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“Tive que tirar meu olho”: o drama de pacientes após cirurgia no Amapá

Por Metrópoles

Aos 59 anos, o mestre de obras Raimundo Magno Nunes decidiu fazer uma cirurgia de catarata para melhorar a visão. Diante do preço de uma operação pela rede privada, recorreu ao programa Mais Visão, do governo do Amapá. A primeira cirurgia foi bem-sucedida, o que lhe deu coragem para fazer o procedimento no outro olho. Foi aí que o pesadelo começou.

Os médicos realizaram, no dia 4 de setembro, a nova cirurgia em Raimundo. Três dias depois, ele começou a sentir intensas dores no olho. Ao voltar ao local em que foi operado, acabou informado de que a situação não era grave e que uma lavagem para retirar eventuais resíduos resolveria. Mas não resolveu.

“Poucos dias depois, eu não enxergava mais nada”, contou. Só no dia 11/9, sete dias após a cirurgia, ele foi diagnosticado com endoftalmite, uma grave e rara infecção no interior do olho. Na ocasião, foi aplicada uma injeção com antibiótico no local. Insatisfeito com o atendimento no programa, Raimundo pegou todas as suas economias e buscou um médico privado no Paraná.

No estado, o profissional que o acompanha receitou mais injeções para conter a infecção que havia se alastrado e realizou alguns procedimentos de “vitrectomia”, que consiste na substituição de parte ou de todo o vítreo do olho (fluido transparente que preenche quase todo o globo ocular). Mas nada funcionou. Raimundo então recebeu uma notícia desesperadora: a melhor solução seria retirar o olho.

O caso de Raimundo não é isolado. Um mutirão realizado pelo programa Mais Visão, que recebe recursos do governo estadual e federal via emenda parlamentar, gerou um surto de endoftalmite. De 141 pessoas que passaram por cirurgia de catarata no dia 4 de setembro, 104 tiveram a infecção no olho – dentre elas, 40 desenvolveram complicações graves, como olhos perfurados, com indicação de cirurgia de transplante de córnea, segundo informações da empresa que realizou as operações.

Metrópoles conversou com mais de 15 pessoas, entre pacientes e familiares, que enfrentam problemas após cirurgia realizada pelo Mais Visão no dia 4/9/2023. A situação se repete: alguns saíram enxergando e perceberam a perda da visão no dia seguinte ou até três dias depois. Há relatos de pacientes que notaram algo errado já imediatamente após o procedimento.

A equipe médica do programa identificou a infecção e iniciou um tratamento com antibiótico uma semana após o mutirão. Hoje, a coordenação do programa aponta que se trata de uma infecção por fungo, e não bactéria, como imaginava inicialmente (leia mais abaixo). O caso é acompanhado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que recomendou a suspensão de todas as cirurgias oftalmológicas em regime de mutirão no estado.

Pacientes e familiares reclamam de falta de informação por parte da equipe do programa e afirmam que ficaram por muito tempo sem saber a real gravidade da situação. Eles relatam, ainda, que houve demora para uma ação mais enérgica e acreditam que se tivessem sido transferidos para um hospital, com maior capacidade, poderiam ter salvado a visão e, em alguns casos, o olho.

Familiares apontam que houve até colírio vencido entregue pela equipe do programa para que pacientes usassem em casa após a cirurgia do dia 4 de setembro.

Durante semanas, pacientes continuaram sendo atendidos no mesmo lugar em que haviam sido infectados, no Centro de Promoção Humana Frei Daniel de Samarate – Capuchinhos, em Macapá. A organização religiosa tem ampla presença no país e subcontrata a empresa Saúde Link para fazer as cirurgias e os atendimentos.

No dia 14/9, uma inspeção da Vigilância em Saúde do estado identificou uma série de irregularidades sanitárias no local, com destaque para o centro cirúrgico. O documento apontou, por exemplo, que todo o processo de lavagem de materiais é feito de forma manual, sem um equipamento chamado “cuba ultrassônica”, que ajuda na higienização completa. O espaço estava, ainda, em desconformidade com uma resolução da Anvisa.

