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CBDEL é acusada de favorecer time de gerente, e MP-SP pede investigação

Por Ge

Cerimônia de abertura do IeSF World Esports Championship 2023 na Romênia — Foto: Divulgação/IeSF

O Ministério Público de São Paulo (MP-SP) pediu à Polícia Civil a instauração de inquérito policial para investigar a Confederação Brasileira de Desportos Eletrônicos (CBDEL) por um suposto favorecimento a uma equipe ligada à gerente da entidade no processo seletivo para participação em uma competição internacional. O pedido do MP-SP ocorreu a partir de uma denúncia protocolada como notícia crime pelas jogadoras que se sentiram prejudicadas. Os denunciados negam irregularidades.

Cerimônia de abertura do IeSF World Esports Championship 2023 na Romênia — Foto: Divulgação/IeSF

Cerimônia de abertura do IeSF World Esports Championship 2023 na Romênia — Foto: Divulgação/IeSF

Na notícia crime, as atletas pedem que a CBDEL seja investigada pelos crimes de corrupção privada no esporte, contra a incerteza do resultado esportivo e contra a ordem econômica esportiva, tipificadas na Lei Geral do Esporte, e por estelionato, previsto no Código Penal.

O diretor de esportes digitais da CBDEL, Ulisses Witter, respondeu ao e-mail do ge dizendo que “tudo já foi conversado e explicado” para as jogadoras e que, sobre a notícia crime, não há o que responder, porque a confederação ainda não tem conhecimento dela. Depois da publicação desta matéria, a CBDEL se manifestou em nova nota (leia na íntegra ao fim do texto). O time supostamente beneficiado alegou que conquistou a vaga no evento em um jogo classificatório, portanto, de maneira justa.

Criada em 2016, com sede em Jundiaí (SP), a CBDEL é cadastrada no Sistema Nacional do Desporto, do Governo Federal, estando apta a receber dinheiro público e obter isenções fiscais quando devidamente certificada. A última certificação vigente da CBDEL, que deve ser renovada anualmente, expirou em 23 de agosto deste ano.

Embora se intitule como representante do mercado de esports no Brasil, assim como a Confederação Brasileira de Games e Sports (CBGE), a entidade não é reconhecida por desenvolvedoras, clubes e jogadores profissionais.

Ainda assim, a CBDEL promove eventos, viabiliza a participação de brasileiros em campeonatos da entidade internacional à qual é filiada, a International eSports Federation (IeSF), e faz interlocução com o Poder Público. Um exemplo disso foi uma reunião da qual o presidente da confederação, Daniel Cossi, participou com o ministro do Esporte, Andre Fufuca (PP-MA), nesta semana, em Brasília.

Imbróglio em seleção de time

O imbróglio que resultou no pedido de instauração do inquérito policial envolveu a participação de uma equipe brasileira feminina de Counter-Strike: Global Offensive (CS:GO) no IeSF World Esports Championship, em Iași, na Romênia, de 28 de agosto a 1º de setembro.

A CBDEL lançou um chamamento para que equipes femininas se inscrevessem de modo a representar o Brasil na classificatória sul-americana para o evento na Romênia. Integrantes do time “God Genesis” foram as únicas inscritas no prazo inicialmente determinado, até 7 de abril, e automaticamente se tornaram as representantes brasileiras. Elas chegaram a assinar contratos, em meados de abril, se comprometendo a participar da seletiva.

Dias após a assinatura dos contratos, na tarde de 27 de abril, a gerente de esportes digitais da CBDEL, Jennifer Souza, entrou em contato por WhatsApp com uma das jogadoras da “God Genesis” na ocasião, Camille Vitória, convidando as integrantes da equipe a jogarem pela “Storm Power” para representar o Brasil no campeonato do IeSF. Naquela época, Jennifer também era gerente na “Storm Power”.

Camille estranhou a abordagem, 20 dias depois do término do prazo de inscrição, já que, até aquele momento, a informação era de que a “God Genesis” seria a participante do evento, por ter sido a única inscrita.

Nessa conversa, Jennifer apresentou uma informação que era desconhecida pelas jogadoras da “God Genesis”: que Brasil e Argentina teriam duas vagas no evento na Romênia e não precisariam se enfrentar em uma classificatória, como aconteceu na edição 2022.

