O fenômeno havia sido inicialmente descoberto por pesquisadores em 2010, quando os rios amazônicos experimentaram o que seria a seca capaz de fazer baixar seus níveis de águas a marcas inimagináveis em tempos de cheias. Agora, em 2023, com os rios ainda mais secos, as gravuras em forma de rostos humanos submersas nas paredes rochosas do sítio arqueológico e geológico das Lajes, à margem do rio Negro, em Manaus, voltaram a aparecer.
O sítio arqueológico é a prova da presença humana na parte que agora, em período de cheias, fica submersa. Está localizado na região do Encontro das Águas. Numa das pedras está desenhada uma feição quadrada. A seca de 2023 no Amazonas já é considerada a maior em mais de 100 anos, com o agravante das altas temperaturas, degradação ambiental e fumada.
Especialistas estimam que os petróglifos, como também são chamadas por arqueólogos essas gravuras, têm entre 1.000 a 2.000 anos. O sítio das Lajes foi o primeiro de Manaus a ser registrado no Cadastro Nacional de Sítios Arqueológicos (CNSA) do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e é um dos mais degradados. Ele abrange uma área que inclui encostas de terra preta, fragmentos cerâmicos e urnas funerárias, além das gravuras. Grande parte, porém, desapareceu por ações humanas e obras sem salvaguarda suficiente.
Outro bloco rochoso destas gravuras ainda está debaixo d´água, mas deve aparecer nos próximos dias, caso o rio Negro continue baixando. Em 2010, as que estão localizadas mais abaixo foram avistadas em apenas um dia e logo depois, quando o rio começou a subir, voltaram a ficar submersas.
Além das gravuras que reproduzem rostos humanos, também são encontrados, na parte de cima do pedral, imagens de animais e representações das águas, além de cortes nas rochas que mostram resultados de oficinas líticas – significando que as ferramentas para as gravuras eram confeccionadas ali mesmo.
Embora as gravuras do sítio das Lajes nunca tenham sido estudadas, a avaliação cronológica pode ser estimada com estudos comparativos feitos no sítio arqueológico Caretas, no rio Urubu, no município de Itacoatiara (a 175 quilômetros de Manaus), por semelhanças que existem em comum.
A arqueóloga Marta Sara Cavallini estudou este sítio, que tem as mesmas características das do sítio das Lajes, documentando as centenas de figuras gravadas nas rochas e procurando entender a antiguidade dos vestígios.
O arqueólogo Filippo Stampanoni Bassi, que pesquisou o sítio Caretas junto com Marta, afirma que datar as gravuras rupestres é um desafio particularmente complexo, mas sabe-se que nessa época havia populações indígenas que moravam em grandes aldeias em frente ao Encontro das Águas. “Esses locais, hoje sítios arqueológicos com terra preta, grandes quantidades de fragmentos de cerâmica e gravuras rupestres, contam a história indígena antiga da região e precisam ser considerados com respeito por todos nós que moramos hoje em Manaus”, disse o arqueólogo.
Diferente do sítio Caretas, as gravuras do sítio das Lajes estão em paredes extensas e debaixo da água, o que torna seus estudos complexos, mas ao mesmo tempo lhes dão uma mística enigmática. Não se pode afirmar nem mesmo como as gravuras foram feitas ou se foi em uma época de grande seca ou se o rio, há mais de mil anos, tinha um nível mais baixo do que atualmente.
Quando as gravuras apareceram em 2010, especialistas chegaram a estimar que elas tinham 4 mil anos ou mais. “A gente achava que era bem antigo. Que devia ter uma época que era mais seca na Amazônia. Só que a Marta Cavallini encontrou umas coisas parecidas no rio Urubu e conseguiu fazer umas datações e a idade era de pouco mais de mil anos ou dois”, conta um pesquisador.
Para completar, os fragmentos cerâmicos que restaram no areal que contorna o pedral foram soterrados pelo desabamento de uma escadaria de mais de 30 metros feita de pneus pela prefeitura de Manaus. Ao redor, o lixo se acumula embaixo de árvores espalhadas por visitantes ocasionais que vão à área em dias de lazer para banhar-se no rio e pescar, sem saber que se trata de um sítio arqueológico.
O pedral tem muitos rabiscos feitos por visitantes recentes, com nomes e datas do século 20 e 21. Muitos blocos estão quebrados, resultado de implosões para retirar as pedras para obras em Manaus nas décadas de 70 e 80, conforme os registros junto a moradores mais velhos.
O pedral faz parte de um sítio arqueológico que abrange grande parte do bairro Colônia Antônio Aleixo. Em uma área chamada Onze de Maio, dentro do bairro, foi identificada a circunferência de uma urna funerária resgatada em 2012 pelo arqueólogo Carlos Augusto Silva e levada para o laboratório de arqueologia da Universidade Federal do Amazonas (Ufam).
Uma das imagens mais impressionantes do pedral identificado em 2020 é o desenho de um rebojo (palavra local para “redemoinho”) de rio. A mesma gravura estava desenhada em um fragmento cerâmico no mesmo ano. Ele foi fotografado e deixado no mesmo lugar. Esse desenho ainda não foi encontrado em 2023. Segundo o ativista, há 13 anos, ele e um grupo de pessoas que fizeram a pesquisa, optaram por não fazer marcações dos desenhos para evitar pichações. Então, é preciso fazer a busca novamente, começando do zero.
Outro impacto que o sítio sofreu foi durante as obras do Programa Águas de Manaus (Proama), do governo do Amazonas, para a construção da Estação de Captação de Água das Lajes, na Zona Leste. Na ocasião, a obra foi iniciada sem ações de salvaguarda e foi interrompida por decisão do Iphan para retirada de alguns recipientes do sítio antes de serem destruídos pela terraplanagem.
Na arqueologia, o sítio das Lajes foi inicialmente identificado como “sítio-habitação” com três componentes: fases Paredão, Guarita e Itacoatiara. O sítio das Lajes tem esse nome por estar localizado em uma formação de rocha de formação Alter do Chão. Ou seja, ele também é um sítio geológico de estrutura chamado Arenito Manaus. Daí que ele tem formações de pequenas lagoas que nunca secam na face do pedral e que estão acima do nível do rio.