Mesmo assim, o atendimento só foi interrompido no local após recomendação do Ministério Público emitida em 6/10. O MP investiga o caso e, na última sexta-feira (20/10), converteu o processo extrajudicial em inquérito civil público. Em um dos documentos, o órgão informa que, no dia 5/7/2023, um representante do Conselho Regional de Medicina esteve no Centro Capuchinhos e identificou ausência de equipe de limpeza na unidade.

No fim de setembro, alguns pacientes mais graves, com indicação de transplante de córnea, começaram a ser transferidos para Belém (PA), onde há mais estrutura.

Confira alguns relatos:

A técnica de enfermagem Marineia Tenório Braga, de 45 anos, chora ao contar a situação da sogra, dona Edilce, de 72. A idosa sofre com dores intensas desde 7/9. O desconforto insuportável apareceu exatamente três dias após ela passar pela cirurgia de catarata no mutirão do Mais Visão, em 4/9.

Marineia acompanhou a sogra durante a cirurgia e cuidou dela nos dias de pós-operatório. Quando apareceram os primeiros sinais de infecção, a técnica de enfermagem levou dona Edilce de volta ao Centro Capuchinhos. Os médicos explicaram que a idosa teve infecção na cirurgia e receitaram um antibiótico.

“A gente não recebia informações precisas, ninguém explicava o que estava acontecendo. Os profissionais receitavam colírio e remédio, mas a dor dela não cessava. Depois de uns dias, começou a sair uma secreção do olho e ele ficou todo branco”, conta a nora.

Ela lutou para que dona Edilce fosse encaminhada a um hospital em Belém em que pudesse receber tratamento mais especializado. Mas a transferência só foi autorizada 11 dias após o procedimento.

No Pará, o médico avaliou que a região estava inflamada demais para operar. Entre vitrectomias e aplicação de medicamentos, a infecção continuou avançando, e a idosa teve perfuração na córnea. Agora, os profissionais indicaram que dona Edilce retire o olho. Ela e a família estão desesperadas.

“Nem para ter filho eu senti tanta dor. É insuportável”, conta a aposentada. Sem enxergar, dona Edilce teme não ter mais a mesma independência de antes. “Gosto de cozinhar. Não cozinho para rico, filha, mas para pobre eu cozinho, e todo mundo gosta da minha comida. Gosto de ler, andar pelo quintal. Gosto de muita coisa que agora eu não sei se vai ficar difícil”, desabafou a idosa.

Almir estava feliz após a cirurgia de catarata. Passou a enxergar detalhes que antes não via, como pedrinhas na escada de sua casa. Mas três dias depois do procedimento as imagens começaram a ficar embaçadas até sumirem por completo.

O mecânico lembra com detalhes o dia da cirurgia no Centro Capuchinhos. “Os médicos estavam apressados. Tinha gente demais, mais de 100 pessoas. Eles perderam o controle”, conta. O procedimento foi rápido, Almir recebeu alta e chegou a casa com a instrução de pingar um remédio no local.

Só depois do primeiro retorno, quando o mecânico já estava com o olho infeccionado, a filha dele Juliana Freitas, de 22, percebeu que o colírio usado estava vencido. Os próprios funcionários do programa haviam entregado ao mecânico o frasco do medicamento no dia da cirurgia.

Almir lembra que, durante o retorno, os médicos estavam desesperados com a quantidade de pessoas com o olho infeccionado. Um dos funcionários do programa lhe disse que a situação poderia ter sido causada por sabotagem. “Era só para a gente ‘engolir’ a situação, mas ninguém acredita nisso”, diz.

Assim como outros pacientes, o mecânico permaneceu em Macapá, por mais de um mês, usando medicamentos para controlar a infecção. Ele chegou a pedir para ser transferido a Belém, mas recebeu uma negativa da equipe de saúde.

