casa, no Bairro da Várzea, em Cruzeiro do Sul, o corpo de um dois maiores personagens do rico mas agora mais pobre folclore do Vale do Juruá, o ancião conhecido por Zé Soares, mestre da cultura popular da Marujada no município.
Ele faleceu de infarto em sua casa, cercado dos enteados criados como filhos e da esposa, ao ir à cozinha tomar água. Caiu sem vida por volta das 23 horas do dia 28, mesmo dia em que a cidade de Cruzeiro do Sul, que adotou o menino vindo de Ipixuna (AM) como seu filho, completava 129 anos de fundação.
Zé Soares tinha 81 anos de idade e, desde que deixou o Amazonas, nunca mais deixou Cruzeiro do Sul, onde criou, ao lado de amigos como Bianês, Osvaldo Galego e Aldenor, que também já faleceram, a “Maruja Brigue Esperança Celestial”. Para quem não conhece, a Marujada é uma espécie de folguedo através do qual os nordestinos e aqueles que aqui se incorporaram à cultura do Nordeste contam a saga das viagens pelo Atlântico até os rios da Amazônia, em busca da realização do sonho de conquista do ouro negro, o látex das seringueiras que segundo as lendas e a própria propaganda do governo era uma espécie de ouro que brotava em árvores.
A marujada é, portanto, uma festa de representação através de cânticos e danças encenadas a partir das histórias do que viveram embarcados em navios rumo à Amazônia aqueles homens arrancados de suas terras e tangidos pela miséria. Aqui na Amazônia, como Zé Soares, que incorporou a cultura herdade de seus pais e outros parentes vindos do Nordeste, se não enricaram eles próprios, deixaram contribuição à riqueza do folcore local.
Zé Soares, que foi de fato uma espécie de comandante dessa manifestação durante todo o tempo em que viveu em Cruzeiro do Sul, tem nos enteados a esperança de não deixar a tradição parar. “Vamos lutar por isso. Amarujada era a vida do Zé Soares, um homem digno e honrado e que muito fez pela cultura em Cruzeiro do Sul e no Juruá”, disse ao ContilNet o agente cultural local Charles André.