Novo chamamento

Como não houve adesão de outros países além de Brasil e Argentina, a classificatória sul-americana acabou cancelada, segundo integrantes da CBDEL informaram na noite de 27 de abril, horas depois do contato de Jennifer com Camille. Por consequência, Brasil e Argentina passariam a ter vaga direta no evento na Romênia, exatamente como Jennifer havia adiantado mais cedo.

Contudo, a “God Genesis” não herdou a vaga diretamente. Representantes da CBDEL informaram às jogadoras, para revolta delas, que a entidade iria abrir novo chamamento público para escolha da representante brasileira, supostamente por ordem da IeSF. A seleção ocorreu de 11 a 17 de maio.

Em contato com as jogadoras da “God Genesis”, uma representante da IeSF negou a informação da CBDEL, disse que não mandou a entidade refazer a convocação e sustentou que a escolha da participante do evento era de responsabilidade exclusiva da confederação local.

— Eles não confirmaram para nós que estávamos representando o Brasil [na Romênia], embora, para nós, fosse óbvio. Não havia livro de regras ou documento falando que o processo era para o pan-americano e que, em algum momento, poderiam fazer outro chamamento [para a Romênia]. Nunca teve. Foi uma coisa que eles [CBDEL] criaram por algum motivo deles. Não foi nada público, não foi nada planejado. Eles não tinham escrito isso em documentos oficiais, a gente não sabe o que aconteceu e não entendeu — contou a jogadora Jessica Andrade, que representava a “God Genesis” na época, ao ge.

Dentro do novo prazo, duas equipes se inscreveram: a “God Genesis” e a “Storm Power”, cuja gerente da época tem assento na diretoria da CBDEL até hoje.

Lisura competitiva em dúvida

Com duas equipes inscritas, a entidade organizou uma série em melhor de três partidas (md3) em maio – a vencedora iria para a Romênia. Segundo o relato de jogadoras da “God Genesis”, houve uma série de problemas técnicos que atrapalharam o jogo, que seria disputado na plataforma Epulze e depois acabou transferido para a FACEIT.

Elas alegam ainda que Jennifer estava no canal do Discord da “God Genesis” durante a fase de escolha dos mapas para o confronto, mesmo sendo ligada à equipe adversária, a “Storm Power”.

A “Storm Power” venceu o confronto por 2 a 0 e se classificou para participar do IESF World Esports Championship, no qual a equipe caiu na fase de grupos, com duas vitórias e duas derrotas.

— A CBDEL não demonstrou lisura na organização competitiva junto aos seus times e jogadores federados, como determina a lei, e ainda, em tese, assim agiu para favorecer, indevidamente, o time da gerente da CBDEL, Jennifer Souza, o “Storm Power”, que, posteriormente, ostentou e divulgou a sua classificação nas redes sociais — afirmaram as jogadoras na denúncia protocolada pelo advogado Helio Tadeu Brogna Coelho Zwicker.

Recebida a denúncia, a Promotoria de Justiça em Jundiaí enviou ofício à Polícia Civil para que seja instaurado inquérito policial de modo a investigar as alegações das jogadoras. Elas também encaminharam cópia da denúncia ao Ministério do Esporte.

Versões sobre o novo chamamento

Contatada pelo ge, Jennifer alegou que procurou Camille, indicada por um amigo em comum, porque as inscrições estavam abertas, embora publicações da própria CBDEL nas redes sociais digam o contrário. Ela admitiu que tinha ciência da realização do evento em razão do cargo na CBDEL, mas não soube dar detalhes sobre o prazo maior, nem mostrou qual post indicava que as inscrições ainda estariam em andamento em 27 de abril.

— Eu não estou aqui para prejudicar ninguém. Elas participaram de um ranqueamento e perderam. E não aceitam que perderam. Foi isso que aconteceu, infelizmente — declarou Jennifer, ressaltando que era gerente de PUBG na equipe, e não de CS:GO, e negando considerar que houvesse conflito de interesses por também trabalhar na CBDEL. Ela já deixou a “Storm Power”.

O CEO da “Storm Power”, Fabiano Heidrich Costa, disse ao ge que entrou em contato com representante da CBDEL em 27 de abril alegando que tentou inscrever a equipe dele na seletiva, mas que soube que as inscrições estavam fechadas. O executivo enviou a publicação do Instagram que hoje consta a data de 7 de abril como prazo, mas que, segundo ele, na época mostrava a data de 7 de maio.