“A médica foi omissa comigo. Essa é minha maior decepção”, revela. A transferência para o estado do Pará aconteceu na segunda semana de outubro, quando o olho piorou e ficou branco.

Com a córnea perfurada, Almir aguardava com esperança uma cirurgia de transplante, que não iria lhe devolver a visão, mas melhoraria a aparência do olho. A operação, no entanto, não ocorreu a tempo, e ele recebeu na semana passada a triste notícia de que terá de retirar o globo ocular.

Abalado, ele relata que, tão logo chegou a Belém, os médicos informaram que se ele tivesse sido transferido antes, talvez seria possível recuperar o olho.

Provedor da casa, onde vive com quatro filhos e dois netos, Almir tem como umas das preocupações o retorno ao trabalho.

Dona Jocelina era independente antes de fazer uma cirurgia para catarata no olho esquerdo. Ela já saiu do procedimento, que aconteceu em 4/9, no Centro Capuchinhos, sem enxergar.

Quando voltou para o primeiro retorno, os médicos aplicaram uma injeção com antibiótico no olho dela para tentar conter a infecção. “Eu achava que seria anestesiada, mas não fui”, conta. Ela chora ao relembrar a dor que sentiu durante o procedimento.

A aposentada passou os dias seguintes indo à clínica, a fim de fazer a lavagem do olho e aplicar medicamentos para controlar a infecção. Jocelina lembra com clareza os detalhes das consultas de pós-operatório no Centro Capuchinhos. “Eu não fui bem atendida nenhum dia”, desabafa. O martírio, que durou semanas, não adiantou.

A equipe médica só autorizou a transferência de dona Jocelina para um hospital no Pará após a perfuração da córnea. Os profissionais que a acompanham atualmente não acreditam que ela volte a enxergar do olho esquerdo. Hoje, o objetivo deles é salvar o globo ocular da aposentada.

Jocelina, que está em Belém desde o dia 29 de setembro, aguarda uma cirurgia de transplante de córnea.

 

Maria do Socorro chegou a ser transferida para Belém, no entanto recebeu alta e teve de retornar para Macapá. Daqui a um mês, ela deve voltar ao Pará para fazer uma cirurgia e melhorar o aspecto do olho, mas a visão não voltará.

“Os médicos do Pará acham que, se tivessem me transferido antes para Belém, meu olho talvez teria sido recuperado. Mas me falaram que o atendimento em Capuchinhos era suficiente, e lá não resolveu”, conta.

Em 11/9, menos de uma semana depois de passar pela cirurgia de catarata no Centro Capuchinhos, Antônio Pimentel começou a sentir fortes dores no olho esquerdo. As pontadas escalonaram e, em poucas horas, ele parou de enxergar.

Desesperado, o agente de tributos procurou os profissionais de saúde do programa Mais Visão, em Macapá. Quando chegou ao local, Antônio percebeu que não estava sozinho. Ele encontrou dezenas de pacientes com o mesmo problema: não conseguiam mais enxergar com o olho operado.

Os médicos que atenderam Antônio identificaram uma infecção e decidiram aplicar nele uma injeção intraocular – procedimento que pode ser feito apenas com anestesia local. “Não sedaram a gente. Foi uma dor terrível”, revela. O relato de Antônio é repetido por outros pacientes que passaram pelo procedimento no primeiro retorno pós-cirurgia.

O medicamento não funcionou, a infecção piorou e Antônio conseguiu transferência para Belém no dia 29/9. Agora, ele se recupera da cirurgia de transplante de córnea.

Antônio ainda não se conforma com o que aconteceu e aguarda respostas das autoridades. O agente de tributos quer saber o que exatamente o infectou: uma bactéria ou um fungo? Segundo Antônio, o Centro Capuchinhos não possui estrutura para os procedimentos que foram realizados, tampouco para o acompanhamento posterior.

