Um movimento migratório tem chamado a atenção dos acreanos nos últimos anos, milhares de conterrâneos encontraram, na Paraíba, uma nova promessa de vida e oportunidades. Mergulhamos nas possíveis razões por trás dessa tendência crescente, que tem impulsionado um considerável contingente de acreanos a fazer o caminho rumo a esse “El Dorado” no Nordeste brasileiro, o estado da Paraíba.
Apesar de não haver dados oficiais sobre o quantitativo de acreanos que já se mudaram para a Paraíba, é fácil saber que esse número grande. Praticamente todo mundo tem um amigo ou parente morando na Paraíba, sobretudo na capital João Pessoa. No Instagram, as fotos dos amigos nas praias da Paraíba se multiplicam a cada dia.
O IBGE considera migração o deslocamento, temporário ou definitivo, de mudança de residência de um país para outro ou, dentro de um mesmo país, de uma região para outra.
A imigração envolve a mudança de um lugar para outro. É uma experiência que quebra com a continuidade da vida e pode causar sofrimento para o imigrante, pois ele se encontra em uma situação de transição entre o “ser” e o “estar”. Não é uma fusão completa, nem uma oposição total aos lugares onde pertence e às memórias associadas a eles. Isso leva a construção de uma nova identidade.
Aqueles que se mudam podem enfrentar o julgamento da sociedade de origem, que muitas vezes os vê como fugitivos ou traidores, e da sociedade de destino, que os considera intrusos. Para serem tolerados, eles precisam evitar causar problemas, contestar ou expressar objeções, e muitas vezes ocupam um espaço de invisibilidade social e moral.
O sonho da qualidade de vida
Rayssa Natani, jornalista natural do Acre, representa uma das muitas vozes que compõem essa jornada de busca por uma vida melhor. Há quase três anos, Rayssa e sua família se mudaram para João Pessoa, capital paraibana. Sua história reflete a determinação de muitos acreanos que há muito sonhavam com um lugar com mais qualidade de vida e, de quebra, perto do mar.
“Meu marido chegou em outubro de 2020 para fazer um concurso da prefeitura, alugou apartamento, organizou tudo pra minha chegada em dezembro com meu filho. Em seguida, vieram minha mãe e meu padrasto, em janeiro de 2021. Depois meu cunhado veio com a esposa, em fevereiro do mesmo ano. Minha sogra e meu sogro não aguentaram de saudade dos filhos e do neto e vieram também um ano depois, em 2022”, conta Natani.
A relação entre o Acre e o Nordeste é marcada por laços históricos profundos. Como Rayssa observa, “o acreano tem raízes nordestinas. Somos filhos, netos e bisnetos de imigrantes nordestinos. É tanto que muitos dialetos e expressões são semelhantes”, o que reforça a conexão cultural entre as duas regiões.
Contudo, a pandemia da Covid-19 trouxe reflexões profundas. O isolamento levou Rayssa a repensar seus sonhos. “Durante a pandemia, o isolamento mexeu muito com o emocional de todos. Me fez pensar sobre esses sonhos que talvez não tivesse tempo de realizar, a gente viu a morte muito de perto.”
Ela e sua mãe decidiram não mais adiar seus sonhos e escolheram a Paraíba como destino, atraídas pelas histórias de amigos acreanos que já viviam em João Pessoa e que elogiavam as oportunidades e a qualidade de vida na cidade, que recentemente foi eleita a melhor cidade para se viver no Brasil.
Um salto nas oportunidades de emprego
O índice surpreendente de criação de empregos na Paraíba, em comparação com outros estados, se destaca como um dos principais motivadores desse êxodo. Os dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) do Ministério do Trabalho e Emprego revelam que a Paraíba gerou 8.782 novos postos de trabalho em agosto deste ano, um saldo de 23.284 admissões e 14.502 desligamentos. O maior crescimento do país no estoque total de trabalhadores, de 1,95%, índice que supera a média nacional de 0,51% em quase quatro vezes. Enquanto isso, o Acre registrou um dos menores saldos, com 448 novos postos de trabalho, a frente apenas do Espírito Santo, que registrou 315.
