ContilNet Notícias

Imobilização, sexo oral forçado, tapas no rosto, terror psicológico: o que dizem as denúncias contra influencer religioso preso

Por O Globo

Victor Bonato: influencer religioso foi preso temporariamente, suspeito de ter estuprado mulheres — Foto: Reprodução

O inquérito que baseia a prisão temporária do influenciador religioso Victor de Paula Gonçalves, de 27 anos, conhecido como Victor Bonato nas redes, tem como principais pilares os relatos detalhados dados por três supostas vítimas em depoimento à polícia no mês passado, que procuraram a Delegacia da Mulher de Barueri e o acusaram de estupro e violação sexual mediante fraude. Todas eram fiéis, seguidoras do Galpão, espécie de igreja ou seita religiosa comandada por Bonato e pelo menos mais um sócio na área nobre de Alphaville. A decisão da Justiça de SP levou em consideração ainda a possibilidade de o coach fugir, já que havia dito que “se isolaria num retiro espiritual” ao saber das queixas e chegou a desativar alguns perfis na internet.

O processo contra Bonato, que corre sob sigilo na 2ª Vara Criminal de Barueri e autorizou sua prisão, foi antecipado pelo jornal Metrópoles e também obtido pelo GLOBO. Os detalhes dos depoimentos dados pelas três mulheres – de 19, 20 e 24 anos – são muito parecidos e, se comprovados, indicam um padrão praticado pelo influencer. Os relatos são sensíveis. Em sua decisão, o juiz Fabio Calheiros do Nascimento inclusive ressalta o fato de as três terem características físicas semelhantes.

Agressões e terror psicológico

A primeira mulher a relatar o que teria vivido com Victor Bonato foi uma estudante de 19 anos. Ela contou à polícia que o influenciador sempre passou a impressão de ser um homem religioso e bem-intencionado, mas que a relação com ele começou a mudar a partir de junho, quando eles assistiam a um filme e ele passou a mão pelo corpo dela. Era apenas um primeiro indício do que poderia estar por vir. O relato é sensível e envolve violências física, sexual e psicológica. Tudo teria acontecido num intervalo de cinco dias.

Depois desse primeiro incidente, ela conta que Victor começou a procurá-la e, por mensagens, dizia estar interessado nela. Insistia para marcarem um encontro. Àquela altura, segundo ela, por ainda “acreditar que ele era um homem correto”, acabou combinando de encontrá-lo em sua casa. Nesse dia, diz ter vivido o primeiro momento de violência. Eles se beijaram, deitados num colchão, e Víctor colocou a mão dela à força em seu pênis. Ela, então, ordenou que ele parasse. Os beijos continuaram e ele, em seguida, insistiu para que ela tirasse a blusa e ficasse apenas de sutiã. Ela também negou várias vezes, até acabar cedendo à vontade dele. Por fim, o influencer teria insistido para que eles transassem. Ela negou mais uma vez e disse que “não faria nada com ele”.

Segundo a denunciante, após a negativa, Victor a imobilizou, segurando seus punhos e jogou o corpo por cima dela, impedindo que ela se movimentasse. Disse que pediu para que ele parasse e a reação dele teria sido de afirmar que “já que ela não queria ter relações com ele, descreveria todos os atos sexuais que gostaria de praticar com ela”.

Um terceiro episódio teria acontecido no dia 8 de junho, relata a mesma vítima. Acompanhada de uma amiga – que também denuncia abusos do influenciador no inquérito –, ela mais uma vez foi à casa de Victor ver um filme. Novamente, ele teria começado a passar a mão pelo seu corpo, mesmo com a presença da outra mulher. A denunciante, então, resolveu ir para casa, irritada com a situação. Ela conta, então, que o influenciador mandou uma série de mensagens pedindo para encontrar com ela e que acabou indo até a sua casa. Após uma conversa, eles acabaram tendo uma relação sexual que, ela conta, no início foi consensual, mas depois foi se tornando um verdadeiro pesadelo.