“A gente é tão leigo que se deixou levar. O projeto é bom, mas foi usado de uma maneira inadequada. Colocaram a gente em um local qualquer e operaram um monte de gente ao mesmo tempo. Eles pensaram na quantidade, e não na qualidade do atendimento. Demoraram a me transferir para Belém. Não deram ouvidos para a gente. Lá não tinha condições de fazer um tratamento desse”, ressalta.

Apesar de a coordenação do programa afirmar que os casos relatados são isolados, a reportagem encontrou outras pessoas que passaram por cirurgia nos olhos, no Centro Capuchinhos, e também perderam a visão.

Como mostrado na semana passada, Maria Janete Nazário Morais Sampaio, de 62, e Benedita do Carmo Jaques Damascena, de 79, fizeram operação de catarata no local, em 2021 e 2022, e ficaram cegas de um olho. Na lista, também está o porteiro José de Sousa Correia, de 57, que fez uma cirurgia de catarata em um dos olhos pelo programa, em 2021, e desde então enxerga apenas vultos.

No último dia 11/10, mais um caso foi denunciado ao Ministério Público, no qual uma paciente operada no dia 12/8 alega que também teve endoftalmite (infecção) e que está cega de um dos olhos desde então.

Coordenador do programa, o médico Afonso Celso das Neves admite que o surto de endoftalmite pode ter sido ocasionado por algum erro. “Se tiver, vamos pagar por ele. Não tem ninguém fugindo de responsabilidade. Estamos buscando todas as evidências, não só para culpar. Estamos em outro estágio, não temos essa mentalidade. Nossa mentalidade é crescer, reparar essas pessoas”, destacou.

Apesar do cenário grave, ele ressaltou que o programa é um sucesso, com 150 mil atendimentos e 110 mil cirurgias feitas em três anos, e frisa que a “credibilidade do serviço não foi mexida”.

O médico discorda dos apontamentos feitos pela Vigilância Sanitária do Estado sobre as condições do local onde ocorrem os atendimentos, no Centro Capuchinhos, e defende que a Saúde Link, que realiza as operações, segue um protocolo de esterilização.

“A complexidade de um fungo aconteceria em qualquer hospital do mundo, mesmo que usasse os melhores métodos de esterilização (…) Se eu for aplicar isso que a vigilância falou, eu fecho 99,9% das instituições de saúde do Brasil”, disse. A conclusão de que a infecção é por fungo, e não por bactéria, ocorreu após análise de material coletado de dois pacientes.

Segundo Afonso, é difícil ter a análise do agente causador de cada um dos pacientes, porque a identificação do fungo é muito complexa. Além disso, quando a coleta foi feita, pacientes já haviam recebido aplicação de antibiótico e outros medicamentos, o que, conforme o médico, torna a identificação mais difícil.

Por isso, o programa considera que os casos detectados são suficientes para “dar um certificado científico de que foi fungo a causa do problema”. De acordo com ele, a ocorrência do fungo é raríssima, mas pode ocorrer em qualquer lugar. “É como se fosse uma fatalidade”, disse.

Para o coordenador, a equipe do programa agiu de forma correta ao longo de todo o processo pós-cirúrgico. Apesar das queixas dos pacientes, ele garante que os profissionais estavam preparados para lidar com a situação, mesmo diante do alto volume — a endoftalmite atingiu 73% dos pacientes que fizeram a cirurgia de catarata no dia 4 de setembro, quando a estatística de incidência esperada é de 0,2% a 0,3%.

“Não tivemos nenhum erro, só acertos”, disse o médico ao falar sobre o acompanhamento após a cirurgia. O protocolo de tratamento de um quadro desse tipo de infecção prevê aplicação de antibiótico e, caso não haja melhora, a realização de forma célere da “vitrectomia” (substituição do fluido transparente que preenche quase todo o globo ocular). Existem dois aparelhos na estrutura do programa, no Centro Capuchinhos, que fazem o procedimento.