Apesar disso, nem tudo são flores. A jornalista destacou que o mercado de trabalho da Paraíba é desafiador, mas sua família tem prosperado como empreendedores, um testemunho da determinação daqueles que buscam uma vida melhor.
“Ao contrário do que se pensa, a gente não vive na praia o tempo todo, porque trabalhamos dobrado por aqui, já que no nordeste as oportunidades de emprego são escassas e o salário é muito mais baixo do que no norte. Nesse ponto tem sido muito difícil. João Pessoa parece muito com Rio Branco em relação a cultura do QI (quem indica), se você não tiver uma pessoa para te indicar para uma vaga, dificilmente consegue um bom cargo”, lamenta.
Nordeste, terra do futuro
Para além da Paraíba, a região Nordeste como um todo pode experimentar um momento de grande expansão econômica na próxima década. É o que dizem as projeções da Tendências Consultoria para o período de 2025 a 2035. O motivo é uma série de investimentos públicos e privados programados para os próximos 10 anos.
Os principais investimentos listados pela consultoria é o de US$ 8 bilhões na Refinaria Abreu e Lima, no município de Ipojuca (PE), feito pela Petrobras para ampliar a capacidade de refino no país. A primeira unidade, com capacidade para refinar 115 mil barris de petróleo por dia, está em operação desde 2014. Já o segundo projeto acrescenta capacidade de refino de 150 mil barris. Também em Pernambuco, o grupo automotivo Stellantis investirá aproximadamente US$ 1,5 bilhão para ampliação do parque de fornecedores em Goiana (PE).
No Ceará, serão investidos aproximadamente US$ 830 milhões para implantação de uma refinaria no Complexo do Pecém, da empresa Noxis Energy.
Fora os investimentos privados, há os programados do Novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), de quase R$ 700 bilhões em todo o Nordeste.
Mas se engana quem pensa que há um favorecimento no direcionamento desses investimentos para o Nordeste. Para o Sudeste, por exemplo, os investimentos programados superam os esperados para o Nordeste em valores monetários totais, mas são menores, proporcionalmente, ao tamanho da sua economia. Ou seja, em regiões mais desenvolvidas, esses aportes de investimento têm impactos menores.
A Paraíba dos acreanos
Com um número que só cresce a cada dia, os acreanos que moram na Paraíba encontram nas pessoas da sua própria terra motivos para continuarem seus sonhos, mesmo longe de casa. O WhatsApp foi uma dessas saídas para fortalecer os laços de amizade e pertencimento, e não deixar os elementos culturais para trás. “Estou em um grupo do WhatsApp de mais de 500 acreanos na Paraíba. Existe uma comunidade muito grande, que troca bastante informações virtualmente, mas confesso que não tenho muito contato pessoalmente com quase ninguém do grupo. A correria é muito grande quando a gente sai da nossa zona de conforto pra recomeçar a vida do zero, sem emprego. Mas os poucos amigos que temos aqui são acreanos. Os paraibanos são receptivos, mas são muito mais fechados do que os acreanos em termos de amizade”, explica Rayssa.
Um novo começo na Terra da Hospitalidade
A Paraíba oferece não apenas oportunidades de emprego, mas também uma qualidade de vida atraente. Sobre isso, Rayssa partilha: “Em relação a lazer, segurança e educação, é incomparável. Não faltam opções de lazer, passeios, atrações, shows, investimento na cultura. E a educação pública é muito melhor. O clima é extremamente agradável. Aqui faz calor mas o vento é fresco. Dormimos sem ar-condicionado e de janela aberta. Então, apesar das dificuldades, eu não me arrependo e sequer penso em voltar para o Acre”.
A migração de acreanos para a Paraíba é mais do que um movimento econômico, é um testemunho da determinação daqueles que ousam sonhar e fazer a mudança necessária. Rayssa e sua família são exemplos vivos do “El Dorado” encontrado na Paraíba, onde a promessa de oportunidades e qualidade de vida continua a atrair aqueles que ousam buscar uma vida melhor.