A estudante contou aos policiais que, durante o ato sexual, em determinado momento, Victor teria começado a ficar extremamente agressivo. Teria começado a agredi-la com força, dando tapas em seu rosto e dizendo que estava fazendo aquilo “por você não ter me dado daquela vez”, referindo-se aos episódios anteriores, quando ela se negou a transar com ele. A jovem disse que ficou em choque e “com muito medo do que Victor poderia fazer com ela”. Enquanto a agredia e ameaçava, ele prosseguia com a penetração, e fazendo provocações: “eu vou fazer o que eu quiser com você”.

Por fim, no dia 9 de junho ela voltou a se encontrar com o influenciador. A suposta vítima disse que ficou muito assustada com tudo o que aconteceu, mas que ainda continuava conversando com o influencer. Eles teriam dormido juntos e, no dia seguinte, ele teria dito: “vou te dar duas opções, ou eu vou te levar para almoçar e você vai me deixar puto, ou eu vou tirar toda a sua roupa”, em tom de ameaça. Com medo, ela disse ter se sentido forçada a tirar a roupa para ele mais uma vez.

Sexo oral forçado

segundo relato é de uma jovem de 20 anos, também estudante. As denúncias são muito parecidas e envolvem supostos abusos e muita insistência por parte do acusado. Ela contou aos policiais que, no dia 27 de julho, foi até a casa de Victor, quando o influencer teria começado a passar mão pelo seu corpo. Ela ficou irritada com a situação e diz ter ido embora.

Dois dias depois, acabou voltando à casa de Victor e, consensualmente, trocou beijos com ele. A situação mudou quando ele, assim como havia feito antes com a primeira denunciante, resolveu pegar a mão dela e colocar à força em seu pênis. Em seu depoimento, a jovem diz que toda vez que tirava a mão ele ia e colocava de novo, por várias vezes, mesmo enquanto ela pedia para que ele parasse. Depois, por cerca de 30 minutos ela conta que ele teria insistido para que ela fizesse sexo oral nele, até que ela se cansou daquela situação e foi embora.

Depois disso, a estudante conta que Victor, em algumas ocasiões, passou a enviar mensagens de cunho sexual, dizendo que estava excitado etc. No último dia 20 de agosto, ela conta que acabou aceitando um convite para ir à casa dele, onde acabaram se beijando mais uma vez, mas ela teria se surpreendido quando, durante o beijo, ele teria abaixado as calças e insistido, mais uma vez, para que ela fizesse sexo oral nele. Ela diz que, de novo, ele insistiu por muito tempo, até que falou: “Quão brava você vai ficar comigo se eu colocar na sua boca?”, e ela afirma que deixou claro que não queria que ele fizesse aquilo. Ele, no entanto, colocou o corpo por cima dela enquanto ela estava deitada no sofá, imobilizando-a, e colocou o pênis à força em seu rosto. Ela relata que, mesmo enquanto ela pedia para que ele parasse, ele continuava com o ato. A violência só terminou, segundo ela, quando ela tocou no pênis dele no sentido de afastá-lo e ele acabou ejaculando. Ela conta que foi embora e ele nunca mais voltou a tocar no assunto.

Empresária diz ter sido esganada e violentada

A terceira denúncia foi feita por uma mulher de 24 anos, empresária. O relato, mais uma vez, é muito parecido com o das outras supostas vítimas. A mulher disse na delegacia que Victor, na casa dele, também passou a mão pelo seu corpo sem que ela permitisse e acrescentou que ele utilizava de vários argumentos e da sua influência como um líder religioso para tentar fazer com que ela tivesse relações sexuais com ele, até que acabou consentindo.