Pacientes ouvidos pela reportagem confirmam a injeção de antibiótico, mas alguns alegam que, mesmo com a evolução da infecção, não passaram pela vitrectomia. Afonso, por sua vez, frisa que, se o procedimento não foi feito, é porque não havia indicação médica para tal. Ele alegou ainda que as reclamações são “conversas leigas”.

“A medicina avalia a evolução do paciente. O paciente não é um número, e o principal é a evolução médica do paciente, feita diariamente. Uma vitrectomia de imediato pode, às vezes, ser mais danosa do que se você avaliar o paciente”, disse.

Diversos pacientes ouvidos pela reportagem também afirmam que não foram sedados para a aplicação intraocular (dentro do olho), o que gerou dores intensas. O coordenador do programa, por sua vez, nega, e diz que tudo está documentado.

“Eu tinha três anestesistas na sala. Claro que foi dada sedação. Todos os pacientes foram sedados. Infelizmente, há dor dada a intensidade do órgão inflamado”, disse, ressaltando que eventuais dores foram sentidas após a injeção.

Sobre o caso do colírio vencido, Afonso das Neves admite que houve um erro na área que cuida do estoque, mas aponta que não há relação com o surto de infecção. “Foi uma falha nossa sim, mas nós somos seres humanos”, afirmou.

Mesmo diante da gravidade da situação, o governo estadual segue em silêncio. A assessoria da Secretaria de Estado da Saúde alegou que não administra o programa e orientou apenas que a reportagem procurasse o Centro Capuchinhos, que não integra a estrutura do governo estadual.

Em nota enviada no dia 9/10 ao Metrópoles, o senador Alcolumbre manifestou apoio e solidariedade aos pacientes atingidos e disse esperar que “se identifiquem as causas desse caso isolado”. Procurada novamente, a assessoria não quis encaminhar novo posicionamento.

Confira a íntegra da nota de 9/10 da assessoria de Alcolumbre:

“O senador Davi Alcolumbre esclarece que tomou conhecimento da situação e que acompanha o caso sendo informado periodicamente pela Secretaria de Saúde do Estado do Amapá e pela coordenação do Mais Visão. O senador exigiu que todas as medidas de prestação de serviço no atendimento aos pacientes fossem adotadas.

O senador se orgulha de ter trabalhado para garantir os recursos necessários na implementação do programa, que, há mais de 3 anos, é um verdadeiro sucesso, tendo atendido mais de 150 mil amapaenses, devolvendo a visão a tantas pessoas, levando para os lugares mais distantes todo o atendimento especializado, inclusive para ribeirinhos e indígenas, em todos os municípios do Amapá.

O senador espera ainda que se identifiquem as causas desse caso isolado de infecção que ocorreu em um único dia e que tudo seja plenamente esclarecido. Manifesta também seu apoio e solidariedade aos pacientes atingidos, que seguem sendo auxiliados integralmente pela coordenação do Mais Visão”.

Além da entrevista do médico Afonso Celso das Neves, a coordenação do Mais Visão também encaminhou nota explicativa ao Metrópoles. O comunicado foi enviado pela assessoria de Alcolumbre. Confira a íntegra:

“Num único dia, 4 de setembro, fomos acometidos com uma infecção que contaminou diversos pacientes de uma única unidade do Mais Visão. Nós do Programa, trabalhamos por três anos seguidos, mais de mil dias no Mais Visão. Mil dias ao lado de uma equipe séria: médicos, enfermeiros, profissionais de saúde, para que mais de 100 mil pessoas fossem operadas e voltassem a enxergar. Foram mais de mil dias de operações bem-sucedidas. E, para nossa tristeza, foi detectada essa infecção hospitalar em uma única sala, apesar de todas as precauções que tomamos.

Realizamos todas as providências urgentes e necessárias.

Primeira providência, atendendo também a determinação do governador do Amapá, Clécio Luís e do senador Davi Alcolumbre, fizemos o atendimento e acolhimento imediato de todas as famílias que estão passando por este momento difícil. Todos os pacientes atingidos pela infecção estão recebendo tratamento para combatê-la; todos estão recebendo assistência psicológica, social e médica 24h por dia. E outros já estão sendo operados com transplante de córnea.

