Uma experiência agropecuária dos anos 50 e que não deu certo no antigo território federal do Guaporé, que hoje é o Estado de Rondônia, vem causando problemas de desequilíbrio ambiental em pelo menos três reservas rondonienses. São búfalos (nome científico: Bubalus bubalis) trazidos da Ásia no início da colonização do antigo território e que, com o abandono do projeto inicial, os animais se reproduziram em larga escala e se tornaram novamente selvagens ao ponto de causarem desequilíbrio ambiental na zona rural de localidades ao longo do chamado Vale do Guaporé.
Também conhecido como búfalo-d’água, os animais de origem asiática atualmente estão distribuídos por todo o mundo, devido à domesticação. Um búfalo chega a pesar até 1.200 quilos e pode ter de 2 a 4,3 metros de comprimento. Domesticados há mais de 5 anos, passam a fornecer aos humanos leite, carne e couro. Um animal adulto pesa de 300 a 550 quilos, com comprimento de até 2,6 metros.
Os animais em Rondônia vivem atualmente sem monitoramento ou qualquer outro tipo de controle e isso seria a causa do desequilíbrio ecológico em pelo menos três reservas ambientais estaduais. O desequilíbrio é registrado com a extinção de espécies nativas, mudança no curso dos lagos e redução da vegetação nos locais habitados pelos animais.
A experiência começou com um rebanho de 60 animais, instalados, nos anos 60, na Fazenda Pau D’Óleo, uma área biológica experimental do Vale do Guaporé. Era parte de um projeto dos administradores do Território Federal do Guaporé com o objetivo de criação dos animais para comércio e consumo da carne e do leite. Domesticados, os bois também servem para ajudar na força de tração para mover aparelhos ou máquinas a partir da força animal. O projeto visava movimentar a economia local mas foi abandonado pelo próprio governo do antigo território.
Os búfalos selvagens de Rondônia são da mesma linhagem dos que são encontrados na Ilha do Marajó, no Pará, de onde foram transportados para a Fazenda Experimental Pau D´Óleo, por volta de 1950.
O Vale do Guaporé, com vegetação e mananciais de água, se tornou o ambiente perfeito para a reprodução dos animais e por isso estima-se que o rebanho já soma mais de cinco mil cabeças. O rebanho vem se espalhando e invadindo outras áreas de conservação do estado, incluindo a Reserva Biológica (Rebio) Guaporé e a Reserva Extrativista (Resex) Pedras Negras. Além disso, existem indícios de que os animais também migraram para a Bolívia, país que faz fronteira com Rondônia, segundo a Secretaria de Estado do Desenvolvimento Ambiental de Rondônia (Sedam).
Em nota, a Sedam afirma que não há projeto de monitoramento, controle e erradicação dos búfalos em andamento por parte do governo de Rondônia e isso é a causa de o rebanho vir aumentando e causando alterações ambientais nas áreas protegidas, como é o caso das Rebio Guaporé e Resex Pedras Negras, ambas às margens do rio Guaporé, nas proximidades da fronteira com a Bolívia.
De acordo com a analista, esses animais vivem em grupos, com machos alfas extremamente ferozes que protegem sua manada. Além disso, eles são considerados “espécie exótica invasora”, pois estão fora da sua área de distribuição natural e ameaçam habitats, serviços ecossistêmicos e a diversidade biológica, causando impactos em ambientes naturais.
A presença desses animais causa danos à vegetação, já que eles pisoteiam e derrubam árvores jovens, provocando desequilíbrio ambiental e ameaça à existência de espécies nativas, que precisam competir por espaço e alimento. Essas alterações impactam três reservas ambientais do estado: Reserva de Fauna Estadual Pau D’Óleo, criada recentemente com o objetivo de proteger a fauna nativa da região; Reserva Biológica do Guaporé, uma unidade de proteção integral com 615,7 mil hectares, criada para preservar espécies nativas e os ambientes alagados, e Reserva Extrativista Estadual de Pedras Negras, protege os meios de vida e a cultura de populações tradicionais, que possui cerca de 124,4 mil hectares.
Atualmente, a Reserva Biológica do Vale do Guaporé enfrenta graves consequências causadas pelos búfalos. Eles mudam o curso dos lagos que passam pela área protegida e criam novos “canais”. Isso é causado por um comportamento natural da espécie: andar em fileiras. Os canais criados pelos animais alteram o fluxo da água e acabam comprometendo uma das principais características do ambiente.
Os animais também causam mudanças na hidrologia de superfície, incluindo redução da retenção de água doce em bacias de inundação e o aumento da turbidez em corpos d’água. A antiga Fazenda Pau D’Óleo agora se chama Reserva de Fauna Pau D’Óleo, após ser transformada em Unidade de Conservação Estadual de Uso Sustentável em 2018. Ela está sob a responsabilidade da Sedam. No entanto, até o momento, não foram implementadas iniciativas de conservação ou manejo sustentável associadas a esses animais.
Um Projeto de Lei sancionado em 2016, pelo então governador Confúcio Moura, tinha o objetivo de regulamentar o abate de búfalos no Vale do Guaporé para conter o impacto causado pelos animais nas atuais Refau Pau D´Óleo e Resex Pedras Negras.
A legislação, que autorizava o abate de 5 mil búfalos de reserva, previa que o processo fosse supervisionado pela Agência de Defesa Agrossilvopastoril de Rondônia (Idaron) e pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).
No entanto, segundo a Sedam, a Rebio Vale do Guaporé, por ser uma Unidade de Conservação Federal, não estava sob a jurisdição estadual para atuar nessa questão, o que levou a lei ao “esquecimento”.