Ela narra que no dia 22 de julho ia embora de um restaurante com Victor e uma amiga – também denunciante no processo –, e os três foram para a casa dela. Chegando lá, ele esperou o momento em que os dois ficaram a sós e tirou a própria roupa para esperá-la e surpreende-la. Ela disse que o influenciador insistiu para que eles transassem e que, neste momento, acabou segurando-a pela cabeça, forçando que ela fizesse sexo oral nele sem o seu consentimento.

Ela prossegue o depoimento e afirma que pediu para que Victor parasse, mas que ele continuou forçando. Depois, tiveram relações sexuais, e a denunciante afirma que acabou consentindo com a penetração, até o momento em que Victor começou a segurá-la com força pelas mãos e a teria esganado. Ela, então, pediu novamente para que ele parasse. Ela conta que ele continuou e que, ao fim do ato, ele saiu de cima dela e foi dormir em outro quarto. Exigia sempre para que ela não falasse nada para ninguém e, conta ainda, sempre agia de forma agressiva, se utilizando da autoridade que ele tem como líder espiritual.

‘Eu não estou pedindo para você tirar a blusa, eu estou mandando’; veja transcrição de áudios

Além disso, contou aos policiais que, conversando com outras amigas que frequentavam o Galpão, começou a perceber que Vítor já havia realizado comportamentos parecidos com outras meninas, o que indicava um padrão de comportamento e o que as motivou a registrar a ocorrência na Delegacia da Mulher.

Esta terceira mulher que diz ter sido vítima de Victor forneceu ainda à polícia quatro áudios enviados pelo influenciador a ela via WhatsApp. O conteúdo sensível foi transcrito no inquérito que baseou o pedido de prisão dele e consta no processo, que corre sob sigilo. O intuito do suspeito era de obter fotos dela nua.

“Repare que em alguns momentos dos áudios Victor se mostra ofegante e pelo seu tom de voz e o enredo dos áudios há indicativos que ele esteja excitado e muito provavelmente se masturbando”, pontua o delegado que colheu os anexos.

  • Áudio 1 – 17 segundos:

Victor: “Cara, você não tem nem criatividade, tipo assim, você está tentando usar uma fala minha para escapar do fato de que você arregou, isso daí eu posso fazer a qualquer hora, agora… te pegar de quatro gostosinho, tô duro, na sala seria inesquecível”.

  • Áudio 02 – 14 segundos:

Victor: Olha só, eu acho que você tem o teu juízo. Eu não estou te pedindo para você tirar a blusa, eu tô mandando, caralho!!! Tira a porra da blusa e mostra esse peito gostoso que você tem, para mim, anda!!!

  • Áudio 03 – 21 segundos:

Victor: Para de gracinha e mostra logo, anda!!! Tá maluca que você vai me desobedecer, pra tudo tem a primeira vez e sua primeira vez vai ser comigo de mandar, então manda vai. E outra coisa que eu quero ver é aquela bunda gostosa que você tem, com aquela calcinha preta de renda maravilhosa que você estava aqui.

  • Áudio 04 – 14 segundos:

Victor: Sacanagem você fazer isso, vai meter um (incompreensível)? Vai me deixar na mão? Vai negar fogo? Primeira vez na vida, vai negar fogo mesmo? Real? Não estou botando fé.

Depois de tomar ciência sobre as denúncias, Victor teria dito nas redes que sumiria um tempo para mergulhar num retiro espiritual. Apagou perfis em redes sociais onde acumulava centenas de milhares de seguidores e apagou alguns rastros. A possibilidade de o suspeito fugir também embasou o pedido de prisão temporária, que foi acatado pela Justiça.

Ministério Público de São Paulo também se manifestou favorável à prisão de Victor, pontuando que “revela o infrator incontrolável inaptidão para o convívio social e, em liberdade, certamente voltará a delinqüir, com sério prejuízo à tranqüilidade e à ordem pública, uma vez que é tido como um líder religioso, sendo cercado por inúmeros adolescentes e jovens, gozando de grande influencia entre eles”.