Segunda providência, solicitamos a instalação de um protocolo de segurança hospitalar, e que os Capuchinhos interrompessem o atendimento do programa para garantir que nenhuma outra intercorrência ocorra. Assim, o programa só voltará a funcionar depois que todos os protocolos de segurança em casos de contaminação forem concluídos.

Lamentavelmente, até nos mais avançados hospitais do mundo, infecções inesperadas acontecem. Vale lembrar que o Mais Visão tem uma história. Já atendeu com sucesso mais de 100 mil pessoas. Não é um programa que nasceu ontem, e sim um programa bem avaliado pela população. Um programa que tem mais de mil dias de trabalho. Fica registrado aqui, mais uma vez, a nossa solidariedade aos pacientes e familiares e reafirmamos o nosso compromisso em apoiá-los permanente e irrestritamente”.

O médico Daniel Moon Lee, especialista em catarata no Hospital de Olhos INOB, em Brasília, explica que a endoftalmite, como a que acometeu os pacientes que realizaram a cirurgia de catarata pelo programa Mais Visão, é uma infecção ocular rara, mas “é uma das mais temidas”.

“Pode levar a uma sequela grave, com perda de visão irreversível e até perda do olho (…) Infelizmente, isso que aconteceu nesse programa é uma tragédia. De 141 cirurgias em um dia e cento e pouco terem a infecção, realmente é uma tragédia”, frisou.

Para Lee, a situação parece ter sido ocasionada por alguma falha na esterilização de materiais ou na manipulação de instrumentos. Outra possibilidade é um lote de um mesmo material contaminado que tenha sido usado nos pacientes.

Conforme o médico, quando há indicação de transplante de córnea, significa que a contaminação chegou até a parte da frente do órgão. “Se tiver vários casos assim, isso mostra a força e o poder de destruição desses agentes infecciosos”, pontuou. O especialista salientou, ainda, que o transplante de córnea de urgência não tem como finalidade devolver a visão do paciente, mas sim salvar o olho.

“Esse transplante é chamado de ‘tectônico’. É como se você estivesse em uma tempestade, o teto foi perfurado e está entrando bolas de granizo. Você não vai se preocupar em trocar a telha por telhas bonitas. Você só vai jogar uma lona para tapar o buraco e evitar que a água entre. Esse transplante de urgência mostra, indiretamente, a gravidade do caso”, disse.

Especialista em catarata, com atuação no Hospital Oftalmológico de Brasília (HOB), Jonathan Lake também ressalta que a endoftalmite após cirurgia de catarata é extremamente rara – a incidência é de 0,2% a 0,3% – e com potencial de gravidade em relação à perda da visão. Em casos extremos, pode chegar à perda do globo ocular, como foi o caso de alguns pacientes do programa Mais Visão.

“De 141 cirurgias, se 104 tiveram endoftalmite, realmente é uma tragédia”, ressaltou. Jonathan pontuou que, apesar de grave, a infecção é tratável e a visão pode ser salva, desde que a ação seja enérgica.

Ele explicou que, se um de seus pacientes tivessem um quadro de infecção pós-cirurgia, faria a aplicação de antibiótico e, se não houvesse melhora, faria o procedimento de vitrectomia em menos de 24 horas.

O médico chama a atenção para o fato de o número representar uma estatística de infecção em um dia muito superior ao que médicos estão preparados, o que pode ter dificultado a logística do local para atender os pacientes.

“Quando você planeja uma campanha como esta, você não imagina um índice [de infecção] tão alto. Aí você vai precisar fazer um protocolo de endoftalmite para 100 pacientes de uma vez. Vai ter que ter estrutura para vitrectomia em todo mundo, tratamento com antibiótico em todo mundo. Nunca ouvi falar em uma situação como essa”, afirmou.

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