No post em questão, há a indicação de que houve edição, mas não é possível consultar o texto anterior à mudança.

Fabiano não soube responder por que a CBDEL iria alterar o post para trocar a suposta data correta (7 de maio) para a data errada (7 de abril), sendo que, no momento do contato com a CBDEL, em 27 de abril, as inscrições supostamente deveriam estar abertas, segundo a versão dele. Além disso, em 27 de abril, os contratos com a “God Genesis” já estavam assinados.

— Isso eu não sei porque é um processo interno da CBDEL, então, se tinha contrato ou não, eu realmente não tenho a informação. A única coisa que eu fiz foi defender o interesse do meu time. E acho estranho alguém sugerir que houve favorecimento se a vaga foi disputada dentro de uma partida melhor de três. E o time que ganhasse ganhava a vaga. Ou seja, qualquer time tinha chance, sendo que o objetivo da CBDEL sempre deve ser o de levar o melhor que o Brasil tem para disputar qualquer campeonato em qualquer esport — argumentou o CEO.

Jessica disse ao ge que as integrantes da “God Genesis” nunca foram informadas sobre o suposto erro na publicação sobre a data de inscrição. A única justificativa dada pela CBDEL à equipe, na época, era de que seria necessário abrir novo chamamento por ordem da IeSF.

O advogado das jogadoras que se sentiram prejudicadas admitiu que há uma “zona cinzenta” sobre as datas de inscrição para o evento, mas defendeu que isso não muda a acusação.

— Em tese, a essência desse favorecimento é justamente a que acaba sendo causada por quem tem poderio sobre a situação, e a CBDEL tinha esse poderio. É natural que, nesse tipo de delito, as coisas fiquem confusas. Independente de ter essa divergência ou não, para nós, a questão delituosa dos crimes denunciados prevalece — comentou Helio.

— Era o nosso sonho. O sonho de toda menina que joga esporte eletrônico é jogar o mundial e representar o país dela. A gente estava muito nessa expectativa e não se atentava aos pequenos detalhes na época. Olha o tanto de coisa errada que a gente nunca percebeu — lamentou Jessica.

Leia a íntegra da nota da CBDEL, divulgada após a publicação da matéria:

No intuito de esclarecer recentes alegações de irregularidades envolvendo a Confederação Brasileira de Desportos Eletrônicos (CBDEL) e seu processo seletivo para a participação em uma competição internacional, gostaríamos de apresentar alguns pontos cruciais que merecem atenção.

Presunção de Inocência:

A CBDEL e os envolvidos refutam veementemente as acusações, mantendo-se firmes na presunção de inocência. Até que as alegações sejam substancialmente comprovadas, pedimos o respeito a este princípio fundamental.

Evidências Pendentes:

Ressaltamos que, até o momento, não foram apresentadas evidências concretas que fundamentem as denúncias. A investigação justa e imparcial é crucial para elucidar os fatos de maneira objetiva.

Transparência e Integridade:

A CBDEL assegura que o processo seletivo transcorreu de forma justa, e o time beneficiado conquistou a vaga por méritos próprios em um jogo classificatório. Estamos comprometidos com a transparência e a integridade em todas as nossas atividades.

Questões Técnicas e Controvérsias:

Reconhecemos a existência de problemas técnicos durante o processo seletivo. Essas questões serão minuciosamente analisadas para determinar se influenciaram de maneira significativa a integridade do processo.

Legitimidade Institucional:

Apesar de divergências no reconhecimento da CBDEL, é uma entidade legalmente constituída e registrada no Sistema Nacional do Desporto. Essa legalidade respalda nossa capacidade de organizar eventos e representar o Brasil internacionalmente.

Compromisso com a Justiça e Equidade:

Reconhecemos a necessidade de esclarecimento e reforçamos nosso compromisso em colaborar plenamente com as autoridades e investigações para garantir que a verdade prevaleça. Adotaremos todas as medidas necessárias para restaurar a confiança da comunidade de esports.

Instamos a imprensa a aguardar os resultados da investigação policial antes de formular conclusões definitivas. A CBDEL permanece aberta ao diálogo e comprometida com a transparência em todo o processo.

Agradecemos pela compreensão.

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