A promotoria acrescentou ainda que, “há a informação da existência de outras vítimas, ainda não identificadas, que podem ser coagidas a não denunciarem os abusos, diante do poder que o averiguado teria sobre os frequentadores da instituição religiosa”, e que ele “poderia estar planejando se evadir, sobre o pretexto de realizar um retiro espiritual, já tendo desativado os perfis nas redes sociais”.

Em trecho da decisão que autorizou a prisão temporária, o juiz também cita, concordando com o inquérito policial, a necessidade de manter Victor preso para evitar que ele prejudique as investigações que ainda estão em curso.

“No mesmo relatório foram transcritos algumas mensagens de áudio atribuídas ao suspeito e enviadas às vítimas. Nessas mensagens de áudio ele não faz referência expressa à sua posição na organização religiosa, mas explicitamente exige de modo insistente e agressivo obter imagens do corpo das vítimas, usando as expressões “para de gracinha”, “estou mandando” e “está maluca que você vai me desobedecer”. Tais conteúdos atribuídos ao suspeito corroboram o relato das vítimas e tornam factível a alegação de que ele pode ter inclusive usado de força física para a prática de atos sexuais contra a vontade delas”, destaca.

“De outro lado, a autoridade policial demonstrou a necessidade da prisão temporária para a investigação. Tratando-se de pessoa que exerce algum influência no âmbito de um grupo religioso, contexto no qual os supostos crimes teriam sido praticados, é de se acreditar que sua liberdade possa acarretar risco para o livre desenrolar das investigações, especialmente a identificação de eventuais outras vítimas e testemunhas”, acrescenta, e conclui: “como os indícios apontam para a prática de crime de estupro, considerado hediondo, nos termos do artigo 1o, II, da Lei 8.072/90, é possível a duração da cautelar por 30 dias”.

Confissão e pedido de desculpas

Antes de ser preso, Victor postou um vídeo nas redes sociais no qual diz ter “cometido pecados” e caído em “imoralidade e iniquidade”. “Fui contrário a tudo que eu prego e desagradei o coração de Deus. Falhei com Deus, com minha família e em todos que confiam em mim”, afirma na gravação que ainda diz estar envergonhado e arrependido pelo que fez.

E segue “Eu magoei pessoas, feri pessoas e trouxe vergonha para um ministério lindo que é o Galpão. Estou vindo publicamente me confessar porque decidi deixar isso pra trás e eu quero construir certo, na luz, a partir de agora. Vim confessar pra que fique claro que errei e falhei, não o Galpão”. Na sequência, sem dar detalhes, refere-se “às meninas”. “Quero pedir perdão às meninas com quem eu falhei, que eu defraudei e magoei, com quem eu não tive atitude de homem”.

O que diz a defesa

A advogada de Victor, Samara Batista Santos, afirmou por meio de nota que “é importante ressaltar que meu cliente nega veementemente as alegações contra ele, embora ainda não tenha sido realizado o interrogatório, em sede policial, com a sua versão”, diz o documento.

Na sequência, Samara faz menção ao vídeo. “Informo que o investigado emitiu um pedido de perdão perante as partes envolvidas, em sua redes sociais, referente ao seu comportamento considerado pecaminoso, no âmbito religioso, sem ainda estar ciente de quaisquer acusações judiciais que estão atualmente em processo de investigação pelas autoridades competentes para fins de esclarecimentos”, diz a nota.

Samara ainda diz que “A alegação anunciada na mídia será contestada por meio de provas dentro do processo, em conformidade com o ordenamento jurídico”. A defesa de Victor já emitiu um pedido de revogação da prisão temporária.

INFLUENCER RELIGIOSO PRESO:

Em contato com a reportagem, reforçou que entrou com pedido de habeas corpus.

— Já existe pedido de liberdade no processo, que ainda não foi apreciado — disse.

Sair da versão mobile