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Anvisa obriga exposição em alimentos e bebidas sobre nutrientes que podem fazer mal à saúde

Por Tião Maia, ContilNet

Desde o último dia dez de outubro, em todo o país, alimentos e bebidas para a venda em prateleiras terão que trazer informações novas na embalagem, através de um selo. Frontal, informando a quantidade elevada de três nutrientes: açúcares adicionados, gorduras saturadas e sódio.

A informação deverá ser estampada em parte dos produtos das grandes empresas do setor e por pequenos produtores, segundo exigência da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

A embalagem obrigatoriamente terá de exibir o desenho de uma lupa acompanhado da expressão “alto em” e da identificação de um ou mais nutrientes que extrapolam aqueles limites. “As evidências científicas disponíveis indicam que os nutrientes escolhidos são aqueles que, quando consumidos em excesso, estão relacionados com a maior prevalência de obesidade e doenças crônicas não transmissíveis, como diabetes e problemas cardiovasculares”, afirma Tiago Rauber, coordenador de Padrões e Regulação de Alimentos na Anvisa,em boletim divulgado pela agência.

A agência aprovou essa e outras alterações de rotulagem em outubro de 2020, depois de seis anos de estudos e discussões que contaram com a participação de representantes da comunidade científica, da indústria de alimentos, da sociedade civil e da população. O objetivo da inclusão de um selo na parte frontal superior da embalagem e em local de fácil visualização é permitir a identificação de maneira rápida e simples de alimentos com alto conteúdo de algum daqueles nutrientes, sem que o consumidor tenha necessariamente de saber como interpretar os dados da tabela de informação nutricional, aquela encontrada no verso das embalagens, que também sofrerá modificações.

O impacto da mudança não será imediato. A nova legislação estabelece o prazo de 12 meses para os produtos que já estiverem no mercado fazerem as devidas adaptações. Esse período será de 24 meses para os alimentos produzidos pela agroindústria artesanal e de pequeno porte, por agricultores familiares e empreendimentos solidários.

As bebidas não alcoólicas vendidas em embalagens retornáveis terão até 36 meses para se adequar. O não cumprimento das normas é considerado infração sanitária, punível com advertência, multa, inutilização e interdição dos produtos.

No Chile, o primeiro país no mundo a adotar de modo obrigatório a rotulagem frontal de alimentos, associada a restrições de comerciais para crianças e à proibição da venda desses produtos em escolas, os primeiros efeitos começam a se tornar evidentes: houve redução na disponibilidade de alimentos com altos teores desses nutrientes e na compra pelas famílias. Análises econômicas sugerem que as medidas não afetaram de modo significativo as empresas do setor.

“O selo frontal traz um pouco de equilíbrio entre a informação publicitária, que destaca atributos positivos do produto, e aquela que de fato é útil para o consumidor, em geral negativa e mais difícil de ser identificada”, explica a nutricionista Laís Amaral Mais, pesquisadora do Programa de Alimentos do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), uma das entidades que participaram das discussões sobre a nova rotulagem. “A expectativa é que o selo em formato de lupa ajude as pessoas a comer de modo consciente, sabendo o que estão consumindo.”

O Brasil foi um dos primeiros países no mundo a tornar obrigatória há cerca de duas décadas a descrição nutricional em alimentos embalados na ausência do consumidor. As regras exigiam a discriminação de valor energético, além do conteúdo de carboidratos, fibras alimentares, proteínas, gorduras e outros nutrientes – entre eles, aqueles destacados por suas propriedades positivas.

De 2014 a 2016, um grupo de trabalho criado pela Anvisa diagnosticou a dificuldade de entendimento e interpretação das informações da tabela de informação nutricional por parte dos consumidores, o que motivou a revisão das regras de rotulagem.

Uma característica que atrapalhava o entendimento da tabela era a linguagem técnica usada na descrição dos nutrientes e a presença de dados em diferentes unidades de medida, o que exige algum grau de conhecimento científico para serem interpretados. O domínio desse saber é baixo no Brasil, onde quase 30% da população tem dificuldade de compreender textos simples).

Em um levantamento realizado em 2015, o Instituto Abramundo, organização social voltada para a disseminação da cultura científica, ouviu 2.002 jovens e adultos de 211 municípios brasileiros para avaliar o grau de letramento científico, a habilidade para entender conceitos, vocabulário e fatos básicos da ciência. Na ocasião, quase metade dos participantes (48%) afirmou que não seria capaz de interpretar ou interpretaria com dificuldade as informações nos rótulos de alimentos. Essa proporção caía para 35% entre aqueles com maior letramento científico.

A complexidade da tabela era agravada pelo uso de nomes técnicos diferentes para descrever ingredientes com funções semelhantes. Na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), a equipe da nutricionista Rossana Proença analisou o rótulo de 4.539 produtos disponíveis em uma grande rede local de supermercados a fim de identificar a presença de açúcares adicionados, carboidratos simples que são acrescentados durante a produção do alimento para aumentar o dulçor. De fácil digestão, esses nutrientes, se consumidos em excesso, aumentam o risco de cáries, diabetes e doenças cardiovasculares. Dos produtos analisados, 71% (3.214) tinham pelo menos um tipo de açúcar adicionado, relataram os pesquisadores em artigo publicado em 2018 na Public Health Nutrition. Esses compostos apareciam nas embalagens com 179 nomes distintos. Os mais comuns eram açúcar refinado e maltodextrina. Mas também podiam surgir como dextrose, glicose, frutose, açúcar invertido, melaço, xarope de milho, entre tantos outros.

Para auxiliar a escolha do consumidor, a Anvisa decidiu alterar as regras de rotulagem para incluir o selo frontal, com informações mais diretas sobre a composição nutricional dos alimentos. Há mais de uma década a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda a adoção da rotulagem frontal nas embalagens como uma das estratégias para reduzir o consumo excessivo de alimentos considerados não saudáveis.

Antes de selecionar o modelo a ser adotado no Brasil, a Anvisa analisou a experiência de outros países e as evidências disponíveis na literatura científica, que mostraram que os modelos de alto conteúdo – aqueles com a expressão “alto em” – eram superiores aos demais no que diz respeito à capacidade de compreensão das informações. Como não havia comparação entre o desempenho dos diferentes modelos de “alto em”, a agência fomentou, via Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), dois estudos com a população brasileira, um realizado por pesquisadores da Embrapa e outro por uma equipe da Universidade de Brasília (UnB). O resultado, segundo a agência, mostrou que eles tiveram desempenho similar.

Uma análise de 11.434 produtos encontrados nas cinco maiores redes de supermercados brasileiras, publicada em 2020 na revista Public Health Nutrition, sugeriu que 62% deles deveriam receber o rótulo frontal, se fossem seguidos os valores da Opas, e 45% de acordo com os da Anvisa. Coordenada por Ana Clara Duran, pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Alimentação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e colaboradora do Nupens, a avaliação se baseou em valores inicialmente mais restritivos propostos pela agência regulatória brasileira. Na regra aprovada em 2020, porém, foram adotados limites mais elevados. Análises posteriores realizadas por Duran – e compartilhadas com a Anvisa antes da aprovação da nova regra – indicaram que, com os limites mais elevados, um em cada quatro produtos com alta quantidade daqueles nutrientes deve deixar de receber o rótulo.

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